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O projeto pedagógico da Ponte é verdadeiramente aplicado à realidade. Tudo aquilo que observa na escola está contemplado no seu projeto, que parte de uma base axiológica: autonomia, solidariedade, responsabilidade e democracia, que é visível nas dinâmicas e práticas pedagógicas na escola. Esta perceção espelha o que Alves (2012, p. 17) refere acerca da ambiência na escola da Ponte “À medida (...) que o observador procura ver e compreender o que se passa ali, ele acaba percebendo sentido em tudo, a tal lógica singular de observação e funcionamento da Escola da Ponte. E percebe que a filosofia subjacente ao projeto pedagógico daquela comunidade é extraordinariamente simples e coerente”. Esta visão também vem de encontro ao que o projeto pedagógico enuncia:” A intencionalidade educativa do Projeto impregna coerentemente as práticas organizacionais e relacionais da Escola, que refletirão também os valores matriciais que inspiram e orientam o Projeto, a saber, os valores da autonomia, solidariedade, responsabilidade e democraticidade” (Fazer a Ponte, p. 2)9. Pode considerar-se que é um projeto “vivo”, onde tudo o que se vê está escrito no Fazer a Ponte. Uma práxis verdadeira.

Quando cheguei à escola, pela primeira vez, fiquei impressionada com o silêncio, não imaginava que estavam a estudar ali 200 alunos. A Ponte é singular, não pode ser tratada como uma escola pública qualquer, o seu projeto não existe apenas no papel, ela é aquilo que Paulo Freire chama de encarnação da teoria (entendendo teoria como o projeto Fazer a Ponte), “(...) o meu discurso sobre Teoria, deve ser exemplo concreto, prático, da teoria. Sua encarnação (...)” (Freire, 2000, p.53).

Outra caraterística visível na Ponte é a presença de mecanismos de diferenciação assumidos pela escola, muito diferente de tudo aquilo a que estamos habituados a associar à organização de uma escola. Na Ponte tudo tem outro sentido. Parece estranho que na escola não haja aulas, nem turmas,

alunos, nem tão pouco avaliação numérica, só qualitativa - os professores tutores preenchem relatórios individuais dos seus tutorados. Nesta escola também não há uso de manuais únicos para todos os alunos, nem toques de campainha, e a presença de apenas um professor nos espaços de trabalho, como estamos acostumados a ver, lá não existe, sempre há dois ou três, e há dias que são cinco. Portanto uma escola distinta, em que as necessidades e ritmos de cada aluno são a prioridade.

O mais encantador nesta escola é o direito à fala. Nos debates diários, os alunos ouvem-se uns aos outros em silêncio, partilhando as suas inquietudes. Diferente das escolas tradicionais, todos têm o direito à palavra, o seu conhecimento é respeitado, bem como a sua história de vida que é muito importante e valorizada. O advogado por Freire (2000, p.66) “O respeito à autonomia e à dignidade de cada um é um imperativo ético e não um favor que podemos conceder uns aos outros”, acontece na escola da Ponte-

Ensinar na cidadania e democracia é a realidade verificada nas dinâmicas que habitam a escola, desde as participações nos dispositivos, que são vários, como estudar em grupos, onde um ajuda o outro, os que sabem mais ajudam os que menos sabem. Assim, concordamos com Freinet (1975, p. 63) quando refere que na escola da Ponte” contrariamente à prática da escola tradicional, não se proíbe de modo algum à criança que peça ajuda de um aluno mais velho, de uma irmã mais velha ou do professor”. Esta realidade era visível no preenchimento de questionários - se sentiam dificuldades a primeira pessoa que procuravam eram os colegas do lado -, nas Assembléias, quando questionavam os projetos e os problemas da escola, quando realizam o processo eleitoral no início do ano (Ver anexo I): fazem as listas, elaboram, discutem, divulgam, montam todo processo eleitoral e participam da campanha. Nas palavras de Alves (2012, p. 16), é uma prática democrática de viver a cidadania no “chão da escola”, de forma solidária, amigável e carinhosa. De facto, os alunos são ensinados, desde cedo, a terem comprometimento e responsabilidades, no sentido de os preparar para o exercício pleno na cidadania.

Os alunos não precisam ser lembrados das tarefas diárias, do plano diário o que têm a fazer, nem do semanal. Estar na Ponte é ver, a cada dia,

vão ao computador, para buscar sanar as dúvidas, buscam nos vários livros disponíveis, para responderemàs suas questões colocadas. A criança é vista como um ser autônomo e que tem a capacidade de escolher, sob orientação do professor e de acordo com os seus próprios interesses, as atividades que vão ser desenvolvidas (Freinet, 1975). Na ponte os professores não são transmissores de conhecimentos, estes medeiam o conhecimento dos alunos. O aluno é o centro, o mais importante, ele diz o que vai aprender, ele busca o conhecimento, ele diz quando pode ser avaliado, através do dispositivo Eu Já

sei, que é um dos dispositivos que sinaliza o crescimento individual dos alunos.

Portanto, este Projeto revolucionário na educação é entendido por Alves (2012, p. 18) [...] “o que acontece na Ponte significa uma verdadeira revolução “coperniciana” no modo como os professores se posicionam diante dos alunos e os alunos diante dos professores e uns e outros diante do currículo”.

Em cada pergunta feita pelos alunos havia um questionamento, de forma a que este refletisse e respondesse Na Ponte não há respostas prontas, vi os alunos indagarem a uma professora e não foi dada uma resposta direta, mas sim transformada a pergunta feita ao professor e dirigida para o aluno. Esta estratégica pedagógica vai de encontro ao que Freire (2000, p. 153) refere “Viver a abertura respeitosa aos e, de quando em vez, de acordo com o momento, tomar a própria abertura ao outro objeto da reflexão crítica, deveria fazer parte da aventura do docente”. Observou-se que as regras de convivência na escola: pedir a palavra, não ter sinal para entrar e sair, ajudar o colega, cumprir com seu papel nos dispositivos, entre outros, eram apreendidos pelos alunos, eles sabiam o porquê, entendiam a sua fucionalidade e importância do seu papel; eles sabiam o motivo que os levava a agir daquela maneira, pelo que cumpriam e compreendiam as regras. As regras não eram impostas e eles queriam cumpri-las. Este processo vai de encontro ao veiculado por Freire (2000, p. 43) “o pensar certo que supera o ingênuo tem que ser produzido pelo próprio aprendiz em comunhão com o professor formador” [...]. Freinet (1975) dá seu contributo, quando diz que a criança é vista também como um ser racional capaz desde muito cedo, opinar e fazer críticas sobre fatos ou assuntos que lhe são expostos. Dessa forma, é

proposto, passando, assim, a ser mais significativo.

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