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3. A PROTEÇÃO DAS CRIAÇÕES DE MODA NO BRASIL

3.3. A Propriedade Intelectual aplicada à moda

3.3.4. Direito autoral

Como já dito, a definição do que seria uma criação artística passível de proteção por direitos autorais é bem ampla, uma vez que o rol trazido pela Lei é meramente exemplificativo, e dentre as vedações à proteção por DA não encontram-se as criações da moda, portanto, parte da doutrina entende que essa proteção é aplicável a essa indústria.

Apesar de não haver vedação legal a proteção das criações de moda por DA, outra parte da doutrina entende que por terem aspecto funcional, as produções desta indústria não seriam passíveis de proteção por este instituto, uma vez que o objetivo da lei seria dividir as criações

121 SOUZA, Deborah Portilho Marques de. A propriedade intelectual na indústria da moda: formas de proteção e modalidades de infração. Dissertação de Mestrado Profissional em Propriedade Intelectual e Inovação – Coordenação de Programas de Pós-Graduação e Pesquisa, Instituto Nacional da Propriedade Industrial, Rio de Janeiro, 2015, p. 186.

entre direitos autorais e propriedade industrial, estando as produções com aspecto utilitário restritas a essa última.122

No entanto, a Lei não exige que as obras não sejam utilitárias para que possam ser protegidas por DA, mas somente que a finalidade estética esteja presente.123 Portanto,

permanece o entendimento pela possibilidade de aplicação desse instituto para algumas criações da indústria da moda, cujos designs permitem que sejam consideradas “obras de arte aplicadas”,124 como confirmado por muitas decisões de tribunais sobre o tema,125 inclusive em

concomitância com a proteção por institutos da propriedade industrial, como será visto nos tópicos seguintes a este.

Os direitos autorais podem ser aplicados, mas não são ideais, para a maioria das criações nesta indústria, uma vez que, a maioria dos segmentos de moda investem em coleções breves, sem necessidade de grandes investimentos na criação de produtos icônicos e originais, não se encaixando nos requisitos para a proteção. Além disso, os direitos autorias perduram por setenta anos após a morte do autor, o que é um período extremamente longo e discrepante com a necessidade da maioria dos segmentos da indústria da moda.

Dito isto, para alguns criadores específicos, pertencentes ao segmento de luxo, Haute

Couture, principalmente, as criações tendem a ter um caráter mais artístico, devido aos

investimentos em design e altos níveis de criatividade, preenchendo o requisito da originalidade, sendo muitas vezes lançadas com a intenção de serem icônicas e duradouras. Nesses casos específicos a proteção por direito autoral se mostra recomendável.126

122 MAIA, Lívia Barbosa. A proteção do direito da moda pela propriedade intelectual. Revista da ABPI – Associação Brasileira da Propriedade Intelectual, Rio de Janeiro, v. 141, p. 3-20, março/abril, 2016, pp. 9- 10.

123 JABUR e SANTOS, 2014, p. 221, apud OLIVEIRA, Cíntia Bell de. Fashion Law e Propriedade Intelectual: uma análise dos métodos de proteção de ativos oriundos da indústria da moda. 2018. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Ciências Jurídicas e Sociais) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2018, p. 33.

124 BITTAR, 2015, pp. 45-46, apud OLIVEIRA, Cíntia Bell de. Fashion Law e Propriedade Intelectual: uma análise dos métodos de proteção de ativos oriundos da indústria da moda. 2018. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Ciências Jurídicas e Sociais) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2018, p. 33.

125 MARIOT, Gilberto. Fashion Law: a moda nos tribunais. 1.ed. Barueri: Estação das Letras e Cores, 2016, p. 86.

126 PANIDOU, Sofia, The Protection of Fashion Design Under Intellectual Property Law. Tese de Mestrado (Master in Art, Law and Economy) - International Hellenic University, Tessalônica, 2016, pp. 19-20.

Um exemplo citado pela maioria da doutrina para ilustrar a aplicação dos direitos autorais à moda é o caso Hèrmes vs. Village 284. Trata-se de processo proposto pela grife francesa Hèrmes contra a grife brasileira 284, em 2010, pela reprodução da icônica bolsa “Birkin”. A brasileira lançou em 2010 uma linha intitulada “I’m Not Original”, em que constava uma réplica feita em moletom da famosa bolsa francesa.

Nesse caso, o magistrado da 24ª Vara Cível de São Paulo entendeu que a bolsa tratava- se de uma obra de arte, passível de proteção por direitos autorais, e proibiu a 284 de produzir, importar, exportar, manter em depósito e/ou comercializar bolsas similares à da Hèrmes, bem como, condenou a empresa brasileira ao pagamento de danos morais e materiais à francesa. Vejamos trecho da sentença do juiz de Direito João Omar Marçura, no processo nº 583.00.2010.187707-5:

A prova documental trazida aos autos não deixa dúvida que a coleção lançada pela autora/reconvinda, que leva o nome “I am not the original” (em bom português: Eu não sou o original), deixa claro o propósito de imitação servil dos produtos da autora/reconvinda, em evidente prejuízo às rés/reconvintes. As inúmeras fotografias reproduzidas nas várias peças que compõem estes autos deixam patente a imitação dos elementos essenciais que, considerados em conjunto, fazem com que os objetos sejam não apenas uma bolsa de natureza utilitária, mas uma verdadeira obra de arte. Vê-se que as bolsas produzidas pelas rés/reconvintes tem valor por sua natureza artística, servindo muito mais como objeto de adorno e ostentação, permanecendo seu aspecto funcional e utilitário em segundo plano. Trata-se de obra primigena dotada de originalidade e esteticidade, que goza de proteção pela lei de direito autoral e pelas convenções internacionais que disciplinam a matéria, das quais o Brasil é signatário. O fato das bolsas serem produzidas em maior escala pelas rés/reconvintes não lhes retira a natureza de obra de arte, sabido que qualquer obra de arte pode ser reproduzida em larga escala pelo detentor do direito de autor ou sob sua autorização, a exemplo do que ocorre com a edição de livros, discos e filmes.127

Pela observação dessa decisão percebe-se que a função utilitária da obra não tem o condão de, por si só, retirar o caráter artístico e a possibilidade de proteção por direito autoral dela, podendo este instituto ser aplicado à indústria da moda, e sua adequação dependerá do tipo de produção que se pretende proteger.

127 JUSTIÇA paulista proíbe Village 284 de comercializar produtos que violem direitos autorais da Hermès.

Migalhas, 26 de maio de 2011. Disponível em:

<https://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI134166,21048-

Imagem 16 – Bolsa Birkin da Hèrmes a esquerda e réplica feita em moletom pela Village 284 a direita.128

3.3.4.1. Crimes contra direitos autorais

Como explicado anteriormente, ao tratarmos dos tipos de imitações, as violações aos direitos autorais podem se dar por contrafação ou plágio, e as punições penais para essas estão reguladas pelo Código Penal (Decreto-Lei nº 2.848/1940):

Art. 184. Violar direitos de autor e os que lhe são conexos: (Redação dada pela Lei nº 10.695, de 1º.7.2003)

Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa. (Redação dada pela Lei nº 10.695, de 1º.7.2003)

§ 1º Se a violação consistir em reprodução total ou parcial, com intuito de lucro direto ou indireto, por qualquer meio ou processo, de obra intelectual, interpretação, execução ou fonograma, sem autorização expressa do autor, do artista intérprete ou executante, do produtor, conforme o caso, ou de quem os represente: (Redação dada pela Lei nº 10.695, de 1º.7.2003)

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 10.695, de 1º.7.2003)