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DIPLOMACIA CULTURAL CHINESA: INSTRUMENTOS DA ESTRATÉGIA GLOBAL

Neste capítulo, serão analisados os principais instrumentos da diplomacia cultural chinesa: a mídia, o cinema e os Institutos Confúcio (IC). Busca-se, com isso, compreender as ações empreendidas pelo governo chinês para colocar em prática a sua diplomacia cultural. Pretende-se, igualmente, analisar as percepções e reações de atores do sistema internacionais diante de tais instrumentos da diplomacia cultural chinesa.

2.1. Mídia Chinesa: novas perspectivas de informação ou maior alcance da versão oficial?

Nesta seção, serão analisados os principais componentes da mídia chinesa, como eles se posicionam dentro da estratégia mais ampla de diplomacia cultural do país, o processo de internacionalização pelo qual vêm passando, bem como críticas recebidas e resultados alcançados.

A presente seção iniciar-se-á pela contextualização do processo de going-out da mídia chinesa. Em discurso proferido em um simpósio com intelectuais, em maio de 2016, o presidente chinês Xi Jinping afirmou que, após a China ter resolvido as questões de sua população ter sido vítima da fome e da violência externa, era o momento de o país resolver o problema de ser vítima de repreensão da comunidade internacional, sugerindo que um novo sistema de discurso deveria ser desenvolvido para facilitar o entendimento mútuo entre a China e o mundo e para, em última análise, promover o soft power da China (HU; JI; GONG, 2018).

Segundo Wanning Sun (2015), enfrentar as discrepâncias entre como a China se vê e como ela é vista pelo mundo tornou-se a mais importante raison d’être da diplomacia pública chinesa. A relação entre a expansão da mídia e o empenho em contar a história da China para o mundo ficou bastante visível neste outro discurso de Xi Jinping, proferido em 2014:

Para fortalecer o soft power da China, o país precisa construir sua capacidade em comunicação internacional, construir um sistema de comunicação, usar melhor a novas mídias e aumentar a criatividade, a atratividade e a credibilidade da publicidade da China. As histórias da China devem ser bem contadas, a vozes da China devem ser bem divulgadas, e as características da China, bem explicadas (tradução do autor58).

58 No original: “To strengthen China's soft power, the country needs to build its capacity in international communication, construct a communication system, better use the new media and increase the creativity, appeal

De acordo com Sun (2015), uma consciência sobre a necessidade de enfrentar essa diferença de percepção começou a crescer ainda na década de 1990, mas aumentou muito em 2008, seguindo o sucesso da China em sediar as Olimpíadas de Pequim e o fracasso em convencer o mundo ocidental de seu pleito sobre o Tibete, bem como o modo pelo qual lidou com questões de direitos humanos relacionadas ao caso tibetano. Assim, em 2009, o governo chinês decidiu acelerar a iniciativa de internacionalização da mídia, anunciando um financiamento de cerca de US$ 6 bilhões para esse fim (HU; JI, 2012). Como consequência, no início de 2010, os “Quatro Grandes” veículos de mídia de Pequim – Xinhua News Agency, China Central Television (CCTV), China Radio International (CRI) e China Daily/Global Times – revelaram novos lançamentos de suas vertentes internacionais (SHAMBAUGH, 2013, p. 181). Não por acaso, d’Hooghe (2015) afirmou que o governo chinês considerava a mídia como o maior instrumento da diplomacia pública chinesa. Dessa forma, para compreender melhor essa expansão, serão analisados, a seguir, cada um desses “Quatro Grandes” veículos de mídia de Pequim.

A Xinhua News Agency é a maior agência de notícias da China, sendo considerada, inclusive, a maior agência de notícias localizada em um país não pertencente à OCDE59 (HARTIG, 2015b). Atualmente, a Xinhua tem mais de 180 escritórios internacionais – superando, assim, o número de escritórios internacionais da AP, Reuters e AFP – com mais de 3 mil correspondentes e funcionários recrutados localmente, publicando notícias em oito idiomas (chinês, inglês, francês, russo, espanhol, árabe, português e japonês) e disponibilizando programas de áudio, vídeo e fotografia 24 horas por dia (ZHOU; WU, 2018; YANG, 2018). Além disso, em 2015, a Xinhua unificou suas diversas plataformas nas mídias sociais sob a nova marca, a New China, destacando a importância de construir uma agência de notícias online para aumentar sua influência por meio das novas mídias (FENG, 2018).

