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o Direito como produto Cultural e a necessidade de ser Contextualizado na realidade social em que incide

No documento Edição Completa (páginas 187-190)

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2. o Direito como produto Cultural e a necessidade de ser Contextualizado na realidade social em que incide

Incialmente, cumpre situar o contexto narrativo dos direitos humanos na pós-mo- dernidade e observar qual foi o ponto de partida de Herrera Flores para sua alternativa de interpretação à abstração do humanismo existente no século XX. Nessa linha, ao compreender que toda sociedade constitui um processo cultural, ou seja, um proces- so de criação humana, e que o homem possui uma capacidade de “fazer e desfazer” o mundo que o rodeia, o autor propõe os direitos humanos como conceitos abertos, originados das reações humanas à realidade social e enquanto resultados provisórios das lutas sociais pela sua dignidade, onde dignidade constitui a verdadeira riqueza humana (HERRERA FLORES, 2009, p. 19-22). O interessante, no ponto de vista ora articula- do, corresponde ao fato de destacar que os referidos valores não são algo pré-existente ao humano, isto é, não são prévios, mas sim são tidos como um modo de reação ante as relações sociais, isto é, verdadeiros caminhos, uma vez que, primeiro, vieram os bens necessários à obtenção de uma vida digna (dentre eles: saúde, moradia, alimentação, educação, expressão etc.) disponibilizados, pela interferência humana com base, por exemplo, em um modo de produção, de maneira hierarquizada e desigual, e, em se- guida, vieram as lutas do homem contra tais divisões sociais a fim de poder acessar os mencionados bens2. Por isso, os direitos representam essas lutas e sua criação se confi-

gura em produtos culturais. Ademais, a citada teoria crítica reconhece o homem como sujeito transformador do mundo, motivo pelo qual, atribuindo a natureza de produto cultural aos direitos humanos, esses tenderão “sempre a criar, a constituir, a buscar e a suscitar acontecimentos, encontros, espaços significativos de interação que aumentem a intensidade de nossas atitudes e aptidões para empoderar-nos e empoderar os outros” (HERRERA FLORES, 2009, p.27).

Deste modo, a tese esgrimida por Herrera Flores, amolda-se tão bem para explicar as lutas sociais originadas na era tecnológica, ainda, pelo fato de essa ter causado uma nova espécie de desigualdade social (a exclusão pela expertise), que não se vincula somente ao critério econômico, pois o fato de o indivíduo ser mais rico, pode gerar acesso a recursos físicos de alta qualidade, mas não implica na sua inclusão social, uma vez que essa requer notadamente um móvel interno aos seres humanos configurado na intenção desses em se 2 Aqui há uma novidade, pois não se trata de alocar como preponderante a divisão do trabalho, sim e previamente, um “circuito de reação cultural” imediato no binômio: necessidades e bens. Isto é, o longo percurso na busca dos bens para o preenchimento das necessidades.

integrar ao meio social. Essa vontade (esse conatus3) precisa advir de motivações internas

relativas ao sujeito estar disposto a se transformar e o fazer, também, em relação ao mundo ao seu redor. Seria, então, necessária uma formulação teórica que, ao prestar mais atenção ao social e ao ser humano, contextualizando suas lutas sociais, melhor reconheça as dife- renças do meio em que aquele compõe e, mais facilmente, consiga conscientizá-lo para lutar contra causas de dominação (ou de submissão) e buscar sua verdadeira autonomia, melhor dito, sua autodeterminação para a efetivação de sua dignidade ou do atributo que lhe é inerente.

Por outro lado, a linha positivista, que entende os direitos humanos como estabele- cidos e estanques, ao enaltecer o fenômeno da normatização jurídica de tais valores como caminhos para sua maior proteção e realização, deixou de considerar os demais fatores influentes na atribuição de efetividade àqueles, os quais são trazidos à luz a partir da con- textualização social. Fatores esses muito relevantes para diferenciar uma realidade em que esses direitos são efetivados e, portanto, respeitados e aquela em que não passam de sim- ples abstração, razão pela qual Herrera Flores nos alerta para o fato de que a interpretação dos direitos humanos necessita considerar aspectos sociológicos, equivalentes às formas diferentes e plurais dos seres humanos reagirem às relações que experienciam, já que esses se originaram primeiro que os direitos e ofertam as diretrizes para a compreensão dos melhores meios concretos de sua aplicação.

