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1.2 O parentesco como elemento formador da família 1 No direito antigo

1.2.2 No direito romano

No que tange ao direito de família dos romanos, as pessoas eram classificadas quanto ao seu estado de família ( status familiae), sendo este dividido em duas classes bastante distintas.

As pessoas poderiam ser sui juris e alieni juris. As que pertenciam à primeira classe eram geralmente indivíduos que não estavam subordinados a qualquer poder familiar, tendo plena capacidade jurídica para praticar todos os atos da vida civil, sem depender de quem quer que fosse. Geralmente, indivíduos que não tinham nenhum ascendente do sexo masculino ou que haviam sido libertados do poder paterno pela emancipação, como dispõe Luiz Antonio Rolim41.

Os alieni juris, segundo o mesmo autor, eram os relativamente incapazes, os que estavam submetidos ao poder familiar, os que dependiam dos paterfamilias, tutores ou curadores para celebrar os atos da vida civil; como p.ex., os menores de idade e as mulheres. Não podiam contrair matrimônio sem o consentimento do pater, e os bens que adquirissem eram incorporados ao patrimônio do chefe da família.

Assim, essa classificação era feita de acordo com a relação de dependência entre as pessoas que compunham a família. À primeira classe pertenciam os detentores do paterfamilias e à segunda classe pertenciam, em regra, os escravos, a mulher e os filhos, bem como a mulher dos filhos e os netos, portanto todos aqueles que não possuíam liberdade plena.

Segundo preceitua Ebert Chamoun42, o vínculo de parentesco que prendia tanto os membros da família iure proprio, quanto os membros da família iure communi era a agnatio. A agnação não era um parentesco de sangue. Os filii familias emancipados e as filiae familias que haviam saído da família em virtude da conventio in manum não eram agnados. Para ser agnado não era preciso ser parente de sangue, bastava submissão à soberania do mesmo paterfamilias, e persistia à morte do chefe. Na família

41ROLIM, Luiz Antônio. Instituições de direito romano. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2000. p. 157

42CHAMOUN, Ebert. Instituições de direito romano. Rio de Janeiro: Forense, 1957. p.

romana o filho era estranho à família da mãe. Da própria mãe ele só era parente porque ela se achava sob o poder do pai.

Era o parentesco que não se fundamentava em laços de sangue, mas sim na sujeição da pessoa a um mesmo paterfamilias. Eram, pois, agnatos todos aqueles que, mesmo não descendendo diretamente uns dos outros, pertenciam a uma mesma família, sujeitos ao mesmo paterfamilias. Assim, os parentes por afinidade: na linha ascendente, o sogro e a sogra (socer e socrus), o padrasto (vitricus) e madrasta (noverca) e, na linha descendente, o genro ( gener) e a nora (nurus), o enteado (privignus) e a enteada (privigna) e ainda, na linha colateral, o cunhado (lecir) e a cunhada (glos)”43.

Pode-se concluir então que eram parentes por essa modalidade, os filhos legítimos ou adotados, os netos, a mulher dos filhos, se casados no modelo de casamento cum manu, a própria mulher na mesma condição anteriormente citada, entre outros.

A agnação, como já dito, não é definida pelo sangue, tanto que, dependendo do que regia o casamento dos pais, a mãe não era considerada parente de seus filhos e, em contrapartida a isso, os filhos adotados não eram excluídos desta relação de parentesco.

O parentesco de sangue (cognatio) existente entre pessoas que não deviam, necessariamente, ser agnadas uma da outra, não era o vínculo de conexão da família romana, vindo a sê -lo somente no Baixo Império. Esse vínculo era representado por uma relação de senhoria (agnação), que fazia do paterfamilias o senhor absoluto da família. Segundo Arnoldo Wald44, a mulher casada com manus era cognada e não agnada do seu irmão.

43ROLIM, Luiz Antonio. Instituições de direito romano. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2000. p. 157.

Ao lado da família, existia a gens (figura equiparada ao genos grego), considerada por uns como uma subdivisão da cúria e por outros como um conjunto das famílias oriundas de um tronco comum que usavam o mesmo nome (gentilicium) e possuíam culto próprio (sacra gentilicia), ainda que não pudessem provar o parentesco existente entre elas. A gens criava entre os seus membros direit os sucessórios e exercia função política, tendo território próprio e o chefe na pessoa do patergentis. Foi na fase do Império de Justiniano que tal relação de parentesco se tornou dominante.

