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CAPÍTULO II – DOS DIREITOS SOCIAIS I – DA NACIONALIDADE

CAPÍTULO 2 A TIPOLOGIA JUSFUNDAMENTAL: SISTEMATIZANDO OS CRITÉRIOS DE CLASSIFICAÇÃO

2.1 Substratos teórico-tipológicos para a análise da tipologia jusfundamental

2.1.3 Direitos de defesa e a prestações

Ao criticar as contradições do quarteto destatus, ALEXY intenta que elas deveriam ser superadas através de uma teoria adequada sobre as posições jurídicas fundamentais, com base nas modalidades deônticas básicas, “um sistema totalmente claro, que possibilita, em seu âmbito, um grau

149. La Libertad Fundamental en el Estado Constitucional. Granada: Comares, 2003. p. 251. 150Op. cit., p. 268-269.

máximo de uma imprescindível percepção analítica dos direitos fundamentais”152

.Nisso defende a tipologia ora anunciada, recortando-as em dois grandes grupos, direitos de defesa e direitos a prestações.

Os direitos de defesa, conforme expõe o professor de Kiel153 correspondem aos “direitos dos cidadãos, contra o Estado, a ações estatais negativas”, trifurcando num grupo “composto por direitos a que o estado não impeça ou não dificulte determinadas ações do titular do direito”, denominados “direitos ao não-embaraço de ações”; um segundo grupo “de direitos a que o Estado não afete determinadas características ou situações do titular do direito”, chamados “direitos à não-afetação de características e situações”; e, por fim, um terceiro grupo de direitos “a que o Estado não elimine determinadas posições jurídicas do titular do direito”, ou seja, “direitos à não-eliminação de posições jurídicas.”

Esses direitos, logo se percebe, têm nascedouro na célula mãe da liberdade, e a noção de defesa corresponde à proteção de um âmbito jurídico inato ao homem em que o Estado não pode intervir, e esse quadrante jusfundamental de arbítrio, autodeterminação, ao ser regulado pelo Estado em sua atividade legiferante, e também administrativamente, não o pode ser de tão sorte que restrinja ou comprometa a eficácia de seu conteúdo essencial154.

E mais: mesmo que não haja regulação, e ainda, conforme prenota BRANCO, que em determinados direitos de defesa

se vejam incluídas expressões vagas e aberta, isso não haverá de constituir embaraço para a sua aplicação, uma vez que o conteúdo, na maioria dos casos, pode ser determinado via hermenêutica – e a tarefa de interpretação incumbe precipuamente ao Judiciário.155

152Op. cit., p. 270. 153Op. cit., p. 196-201.

154A ideia de conteúdo essencial vai ser analisada no Capítulo 3. 155Curso de Direito Constitucional. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 291.

O medeio entre os vieses objetivo e subjetivo dos quadrantes de defesa, tendo em vista o sistema constitucional albergue de liberdades, confere ao titular direito subjetivo público, em um primeiro momento, de abstenção estatal potencialmente violadora do seu direito, e, posteriormente ver remediada a frustação do exercício jusfundamental, mormente em apego às garantias constitucionais.

HESSE lastreia que

ao significado dos direitos fundamentais como direitos subjetivos de defesa do indivíduo frente às intervenções injustificadas do Estado corresponde seu significado jurídico objetivo como preceitos negativos de competência. As competências legislativas, administrativas e judiciais encontram seu limite sempre nos direitos fundamentais; estes excluem da competência estatal o âmbito que protegem, e, nessa medida, vedam sua intervenção.156

Noutra ponta da bifurcação, os direitos fundamentais são içados a direitos a prestações, fincando ALEXY, num conceito amplo, que “todo direito a uma ação positiva, ou seja, a uma ação do Estado, é um direito a uma prestação”157, contraponto à abstenção estatal própria dos direitos de defesa.

As prestações conclamam um Estado afirmativo, rementem-se ao conjunto de ações estatais necessárias para concretizar o bloco jusfundamental, sobretudo numa perspectiva de igualdade material, guardando marco jusfilosófico no Estado Social, paradigma, conforme algures ventilado, em que se oportunizou a intervenção estatal nas relações econômicas e sociais para planificar o exercício dos direitos fundamentais a toda sociedade.

SARLET confirma que

156Significado dos Direitos Fundamentais. Temas Fundamentais do Direito Constitucional. São Paulo:

Saraiva, 2009. p. 36.

os direitos fundamentais a prestações enquadram-se, como já visto, no âmbito dos direitos da segunda dimensão, correspondendo à evolução do Estado de Direito, de matriz liberal-burguesa, para o Estado democrático e social de Direito, incorporando-se à maior parte das Constituições do segundo pós-guerra.158

Direitos de defesa e prestações, entretanto, devem ser compatibilizados, e não opostos, pois relacionam-se na medida em que, muita vez, para garantir-se a fruição de um quadrante jusfundamental de defesa é necessária a prestação estatal.

Nesse diapasão, as prestações assumem polivalência funcional, informando ALEXY a possiblidade de encará-las em sentido amplo, que por sua vez dissociam-se em direitos à proteção e à participação na organização e procedimento, e em sentido estrito.159

Continua o autor de Kiel balizando que “por direitos a proteção devem ser aqui entendidos os direitos do titular de direitos fundamentais em face do Estado a que este o projeta contra intervenções de terceiro”.160

O exercício regular das liberdades apenas se efetiva com a proteção do Estado contra a intervenção de terceiros que possam obstruir o desenvolvimento regular dos atos civis entre os homens, emergindo a segurança pública como direito clássico à proteção.

A proteção requer igualmente prestações normativas, como um ordenamento jurídico penal, bem como regras civis, por exemplo acessóriasna proteção da propriedade, tipo exigências de registros próprios para determinados bens, imóveis, veículos etc.

158A Eficácia..., Op. cit., p. 185. 159Op. cit., p. 444.

Quanto à organização e procedimento, embora sua amplitude terminológica possa querer dizer muitas coisas, não traduzindo uma precisão técnica161, eis que se apontam como regramento geral viabilizador da participação do homem na formação da vontade estatal, desde o voto, demais direitos políticos, até os muitos expedientes democráticos como conselhos comunitários, audiências públicas etc.

Inevitável, pois, o flerte com o status activus de Jellinek, e especialmente o status activus processualis de HÄBERLE aprimorado, pugnando por uma interpretação constitucional aberta, plural, razão pela qual a necessidade de adoção ampla de procedimentos de participação cidadã para uma “conjugação de diferentes intérpretes da Constituição no exercício de suas funções específicas. A própria abertura da Constituição demonstra que não apenas o constitucionalista participa desse processo de interpretação”.162

Por fim, volvam-se os olhos às prestações materiais, diretas ou indiretas, identificadas nos direitos sociais, pois, segundo ALEXY, quando se fala em “direitos à assistência à saúde, ao trabalho, à moradia e à educação, quer-se primariamente fazer menção a direitos a prestação em sentido estrito”.163

A Carta Brasileira abrigou inúmeros exemplos de prestações em sentido estrito, conforme se observará adiante, assertiva essencial para a configuração do Estado Democrático de Direito.

2.2Crítica à tipologia classificatória constituinte: a necessidade de