A China Central Television (CCTV) é outro importante instrumento da internacionalização da mídia chinesa. A promoção da televisão chinesa começou na década de 1980 – coincidindo com as políticas governamentais de reforma e abertura —, sendo marcada

and credibility of China's publicity. The stories of China should be well told, voices of China well spread, and characteristics of China well explained”. China to promote cultural soft power. China Daily, 01 jan. 2014. Disponível em: <http://usa.chinadaily.com.cn/china/2014-01/01/content_17208365.htm>. Acesso: 21 abr. 2018. 59 “A Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) constitui foro composto por 35 países, dedicado à promoção de padrões convergentes em vários temas, como questões econômicas, financeiras, comerciais, sociais e ambientais. Suas reuniões e debates permitem troca de experiências e coordenação de políticas em áreas diversas da atuação governamental”. Fonte: O Brasil e a OCDE. Itamaraty – Ministério das Relações Exteriores. Disponível em: <http://www.itamaraty.gov.br/pt-BR/politica-externa/diplomacia- economica-comercial-e-financeira/15584-o-brasil-e-a-ocde>.Acesso: 09 mai. 2018.

pelo desenvolvimento de uma televisão via satélite (HU; JI; GONG, 2018). A CCTV foi descrita em 2008 pelo então presidente Hu Jintao como uma importante janela por meio da qual os chineses podiam aprender sobre o mundo exterior e o mundo exterior podia aprender sobre a China (SI, 2014). A CCTV lançou seu primeiro canal 24 horas em inglês em 2000, e, atualmente, além de ter mudado seu nome para China Global Television Network (CGTN) em dezembro de 2016, transmite em seis canais, dois em inglês e os outros em árabe, francês e espanhol60. Além disso, a CGTN começou a operar centros regionais de notícia pelo mundo, numa tentativa de oferecer perspectivas diferentes para histórias locais e de vocalizar as perspectivas chinesas sobre assuntos internacionais. Os dois centros no exterior – CCTV America, em Washington D.C., e CCTV Africa, em Nairóbi, ambos montados em 2012 – possuem estúdios de alta tecnologia e empregam jornalistas chineses bem como correspondentes e âncoras de notícias internacionais (HU; JI; GONG, 2018). Além disso, em 2016, a CCTV transmitiu em 171 países estrangeiros, tendo assinado acordos de cooperação com cerca de 70 instituições de mídia estrangeira – entre elas a Austrian Broadcasting Corporation e a BBC Worldwide, British Film and Television Production Association – e acordos de intercâmbio de notícias com centenas de instituições estrangeiras de mídia (HU; JI; GONG, 2018).

Outro meio relevante de difusão de conteúdo é o CCTV News Content (criado em janeiro de 2011), que produz seus próprios vídeos de notícias culturais, econômicas, sociais e políticas, fornecendo-os para outras transmissoras do mundo todo – entre elas, CNN, BBC, NBC, NHK, KBS. Em 2015, os materiais de vídeos produzidos pela CCTV News Content foram usados por quase 1.700 canais de TV de 92 países e regiões (HU; JI; GONG, 2018).

Em 2017, a CGTN já tinha uma audiência de 200 milhões de telespectadores fora da China, bem como mais de 50 milhões de seguidores no Facebook – um dos maiores contingentes para uma agência de notícias no mundo (THUSSU; DE BURGH; SHI, 2018). E essa aceleração da internacionalização da CGTN se deu em contraste com o momento vivido pelas redes midiáticas ocidentais, que vêm fechando escritórios internacionais (HU; JI; GONG, 2018).

Outro importante veículo é a China Radio International (CRI). Fundada em 1941 e operada pelo Estado chinês, é a única rádio chinesa transmitida no exterior61. Desde o início, a CRI tinha o objetivo de transmissões voltadas para o exterior: seu primeiro programa foi em

60 CCTV to launch CGTN. CGTN America, 30 dez. 2016. Disponível em: <https://america.cgtn.com/2016/12/30/cctv-to-launch-cgtn>. Acesso: 20 jun. 2017.

