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análise do discurso

1. Multiplicidade dos discursos sobre a emoção

1.1 A dimensão Psi das emoções

Processos psicológicos básicos, algo que está do lado dos afetos. É assim que a psicologia considera a emoção. Trata-se de uma reação glo- bal do organismo a certas situações internas ou externas; possui um cará- ter de transitoriedade e, de modo geral parte de uma causa imediata co- nhecida. Enquanto processo psicológico básico, a emoção é dividida em primárias e secundárias. As emoções primárias são respostas específicas a cada uma das classes de situações vitais relevantes e são categorizadas pela raiva, tristeza, medo, surpresa, alegria e interesse. São emoções vi- venciadas por pessoas de qualquer lugar do mundo, independentemente da dimensão sociocultural. Por outro lado, as secundárias são desdobra- mentos das primárias e possuem uma gama extensa, porque cada uma se distende em várias outras. Assim, a alegria, por exemplo, se deriva em gozo, exultação, êxtase, felicidade, júbilo, regozijo, glória, graça, delei- te, satisfação, jovialidade, dentre outros. O que interessa, em todo este leque, é que o fenômeno da emoção, em sua totalidade, é capaz de des- pertar nos sujeitos determinados sentimentos, em função da experiência subjetiva da emoção.

2 A nosso ver, as unidades linguísticas que remetem a um juízo de valor, em um texto, são

vistos como indutores da emoção, ou seja, elementos discursivos, unidades propriamente linguísticas, fenômenos sócio-discursivos ou representações mentais e sociais que provocam uma emoção no receptor.

Um dado importante que aqui lembramos é o fato das emoções secundárias serem encontradas em uma ou mais culturas, mas não em todas. Por esse caminho, cada realidade aponta para uma emoção dife- rente (ARNOLD, 1968), uma vez que esta se torna uma consequência do sentido que o sujeito atribui à determinada situação. Para Hoschschild (1998), cada grupo social, cada cultura desenvolve sua “gramática” das emoções, com suas leis específicas, definindo o que a emoção é ou não é e, ainda, o que se deve ou não se deve sentir em um certo contexto. Do mesmo modo, Tomkins (1962, 1992) estuda os aspectos socioculturais presentes no desenvolvimento, manifestação e socialização das emoções. A partir das emoções primárias, a personalidade é formada por estrutu- ras ideoafetivas que são constituídas pelas vivências e ideologias em que um sujeito é criado. Dessa forma, pode-se dizer que as emoções podem variar, uma vez que as estruturas ideoafetivas se modificam em função das alterações culturais, sociais e linguísticas.

Um ponto pertinente da teoria de Tomkins (1991, 1992) refere-se à noção de Script. Proveniente do discurso teatral, tal concepção lança mão dos termos cena e roteiro. A unidade básica para a compreensão da vida psicológica de uma pessoa é a cena, que é qualquer evento expe- riencial específico, marcado por início, meio e fim, com alta intensidade emocional. Assim, uma mãe que perde seu filho recém-nascido em um acidente aéreo possui uma cena gravada, uma espécie de representação mental da situação ocorrida juntamente com a emoção provocada por tal cena. Cada sujeito possui uma memória de cenas vividas e organizadas de acordo com regras e estratégias que são mais ou menos fixas e formam o script (roteiro). Segundo Tomkins (1991, 1992), os scripts são forma- dos para que o sujeito lide com as regularidades e mudanças do mundo e possa desenvolver estratégias para organizar, avaliar, interpretar e con- trolar as cenas. Desse modo, a mãe que perdeu o filho recém-nascido em um acidente aéreo, ao se deparar com notícias - ainda que tempos depois - sobre um acidente desse tipo, terá despertado em si uma cena de dor, marcada por um script que a fará entristecer-se e, de certo modo, desen- volver estratégias de controle ou gerenciamento das emoções.

