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Dinâmica econômica

No documento FELIPE PEREIRA MATOSO (páginas 73-78)

3.2 Dinâmicas territoriais nas cidades gêmeas de Ponta Porã e Pedro Juan

3.2.3 Dinâmica econômica

O exercício das atividades econômicas desenvolvidas no território alimenta, em certa medida, o dinamismo urbano. Nas fronteiras urbanizadas, este processo ocorre profundamente em dois níveis do exercício econômico (o global e o local) ligados à divisão internacional e territorial do trabalho, que esculpem a rotina e a paisagem urbanas. A economia no território fronteiriço, nas escalas internacional e local, colabora para a nitidez dos circuitos superior e inferior da economia urbana no contexto local.

Os circuitos da economia urbana propostos por Milton Santos (1978) são percebidos como subsistemas do sistema urbano. Nestes, todas as formas de trabalho estão integradas. O circuito inferior (informal) da economia urbana é dependente do circuito superior (formal). Para Santos (1978), o circuito inferior, caracterizado pelo setor informal, é marcado por: a) presença de mercados concorrenciais e sem regulamentação; b) mão de obra com qualificações adquiridas fora do sistema oficial de formação; c) facilidade de acesso à

19 De acordo com a Secretaría Técnica de Planificación del Desarrollo Económico y Social (2011), esta é uma realidade da maior parte das áreas urbanas do Paraguai, derivada de processos de urbanização e industrialização desordenados, que contribuem para o surgimento de lixões a céu aberto, efluentes de esgoto não tratado e efluentes industriais perigosos.

atividade; d) uso de recursos locais; e) escala de atividade reduzida; f) técnicas que privilegiam o recurso à mão de obra; e g) empresa familiar (MONTENEGRO, 2012).

Nas fronteiras as manifestações funcionais se encontram alocadas no circuito inferior da economia urbana. Essas manifestações exercem um modo de integração funcional por meio de atividades informais que concretizam a complementaridade cotidiana, como os pequenos comércios de produtos industrializados e artesanais, alugueres de maquinários e equipamentos, pequenas transações, mercado imobiliário (OLIVEIRA, 2015).

Na zona de fronteira Brasil-Paraguai é possível identificar um conjunto de atividades tanto do setor formal quanto do informal da economia. Especificamente no território de Ponta Porã e Pedro Juan Caballero além da presença de indústrias e da participação do agronegócio na economia (sobretudo com a exploração da soja), o comércio informal chama atenção pela movimentação de pessoas e capital, assim como uma forma alternativa de trabalho e de produção de renda. O lado paraguaio se destaca neste circuito inferior pela presença de

casillas e vendedores ambulantes pelas ruas do centro da cidade, onde comercializam por varejo todo tipo de produto, como pequenos itens importados da Ásia (incluindo produtos falsificados) e produtos de origem artesanal.

A atuação das organizações econômicas no território fronteiriço e o controle territorial pelas organizações políticas, segundo Oliveira (2015), possuem capacidade potencial de provocar mudanças no modus vivendi da população fronteiriça. Para o autor, a atuação livre das organizações econômicas movimenta a urbanização e o ritmo dos fluxos comerciais, como se desprezasse os limites territoriais. Diferente deste processo de “flexibilização das fronteiras”, a atuação dos organismos políticos inclina-se na separação, tornando as fronteiras rígidas aos fluxos (controles migratórios, forças de segurança, aduanas, etc.). Nesse sentido, os fatores exógenos imbricados pela lógica conjuntural e pela atuação inflexível das organizações políticas podem interferir no dinamismo da lógica estrutural20, ou seja, podem atingir o comportamento social, afetar a funcionalização territorial e também a conservação e degradação dos equipamentos urbanos (OLIVEIRA, 2015).