61 About China Radio International. CRI English. Disponível em:

japonês, pois foi produzido durante e por causa da guerra de resistência da China contra a agressão japonesa (HUANG, 2018). Atualmente, a CRI é uma entidade multimídia que transmite em 65 idiomas no exterior, que a torna a organização de mídia com o maior número de idiomas do que qualquer outro veículo mainstream de mídia, e a segunda maior rádio do mundo, atrás apenas da BBC Radio (YANG, 2018; HUANG, 2018). Além disso, também está ampliando seus serviços com novos desenvolvimentos em tecnologia da informação, como o CRI Online. Segundo Kuo Huang (2018), visando ao objetivo de tornar-se um grupo de mídia internacional invocativo, abrangente e moderno, a CRI começou o processo de transição de uma organização de mídia de uma só plataforma para um grupo integrado de mídia, incorporando todos os meios de comunicação em massa, mudando o foco, anteriormente em comunicação tradicional, para as novas mídias, bem como passando de uma instituição com base na China para um grupo midiático internacional.

Além de atuações em parceria com rádios de outros países, a CRI passou, a partir de 2006, a montar estações de rádio internacional, sendo a primeira delas em Nairóbi, Quênia62. Ao final de 2015, a CRI já tinha cerca de 130 estações de rádio no exterior e acordos de cooperação com 160 canais no mundo; além disso, a CRI estabeleceu seis escritórios regionais no exterior, mais 32 escritórios de correspondentes e 4.112 audience clubs (HUANG, 2018). Há na China dois jornais publicados em inglês direcionados para audiências internacionais: o China Daily e o Global Times. O China Daily é o mais antigo, de 1981, e de maior circulação, mas o Global Times, que derivou do People’s Daily, vem ganhando parte do mercado. Além disso, ambos têm sites bastante informativos (SHAMBAUGH, 2013).

Em 2010, o China Daily passou por um “relançamento”, visando a aumentar seu público doméstico e a ampliar sua presença internacional (SHAMBAUGH, 2013). Segundo seu site oficial, a circulação global do China Daily é de 900 mil exemplares, sendo 600 mil distribuídos no exterior, para cerca de 45 milhões de leitores, nas versões impressa e digital, no mundo todo63. Ainda de acordo com seu site, além da China, o jornal é publicado em Hong Kong, EUA, Canadá, bem como em países da Europa, Ásia, África e América Latina, sendo as edições distribuídas para governos, embaixadas, consulados, think tanks, universidades, instituições financeiras, corporações transnacionais, organizações internacionais, hotéis e leitores de alta renda. Há três versões com edições diárias – o China Daily, publicado na República Popular da China, o China Daily Hong Kong e o China Daily USA —, bem como edições semanais para

62 Idem.

63 About Us. China Daily. Disponível em: <http://www.chinadaily.com.cn/static_e/aboutus.html> Acesso: 05 mai. 2018.

Ásia, Europa, América do Norte, África e América Latina, além do China Watch, um suplemento mensal publicado no Washington Post, Los Angeles Times e Daily Telegraph, de Londres (HARTIG, 2018). Além disso, o aplicativo para celulares e tablets do China Daily, lançado em 2009, já tinha mais de 5 milhões de leitores em mais de 180 países/territórios em 2016 (MI, 2018).

Em seu capítulo sobre o China Daily no livro China’s media go global, organizado por Daya Kishan Thussu, Hugo de Burgh e Anbin Shi e publicado no início de 2018, Falk Hartig (2018) afirmou que o jornal pertence ao People’s Daily, o principal jornal em mandarim da China, sendo, por isso, descrito como porta-voz do Partido em seus esforços para se comunicar com o mundo exterior. Além disso, como o controle sobre o China Daily é exercido pelo Departamento de Publicidade do Partido Comunista Chinês – com ocorre com outros jornais chineses – alguns autores, como Lanigan (2015), descrevem o China Daily como um esforço de propaganda do governo central, por meio de reportagens jornalísticas, sobre políticas governamentais e assuntos sociais cotidianos. Outros autores, como Liu (2011), afirmam que, apesar dessa proximidade com o Partido, o China Daily é considerado como levemente mais liberal do que outros jornais em mandarim. Hartig (2018) comentou a experiência de um jornalista alemão que participou de um programa de intercâmbio jornalístico entre Alemanha e China em 2009, tendo trabalhado no China Daily, e que descreveu o jornal como parcialmente capaz de fornecer notícias de modo informativo e profissional; só parcialmente porque, especialmente quando tratando de tópicos considerados sensíveis para o governo, como Tibete e Taiwan, o jornal funcionava como um balcão de venda das políticas oficiais do Partido.

