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Dina e Pierre Van Hiele: sobre o Desenvolvimento do Pensamento Geométrico

Capítulo IV – Argumentações em Sala de Aula de Matemática da Educação Básica

IV.3 Dina e Pierre Van Hiele: sobre o Desenvolvimento do Pensamento Geométrico

IV.3 Dina e Pierre Van Hiele: sobre o Desenvolvimento do Pensamento

Geométrico

O modelo para o desenvolvimento do pensamento geométrico proposto pelo casal Van Hiele indica que o aprendizado de Geometria, ou seja, a gradativa apropriação pelo estudante de vocabulário, conceitos e de propriedades geométricas, dá-se pela passagem por níveis sequenciais de pensamento. O modelo de Van Hiele pode ser usado tanto no ensino, quanto na avaliação da aprendizagem desse conteúdo. Ele indica motivos para os problemas de aprendizado em Geometria e oferece indícios de atividades a serem trabalhadas em sala de aula que favoreçam um real aprendizado pelos alunos (DE VILLIERS, 1999).

O aprendizado em Geometria refere-se ao desenvolvimento, pelo estudante, da capacidade de estabelecer relações entre os diversos elementos das figuras geométricas, reconhecer propriedades, fornecer definições etc. E, em nível mais abstrato, o aprendizado consiste na capacidade de sistematizar o pensamento geométrico por meio da utilização de sistemas axiomáticos diversos. Os autores propuseram um modelo composto por cinco níveis de compreensão (visualização, análise, dedução informal, dedução formal e rigor) para a descrição do processo de desenvolvimento do pensamento geométrico em que o aluno

se move sequencialmente do nível mais básico (visualização) até o mais elevado (rigor), assim definidos (CROWLEY, 1994, pp. 2-4):

Nível 0: Visualização

Nesse nível, os alunos reconhecem as figuras geométricas por sua aparência global, sem identificar propriedades ou elementos. Por exemplo, ao ser apresentado um conjunto de quadriláteros compostos de quadrados e retângulos, um aluno nesse nível reconhece esses dois tipos por sua forma somente (Crowley, 1994, p. 3). O recurso visual é importante para reconhecer, comparar, classificar e descrever figuras, porém as descrições destes objetos são incompletas ou utilizam propriedades irrelevantes para classificá-las. Como exemplo, um indivíduo nesse nível de desenvolvimento de pensamento geométrico, é capaz de diferenciar, visualmente, quadrados de retângulos sem perceber que essas figuras têm lados opostos paralelos e quatro ângulos retos. É um estágio de criação de imagens mentais dos objetos geométricos constituindo-se em pré-requisito para a aquisição de linguagem específica da Geometria. Nesse estágio de desenvolvimento pode-se introduzir vocabulário para nomear figuras e realizar atividades de reconhecimento e reprodução informal de figuras.

Não se espera, portanto, argumentações nesse nível, nem mesmo explicações, nos termos de Balacheff.

Nível 1: Análise

Nesse estágio, por meio da prática da observação e experimentação, o reconhecimento de figuras passa a ocorrer pela identificação de seus elementos e de algumas de suas propriedades: o aprendiz começa a se apropriar de alguns conceitos geométricos simples. Para exemplificar, podemos citar o caso de classificação de figuras por meio de apenas uma propriedade, como a quantidade ou medidas dos lados (propriedades como simetrias, ângulos e diagonais, são ignoradas). Nesse nível a descrição das figuras é feita usando mais propriedades do que as suficientes para caracterizar uma dada figura geométrica. Dessa forma, pode-se dizer que os alunos caracterizam e observam as partes das figuras, podendo relacionar propriedades pertencentes a um mesmo tipo de figura.

Nesse nível, ainda, a identificação de propriedades em situações particulares é utilizada pelo aluno para estabelecer propriedades para toda uma classe de figuras. Por exemplo, a observação de que para um conjunto de paralelogramos os ângulos opostos têm mesma medida produz a intuição de que esse fato ocorre com todos os paralelogramos

(CROWLEY, 1994, p. 3). As argumentações ocorrem por meio de exemplos, em e não com o uso de provas ou demonstrações.

Nos termos de Balacheff, o tipo de argumentação que convence o aluno nesse nível, baseado em exemplos, se constituem em provas pragmáticas.

Nível 2: Dedução informal

O uso espontâneo de definições e conceitos começa a ter importância e argumentos informais podem ser elaborados pelos aprendizes, embora as deduções nesse nível de desenvolvimento ocorram em torno de um tipo de figura. Conseguem fazer inter-relações entre propriedades em uma mesma figura (por exemplo, em um quadrilátero, se lados opostos são paralelos então ângulos opostos são congruentes). Pelo fato de conseguirem perceber a classificações hierárquicas como, por exemplo, nos quadriláteros, por meio do exame das propriedades, os alunos percebem que todo quadrado é um retângulo, pois um quadrado tem todas as propriedades que um retângulo possui. Nesse nível, os alunos possuem raciocínio dedutivo informal, mas ainda não são capazes de elaborar uma demonstração formal ou axiomática completa.

Nos termos de Balacheff, em nosso entendimento, os alunos que estão nesse nível são capazes de construir prova conceitual do tipo exemplo genérico.