Segundo Maturana (2001), as emoções são disposições corporais dinâmicas que especificam domínios de ações nos quais os animais e hu- manos operam. A partir desta constatação, esse autor defende que qual-

quer que seja a ação humana, ela é realizada em algum domínio emocio- nal: “[...] é a emoção que define o que fazemos naquele momento como uma ação de um tipo particular naquele domínio operacional” (p. 133). Isso quer dizer que os movimentos humanos são guiados pelas emo- ções e que as emoções, por sua vez, interferem nos domínios das ações humanas e a compreensão da atividade humana passa necessariamente pela compreensão da emoção, que define o domínio das ações. Matura- na sustenta que as emoções entram na consecução de um domínio em função da linguagem e é exatamente na articulação entre o linguajar e a emoção é que o humano se constitui.

Para os cognitivistas (Maturana, 1998, Varela, 1992), os processos emocionais possuem um evento indutor em função de sua previsibilida- de e cálculo de consequências, respostas emocionais somáticas e psicoló- gicas, normalmente não-conscientes, uma vivência afetiva consciente e verbalizável, que pode ser comunicada e expressa por aquele que a viveu e, por fim, uma manifestação comportamental em resposta à emoção, que faz com que o sujeito fuja, aproxime-se, agrida, se defenda etc. Isto posto, o caráter substancialista dessa teoria levanta contestações de uma abordagem que leva em consideração os fatores socioculturais presentes na emoção, como é o caso das teorias provenientes da Psicologia Social.

Em um caminho semelhante, a psicologia cognitiva sustenta que a experiência emocional depende da percepção que a pessoa tem de uma dada situação. Assim, cada circunstância fornece pistas ao sujeito de como ele deve interpretar seu estado de estimulação. No entanto, um ponto discutível nesta teoria é o fato de que nem todos os sentimentos provêm das cognições, pois as pessoas são capazes de reagir instantane- amente a situações sem interpretá-las e avaliá-las. Em muitos casos, a avaliação e a interpretação só aparecem em período posterior à ação pro- priamente dita. Com aproximações cada vez maiores com o campo das neurociências, a Psicologia Cognitiva, ao lado daquela, buscou analisar o cérebro dos enamorados através de ressonância magnética funcional, um procedimento que possibilita visualizar a atividade de múltiplas áre- as cerebrais em um determinado momento. Tal mapeamento aconteceu quando os pesquisadores mostraram aos pesquisados imagens fotográ- ficas da pessoa amada e solicitaram que estes relaxassem e pensassem no seu objeto de amor. Paralelamente, foram mostradas fotos de pessoas

do mesmo sexo e idade dos “amores” dos sujeitos objetos da experiên- cia: o observador externo não recebeu nenhum índice para ajudá-lo a diferenciar as fotografias, a fim de se garantir qualquer interferência na observação por parte do observador. Por fim, foram observadas as ativi- dades cerebrais e as mesmas foram comparadas. Segundo os cientistas, quatro áreas localizadas no sistema límbico – sistema responsável pelo controle das emoções - se iluminavam na ressonância quando os parti- cipantes pensavam carinhosamente em seus parceiros. De acordo com os pesquisadores, tais áreas distinguem o amor da pura excitação sexual. Como conclusão, os cientistas verificaram que a emoção amorosa não se apresenta apenas como um fenômeno psicológico, mas também como um fenômeno neuronal3.

É evidente que o campo das neurociências trouxe um significativo progresso para o estudo das emoções e das paixões. No entanto, é opor- tuno pensar também no discurso constitutivo desse campo, uma vez que esse enfoque tende a reduzir o homem a um conjunto de neurônios e neu- rotransmissores, ao centrar-se na configuração orgânica do ser humano como fator determinante de suas emoções e comportamentos. A questão que se coloca, nesses casos, é como pensar algo que pode ser universalizá- vel – aquilo que é da ordem do orgânico – em relação aquilo que é da or- dem do particular – o modo como cada sujeito “se emociona” e se impli- ca no seu “emocionar”. Trata-se de um posicionamento ético, pois, se de um lado é oportuno pensar que os avanços das neurociências apresentam progressos admiráveis na atualidade, do mesmo modo, é oportuno pensar que existe um risco nesse campo, que é o de subtrair a responsabilidade de um sujeito diante de seus atos e daquilo que o emociona.