Todavia, a crítica à positivação jurídica dos direitos humanos não significa para o au- tor que foram desconsiderados seus méritos, mas que não há mais espaço para interpretar os direitos humanos sob um fundamento apartado das peculiaridades do social, princi- palmente porque este influenciará a criação de estratégias políticas-econômicas na busca pela efetividade daqueles direitos, por conseguinte, ressalta, o autor, que não há um só caminho, mas sim “múltiplos caminhos para a dignidade”, já que fixar os referidos valores como produção do Ocidente, como vem ocorrendo ultimamente, propondo atitudes e aptidões para o que significa vida digna, consoante determina o capitalismo, gera, desse modo, uma desconsideração pelas plurais formas que o homem tem de reagir ao mundo (HERRERA FLORES, 2009, p. 29-54).4

3 Termo latino que significa esforço de, ou esforço para; na filosofia do século XVII, é utilizado a partir da nova física que, ao demonstrar o princípio de inércia (um corpo permanece em movimento ou em repou- so se nenhum outro corpo atua sobre ele modificando seu estado), torna possível a ideia de que todos os seres do universo possuem a tendência natural e espontânea para a auto conservação e se esforçam para permanecer ou persistir como existentes (Cf., MARILENA CHAUÍ, 1995, p. 106).

4 Nesse sentido, sobre a relevante postura dos direitos humanos numa realidade social, Herrera Flores afirma que “Estos no son algo dado, ni están garantizados por algún ‘bien moral’, alguna ‘esfera trans- cendental’ o por algún ‘fundamento originario o teleológico’. Son productos culturales que instituyen o crean las condiciones necesarias para implementar un sentido político fuerte de libertad (opuesto a la condición restrictiva de la libertad como autonomía: mi libertad termina cuando comienza la tuya).

Ademais, por ser a cultura uma maneira de reagir às relações sociais, políticas e eco- nômicas, ela não pode se afastar das ações sociais, razão pela qual a proposta do multicul- turalismo tradicional, representado pela atual forma de interpretar os direitos humanos, não tem conseguido resolver os problemas concretos da humanidade, além de prender-se à falsa noção de que será a ampliação das Declarações de Direitos Humanos e a imposição de ‘sanções’, as quais demoram para serem aplicadas, no plano internacional, que resolve- rá o problema de falta de comprometimento com a realização daqueles (LEMOS, 2014), observação crítica que, também, foi reforçada por Wolkmer ao observar a necessidade do reconhecimento de uma interculturalidade5, em sua dimensão pluralista, com caráter

dialógico, hermenêutico e interdisciplinar no campo dos direitos humanos para que esses possam conceber novas concepções de cidadania (WOLKMER, 2006).

O descompromisso existe porque é muito difícil para determinado grupo social acei- tar o que lhe é estranho, o que lhe é imposto como o bom para sua existência, sem obser- var sua identidade, fechando os olhos para as diferenças. No entanto, não se está versando sobre uma visão localista de direitos humanos, fadada a possivelmente desconsiderar a condição humana e estimular radicalismos. O que, na verdade, a referida crítica realça é que o multiculturalismo, na forma de compreender os direitos humanos, necessita sair do plano abstrato, examinar os diversos contextos sociais e, assim, criar condições para o desenvolvimento das potencialidades humanas, com base em uma “cultura de direitos” voltada à satisfação de uma vida digna, mas com respeito às diferenças e às garantias universais.

Nessa linha, os direitos humanos positivados não constituem a única saída para efeti- var aqueles valores e, dessa forma, estão aptos a sofrer adaptações, especialmente para con- tinuar a oferecer ao homem a capacidade de instituir novas relações com o mundo a sua volta, recriando-o, fator que se tornou primordial ante a Sociedade da Informação, a fim de conseguir alcançar nessa lugares comuns e meios para a realização de suas liberdades. Ocorre que as liberdades são interdependentes da concretização de direitos coletivos, pois esses proporcionam o desenvolvimento de plenas capacidades criativas e transformadoras Desde este punto de vista, mi libertad (de reacción cultural) comienza donde comienza la libertad de los demás; por lo que no tengo otro remedio que comprometerme y responsabilizarme – como ser humano que exige la construcción de espacios de relación con los otros -, con la creación de condiciones que permitan a todas y todos ‘poner en marcha’ continua y renovadamiente ‘caminos propios de dignidad’.” (HERRERA FLORES, 2006. p. 90) (Grifou-se)

5 Ao defender o fato de ter que repensar politicamente o poder de ação da comunidade, bem como a postura do pluralismo democrático, enquanto instrumento de luta no combate aos males provenientes da globalização e como estratégia contra hegemônica afirmação dos direitos humanos emergentes, destacou o anseio por uma nova cultura jurídica voltada ao reconhecimento da justa satisfação das necessidades básicas e na ação participativa dos sujeitos insurgentes, concluindo que “é na perspectiva paradigmática e com base num diálogo intercultural que se deverá definir e interpretar os marcos de uma nova concepção de direitos humanos.” (WOLKMER, 2006)

capazes de tornar o ser humano livre, pois, quanto mais essas são exercidas, mais liberda- de é alcançada, o que reflete diretamente na necessidade de aperfeiçoamento da relação entre o exercício das liberdades e a educação, na era tecnológica, compreendido este valor como um produto cultural para fins de embasar uma solução mais eficiente quando de sua fundamentação pela ordem jurídica, notadamente quanto a sua fundamentalidade constitucional.

No documento Edição Completa (páginas 187-190)

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