• Nenhum resultado encontrado

2 JUSTIÇA AMBIENTAL E DEMOCRACIA: PARTICIPAÇÃO POPULAR E CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS

2.4 Direito à participação popular no campo ambiental

O conceito de cidadania costuma ser considerado diretamente atrelado ao processo de participação, no entanto, é preciso considerar que cidadania é um conceito político, que remonta à pólis grega, mas que se fortaleceu a partir do século XVIII, no período de consolidação dos Estados Nacionais e queda do Absolutismo, este conceito o mesmo foi, portanto, forjado nos ideais liberais iluministas, por isso é centrada na defesa do indivíduo perante o Estado e na garantia de sua participação nas decisões (CAMARA NETO; REZENDE FILHO, 2001).

Carvalho (2014, p. 18-19) observa que a cidadania teria sido desenvolvida dentro do fenômeno histórico do Estado-nação, datado da Revolução Francesa, de 1789. Assim, a luta

___________________________

46

disputada pelos direitos tratava-se de uma luta política nacional, o que relacionaria a construção da cidadania com o envolvimento das pessoas com o Estado e com a nação.

O desdobramento jurídico dessa construção histórica supracitada acerca do conceito de cidadania assegura que, primeiramente, esta foi compreendida como uma vinculação de um indivíduo a uma ordem jurídica de um Estado, garantindo assim sua inclusão político-social e participação na tomada de decisões sobre a vida pública.

Portanto, a participação deve ser entendida como um direito fundamental garantido pela Constituição Federal necessário à concretização do princípio democrático e do Estado Democrático de Direito. Conforme explica Cunha Filho (1997, p. 91-92):

Participação popular é efetivamente um direito fundamental, tanto em forma, quanto em essência. Sua presença física esparrama-se em todo corpo da Constituição […] antes de ser um direito fundamental, é um direito fundante, ou seja, um direito do que decorre a própria significação dos modos de vida e convivência pelos quais optamos.

Assim, preceitua o art. 1º da Constituição Republicana de 1988 foi estabelecido um estado democrático que se caracteriza pela vinculação do Estado ao Direito, consagração de direitos fundamentais, separação de poderes e democracia. A legitimidade desse estado se constitui não apenas pela eleição de representantes, mas também pela interferência direta nas diretrizes estatais, conformando uma democracia participativa que conjuga institutos representativos e diretos.

Entretanto Carvalho (2014, p. 15), refletindo sobre a construção histórica da cidadania no Brasil compreende que esse fenômeno desdobra-se em três dimensões: direitos civis (direito à liberdade, à propriedade e à igualdade perante a lei); direitos políticos (direito à participação do cidadão no governo da sociedade – voto) e direitos sociais. Nessa perspectiva, o cidadão pleno seria aquele que fosse titular dos três direitos. Caso possuísse apenas alguns dos direitos, seria um cidadão incompleto. Sem nenhum dos direitos o indivíduo não seria cidadão.

Ocorre que o Brasil apresenta uma democracia de baixa densidade, materializada na experiência recente e em vias de consolidação de um regime constituído pós-ditadura militar, de forma que a política do país ainda tem muito a avançar para garantir a participação popular e o exercício da cidadania plena. Necessário se questionar se cidadãos com direitos civis limitados e direitos sociais precários conseguem exercitar amplamente sua participação?

47

Por isso, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é norma com previsão constitucional e considerada direito fundamental de todos, cabendo o dever jurídico de defesa e proteção ao Estado e à sociedade, conforme consta no art. 225 da Constituição Federal.

Para garantir a efetividade desse direito e realizar a defesa da natureza, bem de uso comum do povo, é fundamental que seja garantida a ampla participação dos cidadãos nas decisões sobre política ambiental.

Nesse sentido, a Declaração do Rio de Janeiro, da Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, de 1992, em seu art. 10 diz: “O melhor modo de tratar as questões do meio ambiente é assegurando a participação de todos os cidadãos interessados, no nível pertinente” (ONU, 1992). Acrescentando ainda que, no nível nacional, cada pessoa deve ter a “possibilidade de participar no processo de tomada de decisões”.

No entanto, é preciso considerar que, o Estado de Bem-Estar Social não foi implementado no país. Assim, apesar do texto constitucional brasileiro consagrar uma série de direitos sociais e instrumentos de tutela coletiva, as desigualdades socioeconômicas ainda são um dado fundamental para compreender o desenvolvimento da política e o exercício da cidadania no Brasil, inclusive na esfera ambiental.

Portanto, a luta pela democratização das políticas e pela cidadania plena também perpassa o campo ambiental que é marcado pela desigualdade de distribuição das cargas e da proteção ambientais.

Dagnino (2000) aponta a armadilha que um discurso democrático vazio de reflexão crítica representa para a consolidação da democracia no País. A autora chama atenção para as ações que se restringem ao cumprimento dos procedimentos formais, sem, contudo, representarem, de fato, uma prática democrática. Isso propicia que mecanismos denominados de participativos, como as audiências públicas, venham a ser inseridos em processos verticais, herméticos e distantes concretamente da população que se esgotam em uma mera transposição das formalidades, sem maiores impactos político-sociais.

Com efeito, a proteção do meio ambiente é dever da sociedade e do Estado, no entanto, a apropriação social da natureza dá-se a partir de formas e lógicas diferentes pelos diversos atores sociais. Da mesma maneira, é possível constatar que os ônus e cargas socioambientais afetam, com mais frequência, populações mais vulnerabilizadas pela ausência de

48

políticas públicas o que dificulta o processo de denúncia e resistência.

A partir da percepção que os problemas ambientais não estão apartados dos cenários políticos e econômicos que adotaremos nesse trabalho, o discurso da justiça ambiental, que parte da compreensão de que o sistema capitalista e seus modelos de desenvolvimento em sua lógica da desigualdade são os responsáveis pela destruição do meio ambiente – a partir da razão utilitária do mercado (ACSELRAD, 2010), que encara o planeta como uma mera fonte de insumos para o processo produtivo – e responsável, também, pela criação e pela consolidação de uma massa cada vez maior de excluídos (os diretamente expostos aos riscos ambientais produzidos pelas atividades econômicas, a cujas benesses não têm acesso) que estão alijados dos processos decisórios que lhe afetam diretamente e tem seus status de cidadãos desconsiderados.

Por isso, a participação se fundamenta no “fortalecimento do poder do cidadão e dos grupos organizados em relação à capacidade de influenciar as decisões que condicionam a vida em sociedade” (CARVALHO, 2009, p. 276), o que exige a constituição de um capital político que permita que “os diversos interesses conflitantes sejam trazidos à tona para a arena pública” (CASTRO, VASCONCELOS, 2009, p. 85), de forma que, diante da dimensão das questões ambientais, é preciso que as populações atingidas possam deliberar de forma prévia, livre e informada sobre a política ambiental.

Assim, mesmo compreendendo que o popular é um elemento inerente ao conceito de direito à participação, o presente trabalho busca destacar desde o título que a perspectiva adotada está alinhada à visão das coletividades atingidas, entendendo que o atual modelo participativo apresenta imensas fissuras e falhas como espaço de participação e deliberação sobre o meio ambiente, sendo preciso lançar as bases de um modelo que parta do reconhecimento das assimetrias de saber-poder que permeiam as relações socioambientais.

Portanto, é preciso compreender que a democracia transcende apenas conferir participação nas decisões públicas, devendo constituir-se como o ambiente propício para promoção da dignidade da pessoa humana.

49

3 LICENCIAMENTO AMBIENTAL NO BRASIL: INSTRUMENTO DE REGULAÇÃO