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Direito à saúde e à educação

1.4. Direitos sociais fundamentais

1.4.3. Direito à saúde e à educação

Vamos ressaltar em função do objetivo do nosso trabalho os direitos sociais à educação e à saúde.

Ao mencionarmos o princípio fundamental da cidadania do Estado Brasileiro já vinculamos este princípio ao direito à educação. De fato, não há

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como formar cidadãos se não há educação. Esta última é instrumento imprescindível para alocar a população no âmago das decisões sociais, participando e decidindo os rumos do Estado, com consciência de seu papel no mundo.

Fabiana Cássia Dupim Souza123 comenta: “Na Constituição Federal

Brasileira de 1988, a educação é garantida como um direito social, em cuja ordem a que está submetido – a ordem social – serve como base o primado do trabalho e como objetivo o bem estar e a justiça sociais.

É direito que permite melhores condições de vida aos mais fracos, que tendem a realizar a igualização de situações sociais desiguais. O direito a educação é um daqueles direitos que visam conferir ao homem uma vida digna. Está intimamente ligado à noção de bem-estar social e econômico, especialmente se observada a questão sob o prisma das classes menos favorecidas.”

O direito à saúde é expressão que designa várias situações. É importante frisar que o direito à saúde não implica apenas ausência de doenças, mas o completo bem estar, físico, mental e social. O direito à saúde tem dimensão tanto individual quanto coletiva ou social, estando “imbricado na

hipercomplexidade social onde cresce e se desenvolve”124

O direito à saúde implica em prestações estatais, no desenvolvimento de políticas para garanti-lo, tendo imediata aplicabilidade, como restou asseverado acima, podendo ser exigido até mesmo judicialmente. Com base no direito a

123 Fabiana Cássia Dupim Souza, Educação e dignidade: A libertação como direito, em Cármem Lucia Antunes

Rocha, O direito... cit. p.234.

124 Cintia Lucena, Direito à Saúde no constitucionalismo contemporâneo, em Cármem Lucia Antunes Rocha, O

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saúde é possível “justificar limites à livre iniciativa ou a outros direitos de

natureza econômica.”125

O art. 196 da Constituição Federal regulamenta especificamente o direito social à saúde, afirmando que é direito de todos, garantido por políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. No art. 200, inciso VIII, resta claro que o Sistema Único de Saúde deve cooperar na manutenção do equilíbrio do meio ambiente, notadamente do meio ambiente do trabalho. Em decorrência das disposições constitucionais ora mencionadas, o direito a saúde compatibiliza-se com o princípio constitucional da igualdade.

Cármem Lucia Antunes Rocha observa: “quem não tem saúde não pode

trabalhar, produzir, enfim, dar lucro... Logo, não é um ser necessário, não consome, não dá lucro, a doença sai cara a quem por seu tratamento não pode pagar...

A perversidade das políticas neoliberais globais, que privatizam não apenas interesses e serviços econômicos, mas também aqueles tidos como essenciais, tais como os relativos à saúde, à pesquisa biotecnológica e aos cuidados médicos, conduz a preocupação muito maior quando se tem em foco o princípio da igualdade.

A discriminação a que se pode chegar é inequívoca sob dois enfoques que se possa dar em matéria de biotecnologia: se a saúde, o direito a saúde, os recursos que lhes são próprios dependem de condições materiais dos interessados, sem qualquer participação da sociedade e do estado, parece óbvio que se poderá forjar um quadro no qual alguns terão a efetividade daquele

125 Cintia Lucena, Direito à Saúde no constitucionalismo contemporâneo, em Cármem Lucia Antunes Rocha, O

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direito enquanto outros não terão acesso às condições mínimas assecuratórias de sua concretização.”

Contudo, é bastante forte atualmente a corrente economicocentrista do meio ambiente, bem como é forte a pressão de políticas econômicas liberais, que tendem a inviabilizar a concretização dos direitos sociais.

Nessa linha, José Rodrigo Rodriguez126 tece algumas considerações a esse respeito e problematiza a questão, ponderando: “Para que seja construído

um sistema de diretos sociais, é preciso destinar parte da riqueza para seu financiamento, sob pena de falta de efetividade. Isto se faz com a utilização do sistema tributário, com o estabelecimento de diversas contribuições sociais destinadas ao pagamento de benefícios e outras medidas que limitem o lucro direcionando ao investimento. Portanto, todo o sistema é tomado por este espírito de realização das finalidades sociais figuradas na idéia de justiça social (que é sempre historicamente determinada, não pode ser definida em absoluto). As atividades econômicas, que no capitalismo tomam todo o cotidiano dos cidadãos, sofrem limitações, via instrumentos de direito promocional, para que seja possível pagar a conta do Estado Social.”

“O direito não abandona sua função de repressão, mas agrega a esta, a função promocional, desenvolvida pela intervenção do Estado na economia como ordenador do mercado e pelo desenvolvimento de programas de assistência. A visão de qualquer categoria jurídica passa a ser informada pela função promocional, mesmo aquelas que assumem a forma tradicional, conforme o binômio proteção-coação. Análise funcional e estrutural deve estar

126 José Rodrigo Rodriguez, Dogmática da liberdade sindical:direito, política e globalização. Rio de Janeiro:

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sempre interligada, tendo em vista a realização dos fins estabelecidos nas Constituições-dirigentes, que incluem a realização da justiça social.”