Na conurbação de Ponta Porã e Pedro Juan Caballero, a lógica conjuntural agita as cidades interferindo na lógica estrutural, sobretudo pela variação do câmbio – especialmente por meio da desvalorização do dólar em relação ao real –, ou quando da realização de eventos

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A lógica conjuntural, proposta por Pébayle (1994), é aquela caracterizada pela verticalidade majoritariamente proveniente da atuação governamental, como acordos e tratados internacionais, câmbios, decisões unilaterais, e a situação política. Esta lógica, dotada de formalidade e de aspecto funcional, decide o dinamismo das fronteiras, sobretudo em cidades gêmeas conurbadas (OLIVEIRA, 2015). Já a lógica estrutural, conferida por Pébayle (1994), é formada por “uma relação horizontal dada pela capacidade relacional dos indivíduos que define a produção e distribuição dos equipamentos citadinos e a tessitura urbana” (OLIVEIRA, 2015, p. 237).

promocionais como a Black Friday, situações que ascendem o turismo de compras. Quando o comércio de importados está aquecido, consecutivamente abrem-se mais lojas, shoppings, camelôs, aumentam-se os postos de trabalho tanto formais quanto informais, alterando o cenário social e econômico. Ademais, como expõem Desiderá Neto e Penha (2017, p. 207), “a esfera social da territorialidade corresponde, em certa medida, à reprodução de uma formação socioeconômica concretizada em relações de trabalho, na produção, na distribuição, na troca e no consumo de bens e serviços em um mercado regional”.

Nas cidades gêmeas de Ponta Porã e Pedro Juan Caballero, as relações de trabalho firmadas pelos brasileiros no lado paraguaio e pelos paraguaios do lado brasileiro registram uma espontânea integração social e comercial. Entretanto, a fluidez com que essas transições ocorrem oportuniza uma flexibilidade do trabalho marcada pela informalidade (LAMBERTI, 2006). Desta forma, a aproximação das cidades facilita a existência de uma migração informal entre as cidades que conduz reveses urbanos em aspectos como a moradia ilegal, violência, trabalho informal, exclusão em programas sociais, preconceitos, etc. Nesse sentido, as políticas sociais em Ponta Porã são fortemente impactas pela população fronteiriça dos dois lados (EGL, 2019c).

Nestas cidades, o fluxo de mercadorias e serviços que mobilizam milhares de pessoas diariamente, seduzidas pela variação do câmbio entre os países, tem origem histórica. A economia do Paraguai sofreu grande transformação na segunda metade do século XX. De acordo com Albuquerque (2010, p. 67-68), até os anos de 1980 a economia paraguaia estava baseada na agricultura, passando a explorar a partir de 1981 o setor comercial, reduzindo impostos de importação de produtos industrializados e estimulando a reexportação aos países lindeiros (que praticam taxas de impostos elevados no intuito de fomentar a indústria nacional). Com isso, as cidades paraguaias de fronteira, onde concentra cerca de 70% da população do Paraguai, receberam um forte impacto comercial, passando a um crescimento significativo e um estreitamento das relações fronteiriças com a população dos países vizinhos, atraindo comerciantes e consumidores – sobretudo brasileiros e argentinos.

As cidades da fronteira paraguaia passaram a desempenhar um papel relevante na economia do país, atraindo investidores e formando grandes cidades comerciais (a exemplo de Ciudad del Este e Pedro Juan Caballero) e também transformando a dinâmica urbana de cidades do lado brasileiro da fronteira, a exemplo de Foz do Iguaçu e Ponta Porã. Este fato permitiu que a articulação econômica das cidades paraguaias de fronteira mais se aproximasse dos mercados dos países vizinhos do que do o mercado interno do próprio país (ALBUQUERQUE, 2010).

A conurbação entre estas cidades e a diferença cambial entre as moedas brasileira, paraguaia e americana, são um atrativo para empresas de comércio de reexportação (varejo e atacado) e shoppings centers. O desenvolvimento do comércio na localidade ocorre no lado paraguaio pelos incentivos de duty-free, com um forte desenvolvimento no turismo de compras, ao passo que em Ponta Porã ocorre a complementariedade a este seguimento, por meio do setor de serviços. Conforme Prado (2016), Pedro Juan Caballero não dispõe de infraestrutura satisfatória para o turista, fazendo com que este passe a preferir a rede hoteleira de Ponta Porã e a utilizar outros serviços no lado brasileiro.

Não obstante, se de um lado brasileiros são seduzidos pelo comércio paraguaio, do outro paraguaios são atraídos pelo comércio brasileiro. Oliveira et al. (2017) apontam a preferência de pedrojuaninos em efetuar compras de eletrodomésticos e móveis em lojas no comércio do lado brasileiro dadas as oportunidades de crédito e o parcelamento de compras, o que não é oferecido no comércio paraguaio. Conforme os autores, a diferença nos índices de carga tributária nos países lindeiros pode ser elemento que influencia a intensidade no trânsito de pessoas para o outro lado da linha internacional. Em 2018, o Brasil alcançou um índice histórico de carga tributária, representando 35,07% do PIB nacional. Por outro lado, no Paraguai a carga tributária em 2017 não ultrapassou os 13,8% do PIB21.

