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2.3 Resultados

3.2.2 Dinâmica da alavancagem no nível da firma

Nessa subseção analisa-se a dinâmica que emerge entre investimento, lucratividade e alavan- cagem no nível da firma. A Figura 3.4 mostra como a dinâmica da alavancagem se comporta condicionalmente ao investimento e à lucratividade. A dinâmica da alavancagem é capturada por sua variação em 10 períodos, que são os valores representados no boxplot. A lucratividade é capturada pela taxa de lucro bruto e sua distribuição é uma avaliação ex post da solidez das decisões passadas de investimento comparativamente às demais firmas. A capacidade de uma firma particular capturar lucro está relacionada não só à sua competitividade de custo compara- tivamente às outras firmas e ao mark up, mas também depende do nível de demanda agregada.32

Cada retângulo da Figura 3.4 representa uma parte da distribuição da taxa de lucro: a lucrati- vidade aumenta lendo-se o gráfico da esquerda para a direita. A inclusão da taxa de investimento controla o impacto da potencial maior necessidade de financiamento diante de maiores investi- mentos. Dentro de cada retângulo, representam-se os quartis da taxa de investimento; lendo-se da esquerda para a direita, dentro de cada retângulo, aumenta-se a taxa de investimento. Tanto a taxa de investimento quanto a lucratividade são medidas a partir das médias compostas.

31Ver Ryoo (2010) para uma discussão.

32A Figura 3.4 não distingue a alavancagem inicial da firma. Como a alavancagem é muito persistente, ela tende

a ser inercialmente carregada ao longo do tempo. De forma similar, ela também não distingue os momentos dos ciclos de negócio. Como a alavancagem é pró-cíclica no modelo, as recessões tendem a ser acompanhadas por menores alavancagens e vice-versa. Ambas simplificações tendem a superestimar a dispersão dos dados representados na Figura 3.4, o que implica que essa figura tende a subestimar o ponto que se quer estressar.

Figura 3.4: Distribuição da variação da alavancagem da firmas em dez períodos, organizadas de acordo com a distribuição das lucratividade e da taxa de investimento. Dados para todas as

replicações de Monte Carlo.

[0−15] percentil ]15−30] percentil ]30−50] percentil ]50−70] percentil ]70−85] percentil ]85−100] percentil

−0.4 −0.2 0.0 0.2 0.4 0.6 0.8

Distribuição da relação investimento/capital

Mudança cum ulativ a da ala v anca g em 10 períodos à frente

1º quartil 2º quartil 3º quartil 4º quartil

Distribuição da taxa de lucro (ΠgfΣj=t−1 κ p(j)k(j))

Fonte: Elaboração do autor com dados simulados. A lucratividade e a taxa de investimento foram calculadas como a média composta para cada firma.

A leitura do gráfico a partir do retângulo esquerdo permite analisar o nexo entre lucrativi- dade e alavancagem no nível da firma. Dado o nível de investimento, firmas mais lucrativas tendem a acumular menos dívida ou a se desalavancar. Usando a mesma lógica de leitura, mas dessa vez lendo dentro de cada retângulo, pode-se analisar o nexo entre investimento e alavan- cagem. Firmas investindo mais tendem a se endividar mais.33 É interessante verificar que esses dois resultados emergem no modelo, mas ambos são demasiadamente intuitivos.

O mesmo não se pode dizer quando se analise conjuntamente o impacto do investimento e da lucratividade na direção e intensidade da variação do endividamento das firmas. A Figura 3.4 mostra que firmas com o menor nível de lucratividade tendem a experimentar aumentos da ala- vancagem para todos os níveis de investimento. Além disso, dentro do mesmo grupo, mudanças na alavancagem são altamente elásticas à taxa de investimento. Essas firmas poderiam ser facil- mente classificadas como minskianas, dentro do conceito discutido no Capítulo 1: um aumento do investimento está associado a uma maior alavancagem. Por outro lado, o endividamento das firmas mais lucrativas (último retângulo à direita) tende a cair ou a ficar praticamente estável

33Observa-se também que níveis altos de investimento são pervasivos entre os diferentes níveis de lucratividade

(a largura do boxplot representa o número de observações de cada grupo). Há três elementos que podem ex- plicar isso. Primeiro, se a firma tem mark-up baixo, a lucratividade tende a ser baixa, mas é então possível que a firma esteja ganhando mercado e com um grau de utilização elevado, o que induziria investimentos de expansão. Segundo, a demanda agregada está crescendo a uma taxa alta e mesmo as firmas perdendo mercado estão experimentando taxas de crescimento das vendas elevadas. Terceiro, as firmas têm lotes de capital de baixa produtividade e estão os trocando por outros de maior produtividade. Evidentemente, esses três fatores não são mutuamente exclusivos. Essa característica do modelo está em linha com as evidências de que o crescimento e o investimento não estão limitados a firmas mais lucrativas. Ver Dosi (2007) para uma discussão.

para os diversos níveis de taxa de investimento. Nesse grupo as mudanças no endividamento são pouco elásticas à taxa de investimento, o que as aproxima substancialmente do conceito steindliano – também apresentado no Capítulo 1. Ou seja, tanto firmas minskianas quanto steindlianas parecem existir.

Figura 3.5: Proporção de firmas minksianas (linha tracejada representa a tendência), pesada pela quantidade de ativo total de cada firma e a correlação cruzada da alavancagem agregada

com a proporção de firmas minskianas (série completa e tendências).

(a) Firmas minskianas (simulação única)

0.1 0.2 0.3 0.4 0.5 0.6 0 200 400 600 Período

% de firmas minskianas (ponderadas pelo tamanho)

(b) Correlação cruzada (todas as simulações)

0.2 0.4 0.6 0.8 −5 −4 −3 −2 −1 0 1 2 3 4 5 Defasagem Correlação Séries Tendências

Fonte: elaboração do autor baseado na simulação do modelo. Uma firma é definida como minskiana se os novos empréstimos contratados no começo do período forem superiores aos lucros não distribuídos no final do período, o que corresponde ao caso em que o financiamento do investimento por dívida ex post é positivo.

A coexistência de firmas minksianas e steindlianas sugerida pela Figura 3.4 coloca algumas questões importantes para se fazer a ponte entre a dinâmica da alavancagem no nível da firma e da agregada. Um regime de endividamento agregado minskiano implica que a alavancagem sobe com o investimento, enquanto no regime steindliano a alavancagem se reduz (LAVOIE, 2014). Uma vez que existem ambos os tipos de firma, o balanço entre elas deve ter alguma relação com a dinâmica da alavancagem agregada.

Seja uma firma minskiana definida um estado binário, que assume valor 1 se os novos em- préstimos contratados no começo do período forem superiores aos lucros não distribuídos no final do período – o que corresponde ao caso em que o financiamento do investimento por dívida é, ex post, positivo. Não há qualquer razão para se supor que o balanço entre firmas minskianas e steindlianas é constante ao longo do tempo. De fato, como mostrado na Figura 3.5a, a propor- ção de firmas minskianas flutua ciclicamente em torno de uma tendência,34que não é constante

ao longo do tempo. A parte mais interessante é que o balanço entre as firmas minskianas e steindlianas parece ser antecedente às mudanças da alavancagem, quando consideramos o nível relativamente alto da correlação cruzada entre as duas variáveis (Figura 3.5b). A correlação

cruzada é ainda maior para o caso das tendências, mesmo que seja menos evidente a relação de temporalidade entre elas. De todo modo, para explorar as razões pelas quais isso acontece, precisa-se explorar um pouco mais as propriedades emergentes meso e macroeconômicas do modelo, o que se faz abaixo.