“Mas isto não tira dos direitos sociais o caráter de elementos estranhos no interior das constituições liberais. O problema não está no fato deles não possuírem atrás de si a força espiritual do direito natural. Como já tivemos oportunidade de demonstrar, é plenamente possível defender a existência de direitos sociais com argumentos liberais. O problema é sua incompatibilidade com o mercado livre, incompatibilidade que, durante muitos anos, não se manifestou devido à prosperidade do capitalismo mundial e ao sucesso do keynesianismo: havia capital suficiente para fazer frente aos pagamentos necessários para manter o Estado de Bem-Estar.”

“Mas com a atual crise do capitalismo (crise que tem efeitos diversos em cada país, dependendo de sua posição no cenário econômico), acrescida da pressão demográfica dos aposentados e das mudanças tecnológicas que, provocando a substituição do trabalho humano por trabalho morto, fazem diminuir o número do contribuinte do sistema previdenciário, além de gerarem aumento de gastos devido ao desemprego estrutural, a contradição retomou sua força nos países centrais; justamente aqueles que têm maior poder econômico para sustentar seus gastos.”

Uma das questões cruciais levantadas pelo autor acima referido exemplifica o conteúdo dessa linha de pensamento. Ao objetivar, a título de exemplo, o direito ao trabalho afirma que, ao contrário do discurso corrente e do direito social previsto no artigo 6º da Constituição Federal, bem como da busca do pleno emprego previsto como princípio da atividade econômica no artigo 170, inciso VIII, da Constituição Federal, o capitalismo liberal necessita de certa

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taxa de desemprego para manter o funcionamento da economia, a partir do modelo que preconiza.

Portanto, a percepção manifestada pelo autor acima citado127, partindo do atual neoliberalismo hegemônico leva à idéia de que a justiça social, e toda estrutura do Estado Social é uma construção histórica “cuja permanência está

ligada à força relativa dos grupos sociais, combinada com as condições econômicas de cada país, considerada sua posição (centro ou periferia) no capitalismo internacional. Enquanto a classe trabalhadora foi um dos centros do poder social, foi possível construir os Estados Sociais. Com o enfraquecimento do sindicalismo (seja ele momentâneo ou não), estas estruturas tendem a ser questionadas e até mesmo desmontadas. O problema é que não há instrumentos jurídicos completamente adequados para fazer valer estes direitos. Diante das normas de diretos sociais positivadas, dependentes sempre de recursos econômicos vultuosos para se tornarem efetivas, podemos dizer apenas que o Estado deverá fazer tudo ao seu alcance, dentro de determinada

conjuntura, para garantir o máximo de bem estar possível.”

São considerações lógicas, que traduzem a aceitação do que muitos pretendem seja imutável: o poder do mercado capitalista. O desemprego é um elemento desse mercado. Os direitos sociais previstos na Constituição Federal não passam de diretivas ou normas programáticas, que o Estado terá enormes dificuldades para implementar.

Parece-nos dizer que é melhor aceitarmos a exclusão social e embarcarmos na canoa (quebrada) do individualismo, da competitividade

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agressiva e de modelos pré-estabelecidos, construídos pelo referido mercado para a nossa adaptação; tais modelos servem para todos e para ninguém.

Resta perguntar: o que realmente queremos? Não existem meios e instrumentos para refutarmos a desumanidade e confirmarmos nossa humanidade (imanente, viva, diversa, incontornável)? Quais os mecanismos legais e sociais de que dispomos? A Constituição traça limites à atividade econômica e a educação assoma como caminho para a emancipação do ser humano. Veremos adiante o significado das necessárias transformações no sentido de a pessoa humana reger e não ser regida por essa “entidade” denominada mercado.

Antes, contudo, de ingressarmos no tópico seguinte, queremos salientar algumas contribuições de dois autores já citados acerca das questões problematizadas acima.

Dinaura Gomes128 pondera que a Constituição não é apenas limite, mas fundamento da ordem jurídica. O processo de sua concretização depende da capacidade de participação e controle dos cidadãos junto às instituições políticas. Acertadamente menciona que o Estado, apesar de sua configuração dentro do modelo de Estado mínimo, é o principal agente de processos de transformações e que a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 introduziu nova linguagem de direitos, ao combinar o discurso liberal da cidadania com o discurso social da mesma. Conclui, pois, que dessa combinação resultou os direitos civis, políticos, sociais, econômicos e culturais ficarem inter- relacionados e interdependentes, em uma abordagem holística, constituindo um

complexo integral, único e indivisível.

128 Dinaura Godinho Pimentel Gomes, Direito do trabalho e dignidade da pessoa humana, no contexto da

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Portanto, o Estado constitucional tem estrutura política fundamental capaz de garantir a efetividade dos direitos sociais, tendo instrumentos para incrementar a conscientização da sociedade e daqueles que detêm os poderes políticos, na busca pela redemocratização social, que, nas palavras de John

Rawls129 fornecem um modo de atribuir direitos e deveres nas instituições básicas da sociedade e define a distribuição apropriada dos benefícios e encargos da cooperação social.

Surge, então, a noção da necessidade da concertação social, que deve reunir a classe empresarial, os trabalhadores e o Estado em franca cooperação para o estabelecimento de políticas públicas para os diversos setores da sociedade civil.