Apesar de também ser controlado pelo People’s Daily – conhecido por seus leitores fortemente nacionalistas (SHAMBAUGH, 2013; THE CHINESE, 2010), o Global Times não segue rigorosamente a mesma linha. Lançado em 2009 já em inglês, o Global Times foi considerado pela revista britânica The Economist uma “inovação notável”, fugindo do nacionalismo do People’s Daily e até mesmo noticiando eventos que são do tabu na China – o Global Times, por exemplo, foi o único jornal chinês a noticiar o aniversário dos protestos na praça Tiananmen, e sua repressão, em 1989 (THE CHINESE, 2010). Em 2013, o Global Times lançou uma edição bilíngue nos EUA, com 16 páginas em chinês e 24 páginas em inglês, impressas em Los Angeles, Estados Unidos, tornando-se o primeiro jornal da RPC a publicar versões diárias em chinês e em inglês, nos EUA, ao mesmo tempo (MI, 2018).

No geral, as críticas feitas à mídia chinesa são as mesmas que serão destacadas no caso dos outros instrumentos de diplomacia cultural chinesa analisados nesta dissertação: os veículos de comunicação seriam porta-vozes do governo chinês e meios de disseminação de propaganda

do Partido Comunista Chinês. Sun (2015) afirmou que a expansão e a internacionalização da mídia chinesa foram feitas visando a contar a história da China para o mundo e a diminuir as discrepâncias de percepção entre o que a China pensa de si e o que o mundo pensa da China, mas que, ironicamente, porém não surpreendentemente, as ações da China acabaram se tornando uma nova fonte de ansiedade para o ocidente.

A intensa presença da CGTN na África, onde a China tem um de seus escritórios regionais, também foi objeto de diversos estudos acadêmicos. Vivien Marsh (2016), em pesquisa na qual comparou o programa Africa Live, da CCTV Africa, com o programa Focus on Africa, da BBC World News TV, afirmou que, apesar de a CCTV mostrar sinais de que está desenvolvendo uma alternativa ao olhar ocidental – que reduziria a África a conflitos e fome –, os temas e os interesses chineses têm um efeito desproporcional na agenda editorial do veículo. Já Iginio Gagliardone (2013) argumentou que a CCTV Africa, em seus esforços para promover o soft power chinês – não está atuando por meio da promoção direta de uma narrativa alternativa sobre a China, mas, sim, pela proposta de novos meios de olhar para a África. Zhang Yanqiu e Simon Matingwina (2016) também afirmaram que a CCTV Africa tem, em larga medida, conseguido abordar temas africanos de uma perspectiva nova e diferente.

Em análise sobre o China Daily, Hartig (2018) levantou outra questão: é evidente que o jornal é uma das vozes de Pequim, por conta de seu potencial alcance global, mas será que essa voz será ouvida e, caso seja, como as audiências internacionais reagirão às suas mensagens? Segundo o acadêmico, levando em consideração os números não tão expressivos de circulação do jornal, a impressão é que a voz global de Pequim transmitida pelo China Daily não alcança uma quantidade significativa de leitores (ainda), o que pode levar à conclusão de que há outros motivos para os esforços de internacionalização da mídia promovidos pela China. Um deles, destacou Hartig (2018), pode estar relacionado com a postura da diplomacia pública chinesa de talk back: mais importante do que as pessoas lerem o China Daily é a mensagem explícita de que a China não deixa mais a prerrogativa de interpretar o que o país é e o que ele representa para partes interessadas externas (HARTIG, 218).

A questão da audiência da mídia chinesa também foi tratada por Thussu (2018). Segundo o acadêmico, ao menos no curto prazo, a tendência é que o público principal desses veículos seja a diáspora chinesa (a maior do mundo), os empregados chineses trabalhando no exterior, os estudantes chineses (que constituem o maior percentual de estudantes internacionais do mundo) e os turistas chineses (desde 2013, a China é a maior fonte de turistas do mundo). Além disso, grandes cadeias de hotéis internacionais estão sendo compradas por empresas

chinesas e fornecem conteúdos de entretenimento e informações da China para seus hóspedes (THUSSU, 2018).

