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1 O CURRÍCULO NO DEBATE DA EDUCAÇÃO PARA TODOS

1.2 Direito ao comum: o acesso ao currículo

A tensão entre a homogeneidade e a diversidade no currículo é um debate que permeia aspectos ideológicos, como já mencionado, de poder e de organização de políticas públicas para a educação. Para Burbules (2008, p. 34), essa polarização:

[...] tem sido uma característica constante de teoria e prática da educação moderna [...] que parece fundamentalmente dividido entre, por um lado, o desejo de usar a educação para tornar as pessoas mais parecidas (quer seja [...] pelo estabelecimento de critérios nacionais uniformes ao longo do currículo) – e, por outro, o desejo de atender as diferenças e diferentes

necessidades de aprender.

No que se refere à validação do currículo homogêneo, com um núcleo comum, o principal argumento de defesa caracteriza-o como um meio de garantir a igualdade de oportunidades entre os indivíduos distintos em culturas, possibilidades, expectativas, interesses e necessidades (GIMENO SACRISTÁN, 2000).

Com isso, há as contribuições de Dubet (2008), sociólogo francês contemporâneo, que identifica como imprescindível definir o que a escola compulsória deve, obrigatoriamente, assegurar a todos e apresenta o conceito de “cultura comum” como uma proposta que visa a conciliar conhecimentos sociais, culturais, etc., indispensáveis a qualquer indivíduo. Logo, inserir o conceito de cultura comum supõe caracterizar a escola como uma instituição de caráter coletivo, que comporta um direito subjetivo, a educação; e, para esta se efetivar como justa, deve se organizar num espaço comum que integre todos os alunos, possibilitando misturas de grupos sociais, de território, de gêneros, etc. (DUBET, 2008).

Para o autor, mais que apenas garantir-lhes aceso a um mesmo espaço, a escola comum deve educar sob a perspectiva de que está atingindo diferentes grupos de alunos, para serem preparados aos mesmos estudos e, assim, firmar-se como uma instituição justa, no sentido de atacar um dos elementos que sustentam a desigualdade social: a desigualdade de acesso ao conhecimento difundido pela escola (DUBET, 2008).

Para responder à questão “O que é uma escola justa?”, o autor é enfático quanto à necessidade de estabelecer alterações na organização escolar, partindo de determinados pontos de vista: primar por uma cultura comum que todo cidadão deve possuir; dispor de qualificações que visam a “abrir portas” e não a legitimar desigualdades sociais; e reascender a função da escola de transmitir conhecimento e formar indivíduos, independente de suas performances e méritos (DUBET, 2008). Esta última ação, aliás, vincula-se, estreitamente, aos grupos que são excluídos dos sistemas escolares por diferentes situações sociais, econômicas, de gênero e, inclusive, omitidos pela deficiência26.

Dubet (2008) destaca, pois, a ação do professor como o instrumento determinante sobre as regulações dos códigos e das regras implícitas à escola, bem como quanto à redução das desigualdades das performances dos indivíduos. Para o autor, cumpre à escola “[...]

26 O referido autor (DUBET, 2008) não menciona esse grupo de alunos; é, pois um aproximação feita pela

informar [principalmente aos grupos menos favorecidos] sobre os objetivos e métodos da escola, sobre as reais expectativas do serviço de orientação, a fim de aumentar sua mobilização e seu empoderamento” (DUBET, 2008, p. 66).

Contudo, sobre essa teorização, mesmo que em defesa da igualdade de oportunidades dos sujeitos escolares, também se faz necessária atenção. Exemplificando, Apple (2008, p. 79) contrapõe esse referencial a uma crítica: “A ideia de uma “cultura comum” – com a roupagem da tradição ocidental romantizada [...] não leva em suficiente conta, portanto, a imensa heterogeneidade cultural de uma sociedade que extrai tradições culturais do mundo inteiro”. Isto é: determinar quais são os conteúdos que devem ser priorizados na educação escolar para construir um currículo comum é uma atividade que implica reconhecer os significados dados a essa seletividade; e determinar as nuances entre essa seleção e a justiça é outro aspecto que se contrapõe.

Existindo ou não tal currículo nacional há, entretanto, um sentimento crescente de que um conjunto padronizado de diretrizes e metas curriculares nacionais é indispensável para “elevar o nível” e fazer com que as escolas sejam responsabilizadas pelo sucesso ou fracasso de seus alunos. É certo que há pessoas de diversas correntes educacionais e políticas defendendo níveis mais elevados, currículos mais rigorosos em âmbito nacional e um sistema unificado de avaliação. Ainda assim, precisamos sempre fazer uma pergunta: que grupo lidera tais esforços “reformistas”? Essa pergunta leva naturalmente a outra, de maior amplitude: tendo em conta a resposta à primeira pergunta, quem ganhará e quem perderá em consequência de tudo isso? (APPLE, 2008, p. 63)

Contudo, o autor também não nega a importância de estimular o debate a respeito das escolhas do conhecimento, em defesa de uma educação para todos, sem, contudo, perder de vista esse referencial crítico:

[...] quero um modelo uniforme em termos da maneira que pensamos sobre uma educação para todos. Não quero que façamos diferenciações negativas. Sou também, fortemente a favor de uma educação inclusiva, isto é, de que não tenhamos uma educação especial em separado para estudantes rotulados como pessoas que tenham deficiências emocionais ou físicas. Acho que isto é importante não só para as crianças assim rotuladas, mas também para as que não o são. Que tipo de sociedade estaremos produzindo quando separamos as pessoas e não temos as responsabilidades coletivas que façam que elas saibam como interagir? (APPLE, 2006, p. 266, grifo nosso)

A alternativa, para tanto, segundo Correia (1999, p. 112-113, grifo do autor), é

[...] presidir à elaboração de um currículo regular que pretenda dar resposta ao maior número possível de tipos e de modalidades de necessidades educacionais especiais, a atender no espaço e tempo da escola regular [...] é a de considerar que o currículo é elaborado para TODOS os alunos, independentemente do seu nível socioeconômico e cultural, da sua região de origem e das condições físicas, intelectuais e emocionais [...] “os objetivos da educação são os mesmos” para todos os alunos. O que deve variar são os meios proporcionados a cada aluno para “lá chegar”, se se quer partir do princípio de que se pretende que todos “lá cheguem”.

Desse modo, entende-se que a defesa pela escola (inclusiva) estaria articulada à defesa do acesso e da universalização de uma educação básica de qualidade para toda a população, em que devem estar matriculados os sujeitos que, historicamente, foram excluídos desse processo (dentre eles o público-alvo da educação especial). E, para tanto, torna-se indispensável a defesa de uma escola que, de fato, priorize o trabalho com o conhecimento escolar, imerso em relações diversas, possibilitando a supressão de ações que geram a exclusão.

Afinal, o “[...] currículo comum não deve ser entendido apenas como a soma de conteúdos que todos estão de acordo que seja objeto de ensino; menos ainda, deve cair num totalitarismo que apague toda a diferença individual ou de um grupo” (GIMENO SACRISTÁN, 2000, p. 173). E, novamente, se emerge o aspecto da diversidade, que deve ser integrada no debate da construção desse currículo27.