Nível 3: Dedução formal

Alunos enquadrados nesse nível podem construir e entender diferentes tipos de demonstrações para um mesmo resultado. A importância do método dedutivo como um todo e o estabelecimento de uma teoria geométrica dentro de um sistema axiomático é entendida. Nesse contexto, os alunos são capazes de fazer distinção entre postulados, teoremas e definições, havendo, dessa forma, uma compreensão das respectivas funções dentro de uma estrutura axiomática da Matemática.

Neste nível os estudantes são capazes de fazer demonstrações, nos termos de Balacheff.

Nível 4: Rigor

Neste estágio, o aluno pode trabalhar em uma variedade de sistemas axiomáticos, incluindo as geometrias não euclidianas. Além disto, compreende a importância da precisão

ao tratar ideias e relações matemáticas. As demonstrações nesse nível demandam um grau de formalismo e de rigor bem próximo ao das deduções do matemático profissional.

Um aspecto importante a se destacar sobre o modelo Van Hiele é que, nos diferentes assuntos abordados em Geometria, o processo de ensino deve recomeçar do nível de visualização, fazendo com que o aluno progrida sequencialmente entre os níveis do modelo até aquele adequado à sua fase de escolaridade. A cada assunto ou tópico da Geometria, símbolos e linguagem próprios precisam ser assimilados, bem como relações e propriedades pertinentes à nova situação que se configura. Particularmente, no que diz respeito às deduções em Geometria, há a necessidade de fazer com que o aprendiz, por meio da investigação e experimentação, evolua de uma situação, em que o espaço é simplesmente visualizado e as propriedades das figuras não são reconhecidas explicitamente, até ser capaz de produzir deduções, com compreensão. Esse fato deve ser considerado pelo professor em uma sala de aula.

Outro aspecto importante dessa teoria é que, segundo o casal Van Hiele, a progressão de um nível para outro depende muito mais das metodologias empregadas e da organização das aulas do que da idade dos estudantes. Assim, complementando a ideia de progresso de aprendizado nos níveis, propuseram cinco fases sequenciais de aprendizagem a serem percorridas igualmente em cada nível, para orientar o planejamento de aulas e a escolha de metodologias de ensino de Geometria: interrogação, orientação dirigida, explicação, orientação livre e integração (CROWLEY, 1994, p. 5).

Fase 1: Interrogação

Nessa fase, os objetivos são fazer:

a) um diagnóstico dos conhecimentos prévios dos alunos no que diz respeito à linguagem pertinente ao tema ou assunto em questão, conceitos, ideias, etc.;

b) possibilitar que os alunos tomem conhecimento da direção que tomarão seus estudos.Por exemplo, visando verificar os conhecimentos de estudantes de um sexto ano do Ensino Fundamental sobre comparação de ângulos, para posteriormente compreendam a classificação de triângulos, o professor pode entregar aos alunos desenhos de triângulos de vários tipos e perguntar e fazer perguntas do tipo: algum dos ângulos é maior que os outros? Por quê?

Fase 2: Orientação dirigida

Para o casal Van Hiele, a sequência das atividades propostas pelo professor é importante para o progresso do aprendizado do aluno em cada um dos níveis descritos anteriormente. Na exploração dos tópicos, as tarefas pelas quais os alunos passam precisam incluir vivências de propriedades e características pertinentes ao nível em questão - quer na apropriação de linguagem e relações, quer na apropriação de conceitos mais gerais.

Na sequência do exemplo anterior, pode-se solicitar que recortem os triângulos e que façam a comparação por meio de dobraduras.

Fase 3: Explicação

Os alunos começam a explicitar seu entendimento sobre as novas relações por eles observadas, fazendo uso de linguagem precisa e adequada ao contexto em estudo.

Exemplificando essa situação, ao comparar os ângulos os alunos percebem que possuem medidas variáveis. Dessa forma, uma linguagem pode ser introduzida para que expressem essa comparação entre os ângulos de forma a possibilitar que expressem suas ideias por escrito e oralmente.

Fase 4: Orientação livre

Nessa fase, é apresentada aos alunos uma tarefa mais complexa em que eles são convidados a resolverem problemas utilizando os recursos que aprenderam de forma autônoma.

Continuando a situação exemplificada na fase 3, pode-se pedir que os alunos estabeleçam relações entre as medidas dos ângulos e as medidas dos lados. Nesse momento, é interessante estabelecer também uma classificação para os triângulos segundo o número de ângulos ou lados de mesma medida. Pode-se perguntar se as duas classificações (pelos ângulos e pelos lados) são distintas.

Fase 5: Integração

Consiste na fase em que, com a ajuda do professor, os alunos revisam e sistematizam o que aprenderam durante a tarefa.

Nessa fase, em uma discussão coletiva, podem-se resumir as conclusões obtidas que, no caso do nosso exemplo, são as relações presentes nos triângulos entre ângulos e seus lados opostos, bem como a classificação dos mesmos em equiláteros, isósceles e escalenos.

A seguir, visando discutir como se dá um trabalho com argumentações e provas no ensino de Geometria na Educação Básica, fazemos uma discussão mais aprofundada sobre abordagens desses temas em sala de aula, tendo por base as teorias de Balacheff e Van Hiele já discutidas aqui. Destacamos que a relação entre os dois trabalhos é pertinente, pois a passagem pelos níveis de Van Hiele, amparados pela análise de provas pragmáticas e conceituais de Balacheff, conduzem a um dinamismo capaz de contribuir para a passagem do aluno de um nível ao outro.

Capítulo V – A Construção de Provas Geométricas à Luz dos