Miao Mi (2018), falando sobre a internacionalização dos jornais e das revistas chineses, comentou que a expansão internacional da mídia chinesa é muito mais impulsionada por interesses políticos do que comerciais, o que faz com que somente alguns poucos veículos, escolhidos pelo Partido, tenham a capacidade de investir nesse processo – como é o caso do China Daily e do Global Times. Além disso, afirmou que, em decorrência da percepção da mídia chinesa como instrumentos de propaganda rigidamente controlados pelo governo, torna- se difícil para os jornais chineses competirem com as companhias de mídia transnacionais em termos de credibilidade e de marca e, assim, transmitir a voz da China para o mundo (MI, 2018). Dessa forma, para que os jornais e as revistas chineses funcionem melhor como plataformas de exportação do soft power chinês, Mi (2018) sugeriu que eles considerem as boas práticas de alguns jornais ocidentais – como o britânico The Guardian, por exemplo – na produção de conteúdo online.

Essa percepção da mídia chinesa como instrumento de propaganda do governo é constante na literatura. Pál Nyíri (2017), por exemplo, afirmou que a mídia chinesa tem sucesso limitado em exercer influência internacional em parte pela excessiva burocratização e pela censura – aberta e encoberta – que restringe o impacto jornalístico. Assim, um modo que talvez tenha sido usado para atenuar esse efeito deletério da aproximação entre o governo chinês e os veículos de mídia foi a não divulgação dessa conexão. Um relatório da Reuters, de 2015, identificou ao menos 33 rádios em 14 países cuja acionista majoritária era China Radio International (QING; SHIFFMAN, 2015). Segundo o relatório, nos EUA, a CRI não era possuidora direta das ações, mas mantinha o controle por meio de uma subsidiária de Pequim. Para Joseph Nye (2018), essa atuação encoberta da China, para exercer influência sem que se perceba a presença do Estado chinês, cruza a linha que distingue o soft do sharp power: ou seja, não seria mais soft power, mas sim uma forma de utilização hard de recursos intangíveis, pois manipula e esconde informações.

No entanto, uma vez mais, é importante tentar analisar o processo como um todo. Falando da CRI, Huang (2018) comentou algumas experiências mais mercadológicas do veículo midiático, como a CRI Like FM, na Tailândia, que, adotando uma programação jovem, com apresentadores locais (33 dos 34 membros da equipe eram locais; o único chinês foi designado pelo headquarters da CRI para supervisionar a programação) e promoções com produtos tailandeses, a rádio estava entre as dez de maior audiência do país, passando de uma receita de propaganda de cerca de US$ 210 mil em 2011 para mais de US$ 2,14 milhões em

2014. Isso, segundo Huang (2018), seria um indicativo de que o apoio governamental ao projeto de going-out da mídia chinesa não tem, necessariamente, que atingir somente objetivos de promoção da China ou da imagem chinesa no exterior, mas que, em vez disso, o governo também apoia a globalização da mídia chinesa, deixando em aberto como os veículos podem se desenvolver, na esperança de que eles possam competir com seus pares ocidentais no futuro. Para Huang (2018), na prática, o processo de internacionalização da CRI pode ser identificado como uma tentativa de balancear o papel de uma estação de rádio estatal de fornecer narrativas positivas sobre a China para o mundo, e o papel de uma organização midiática buscando se tornar uma organização mainstream globalmente, capaz de introduzir a China para o resto do mundo – e introduzir o mundo para a China –, promovendo entendimento e amizade entre chineses e povos de outros países. O desafio, concluiu Huang (2018), será continuar com a base financeira ampla e com o diversificado serviço, fornecido em muitos idiomas para uma audiência variada, sem precisar apoiar-se no modelo tradicional estado-dependente.

Uma análise mais detalhada também cabe no caso da Xinhua News Agency. Segundo Hartig (2015b), enquanto a Xinhua é vista no ocidente como um instrumento de propaganda e, portanto, não é tão bem-sucedida em explicar as perspectivas chinesas, isso é diferente no Sul Global64, onde a agência tem certo sucesso. Isso ocorre ou por uma ênfase no status comum de países em desenvolvimento, em oposição ao ocidente, ou porque os conteúdos e serviços da Xinhua são muito mais baratos do que os das agências ocidentais. Hartig (2015b) afirmou que,

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