A diferenciação tributária entre os dois países fortalece uma essencialidade mútua, estabelecida em uma interdependência econômica. Para ilustrar o aspecto de interdependência entre as cidades, é importante destacar que, em 2014, 99,10% das importações de Ponta Porã foram provenientes do Paraguai, enquanto 61,69% das exportações de Ponta Porã tiveram como destino o território paraguaio (SEBRAE/MS, 2019). O mercado de reexportação nestas cidades gêmeas também produz grandes articulações com outras cidades da fronteira sul-mato-grossense, como Antônio João, Aral Moreira, Laguna Caarapã, Amambai e Dourados, assim como na capital Campo Grande (ZEE/MS, 2015). Importante salientar que as cidades de fronteira desempenham um papel de ligação entre a fronteira e as metrópoles centrais do país, atuando estrategicamente nos assuntos regionais, nacionais e internacionais. De acordo com o Zoneamento Ecológico Econômico de Mato Grosso do Sul (2015), Ponta Porã representa o Polo de Ligação que induz uma forte articulação de comunicação e comércio do estado de Mato Grosso do Sul com o Paraguai, fortalecendo a infraestrutura interurbana com a presença de instituições públicas.

21 Para Oliveira et al. (2017), esta diferença tributária permite deduzir que a proposta de equilíbrio comercial do Tratado do Mercosul ainda não produziu resultados efetivos nas fronteiras.

No ano de 2011, conforme dados do Censo Econômico Nacional do Paraguai, Pedro Juan Caballero contava com 5.492 empresas instaladas em seu território, dividindo-se em empresas do setor comercial (61%), setor de serviços (30%) e setor industrial (6%). Já em Ponta Porã, de acordo com dados do Simples Nacional (2016), 3.615 empresas atuavam na cidade, distribuídas em 53% no comércio, 38% no setor de serviços e 9% na indústria (SCHERMA, 2016).

O comércio de Pedro Juan Caballero é a principal fonte de recursos do Departamento del Amambay. Entretanto, estima-se que 40% do comércio da cidade paraguaia são de capital brasileiro (especialmente nos setores de hotelaria, obras e transporte) – atraídos pelas vantagens de tarifas e tributos mais vantajosas no lado paraguaio. De 80 a 90% dos produtos são comprados e consumidos pelo Brasil, desses 70% são contrabandeados (PEDRO JUAN CABALLERO, 2019). É importante lembrar que a tarifa externa comum do Mercosul está prevista para entrar em vigor em todos os países a partir de 2023, quando a lista de exceções do Paraguai chegará ao seu termo final. Atualmente, a LETEC (Lista de Exceções à Tarifa Externa Comum) do Paraguai possui 649 códigos NCM (Nomenclatura Comum do Mercosul) de produtos.

As cidades gêmeas brasileiras dependem mais de recursos federais e estaduais comparados com os municípios que estão fora da faixa de fronteira. Em 2016, a autonomia financeira de Ponta Porã, ou seja, a capacidade de gerenciamento de suas despesas com recursos próprios, chegou à casa dos 29,78%, quer dizer, 70,22% foram oriundas de transferências externas, abaixo da média das cidades gêmeas brasileiras cujo percentual em 2016 foi de 32,56%. Vale salientar que em 2016 o valor total das receitas do município de Ponta Porã foi equivalente a R$ 264.298.889,49 (IDESF, 2018).

Moura (2019) afirma que a atenção gerada pelo turismo de compras nas fronteiras e as demandas transitórias que surgem a partir deste segmento, concorrem com o cotidiano de demandas básicas da população fronteiriça que não são respondidas de forma eficiente pelos poderes locais, em virtude de obstáculos enfrentados diariamente pelos agentes públicos em garantir uma gestão integral dos assuntos comuns dos dois lados de um mesmo espaço geográfico.

Muito embora ocorram conflitos oriundos das diferenças de ordem político-econômica, ambas as cidades expressam “certo grau de aproximação transversal aos diversos níveis de prestação de serviços, assim, as assimetrias se escondem em diversidades que se completam” (OLIVEIRA et al. 2017, p. 179).

No documento FELIPE PEREIRA MATOSO (páginas 73-78)