A adoção criava a cognação, como observa MAYNZ, e então se alude à cognação civil, cognatio fingitur.45

Além destes modos de aquisição de parentesco os romanos também conheceram o parentesco colateral e direto, e o complexo, com seus diversos graus e afinidades.

No direito romano, a família se formava sob os pilares da família patriarcal, diante do princípio da autoridade, e englobava todas as pessoas que fossem dependentes da patria potestas do ascendente comum mais velho.

Para comprovar o exposto anteriormente deve -se remeter às Institutas do Imperador Justiniano que diziam:

“Sob nosso poder acham-se nossos filhos, que procriamos em justas núpcias. Parágrafo 1° – Núpcias, ou matrimônio, são a união do homem e da mulher, de acordo com um costume indivisível de vida; Parágrafo 2° – O direito do poder que temos sobre nossos filhos é próprio dos cidadãos romanos, porque não há outros homens que tenham sobre os filhos poder como nós temos; Parágrafo 3° – Portanto, aquele que nasceu de ti e de tua mulher fica sob seu poder. Do mesmo modo, aquele que nasceu de teu filho e da mulher dele, isto é, teu neto ou neta, e também, o bisneto e bisneta, e assim os demais. Aquele, porém, que nasceu de tua filha não está sob o teu poder, mas sob o poder de seu pai”46.

45SANTOS, J. M. de Carvalho (coord.). Repertório enciclopédico do direito brasileiro.

Rio de Janeiro: Borsoi. V. XXXVI,p. 50.

46JUSTINIANO. Institutas do imperador Justiniano. Apud GARCIA, Edinês Maria

Sormani. Direito de família: princípio da dignidade da pessoa humana. São Paulo: Leme, Editora de Direito, 2003. p. 60.

Em regra, a patria potestas se extinguia com a morte, já que, enquanto o paterfamilias estava vivo, ainda existiam os laços de subordinação e dependência, independentemente da idade ou estado civil dos seus descendentes. Os tempos da Realeza e da República foram regidos pelo Jus Civile, que considerava como parentes para efei tos civis somente os agnatos os quais, devido a isso, passaram a ser detentores de direitos sucessórios.

A evolução da família romana deu -se no sentido de se restringir a autoridade do paterfamilias, atribuindo maior autonomia à mulher e aos filhos e, em conseqüência, substituindo -se o parentesco agnatício pelo cognatício.

No Império, desaparecem as gens e se concedem direitos sucessórios e alimentares aos cognatos. O Estado começa a limitar a autoridade do pater, admitindo-se recurso ao magistrado em caso de abuso de poder deste, e limitando -se os castigos impostos aos filhos de forma moderada (modica castigatio).

Igualmente, a situação da mulher avança libertando -se do poder supremo do pater. A mãe, em virtude de disposições de direito pretoriano, é autorizada a substituir o pai, ficando com a guarda dos filhos. Com o Senatusconsultum Tertulianum , passa ela a ter direitos sucessórios na herança do filho, tornando -se herdeira legal na ausência de descendentes e de irmãos consangüíneos do falecido. Por sua v ez, o Senatusconsultum Orfitianum dá aos filhos direitos sucessórios em relação ao patrimônio de sua mãe.

O parentesco dominante passa a ter como fundamento a vinculação do sangue e, na sua evolução pós -romana, a família começa a receber a contribuição do direito germânico, aceitando, sobretudo, a espiritualidade cristã, reduzindo -se o grupo familiar aos pais e filhos e assumindo cunho sacramental. Substitui -se a organização autocrática por

uma organização democrática, permutando as relações de parentesco, o fundamento político da agnatio, pela vinculação biológica da consangüinidade (cognatio). E firma-se o conceito de família ora como o conjunto de pessoas ligadas a alguém, ou a um casal, pelos laços da consangüinidade ou de parentesco civil; ora como o co njunto das mesmas pessoas, mais os afins apontados por lei; ora o marido e a mulher, descendentes e adotados; ora, finalmente, marido, mulher e parentes sucessíveis de um e de outro.

1.2.3 Do direito anterior ao Código de 1916