• Nenhum resultado encontrado

Direito à reserva da intimidade da vida privada

49 ANDRADE, Costa, “Direito Penal Médico”, p. 70.

50Embora não seja ainda o momento para aferir da “nuance” que consideramos essencial para a análise

da situação, deixamos apenas como reflexão que, para além do acto de colheita propriamente dito, a forma e os meios empregues para que essa colheita seja concretizada poderão, em caso de resistência física firme por parte do arguido, redundar em uma ofensa à integridade física mais acentuada, situação que será aprofundada adiante.

40 O artigo 26.º, n.º 1 da CRP, sob a epígrafe “outros direitos pessoais”, prevê que “a todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação”.

A nível europeu, também a CEDH, no seu artigo 8.º, prevê o “direito ao respeito pela vida privada e familiar”.

O conceito e alcance de “vida privada” podem delimitar-se como aquela esfera própria inviolável da pessoa humana, onde “ninguém deve poder penetrar sem autorização do respectivo titular, diríamos que o âmago da sua individualidade”, em consonância com

o Ac. do TC n.º 355/9751.

Este direito traduz-se na protecção dada ao indivíduo contra a divulgação a terceiros de certos aspectos ou factos da sua vida privada (e familiar).

Gomes Canotilho e Vital Moreira52 referem que este se traduz essencialmente em dois

“subdireitos”: o direito a impedir o acesso de estranhos a informações sobre a vida privada e familiar e o direito a que ninguém divulgue as informações que tenha sobre a vida privada e familiar de outrem, e eventualmente reconduzível ao denominado “direito à intimidade”, previstos no artigo 26.º da CRP.

Sónia Fidalgo53, no que respeita ao direito à privacidade e intimidade do arguido,

sustenta que a recolha e análise posterior de material biológico para determinação e comparação de ADN efectuada contra a vontade do arguido, viola (também) o seu direito à privacidade, na dimensão da intimidade.

Lorena Bachmaier Winter54 realça o choque das sociedades perante os fenómenos

recentes de terrorismo e de criminalidade transnacional, os quais colocam exigentes desafios (também) à justiça penal. Refere que perante este fenómeno - que qualifica como que de “stress emocional” -, os cidadãos (a comunidade) sentem uma necessidade imediata e quase automática de segurança, praticamente a qualquer preço, sintetizando

51 Disponível em www.dgsi.pt.

52 CANOTILHO, J. J. Gomes e, MOREIRA, José Joaquim Vital - “Constituição da República

Portuguesa – Anotada”, Coimbra, 4.ª Edição, 2014, p. 467.

53

Ob. cit., p. 128.

54 “Investigación criminal y protección de la privacidade en la doctrina del Tribunal Europeo de

41 como que uma ideia de que “perante uma ameaça que pode colocar em causa a nossa existência, não há quem se vá preocupar com os direitos fundamentais”.

Relembra o artigo 8.º da CEDH em relação ao direito à privacidade, ressalvando que a possibilidade de restrição no âmbito penal do mesmo exige uma suficiente previsão legal, e que seja uma medida necessária numa sociedade democrática e com respeito

pelo princípio da proporcionalidade55. Considera ainda que o TEDH tem de cumprir um

papel decisivo na definição e protecção dos direitos fundamentais, sustentando que não se trata de uma mera declaração de direitos fundamentais, mas antes um sistema de controlo de cumprimento dos mesmos.

Refere ainda que, no limite, cabe aos cidadãos de cada país definirem em que “tipo” de sociedade querem viver, se em uma sociedade mais livre e respeitando a privacidade individual, ainda que comportando, no limite, algum risco acrescido para a segurança, ou o inverso, concluindo a sua decisão em optar por uma sociedade que se reja pelo respeito dos direitos fundamentais dos cidadãos.

Gossel56, quanto à presente questão - a “violação da vida privada” - pese embora a

resistência jurisprudencial57 a essa delimitação, refere como pertinente lançar mão do

critério da proporcionalidade tendo por base a teoria das três esferas de protecção. Conclui que o direito em questão, que se traduz numa autodeterminação sobre a informação, poderá sofrer limitações, devido ao facto de o ser humano, enquanto ser social por natureza, ter de suportar certas limitações nesse direito, em nome de interesses prevalecentes da comunidade. Contudo, necessita essa limitação de fundamentação legal e determinada, de forma precisa e específica, a finalidade da utilização dos dados e, para além disso, uma protecção contra a frustração e/ou adulteração da finalidade, proibindo a divulgação ou valoração dos dados em questão, surgindo como um complemento à protecção da vida privada.

Associado a este direito, tem vindo a ser referido o “direito à autodeterminação informacional”, considerado como um “ direito moderno”, constituindo este a possibilidade de atribuir a cada pessoa a hipótese de controlar a informação disponível a seu respeito, impedindo-se que a pessoa se transforme em “simples objecto de informações”, facto que ganha relevância tendo em conta a “sociedade de informação”

55

Realçamos que a questão será abordada, em detalhe, mais adiante.

56 Ob. cit., p. 426. 57

42 em que vivemos e onde a informação acerca das pessoas circula a uma velocidade

vertiginosa, maxime, através da internet58.

A este propósito, vem o texto constitucional reforçar e completar o direito à reserva da intimidade da vida privada através do artigo 35.º da CRP, no que respeita à utilização da informática e dos dados pessoais.

Ainda a este propósito, Inês Torgal da Silva59 procura diferenciar os direitos afectados

na recolha a um arguido em sede de inquérito e a colheita efectuada a um arguido já condenado. Sustenta que em relação aos condenados está em risco a violação do seu direito à autodeterminação informativa e reserva da vida privada, ao invés da situação do arguido em sede de processo-crime, dado o facto de apenas o perfil do arguido

condenado ser inserido na base de dados de ADN60.

Documentos relacionados