• Nenhum resultado encontrado

Capítulo III – CULTURA E DIREITOS FUNDAMENTAIS

3.5. Direitos Fundamentais – Breve histórico

Neste tópico, pretendemos apresentar os direitos fundamentais e sua relação com a cultura. Dentre os direitos natos do indivíduo, a cultura é parte integrante e aciona mecanismos de identidade dos povos. No mesmo sentido o texto abordará como o estado brasileiro vem se relacionando com o tema e como a cultura se tornou política de estado.

O Estado contemporâneo, na forma como hoje o estudamos, encontra no século XVIII o seu marco. Com a finalidade de afastar o arbítrio e a vontade despótica dos governantes, a sociedade passou a se organizar através de ordens gerais e comuns que viessem a garantir uma equidade na aplicação de regras, direitos, limites e penalidades.

Essa formação foi possível a partir do momento em que a sociedade identifica no indivíduo determinadas prerrogativas que devem determinar a sua

25 Ibiden. p. 69. Apud MAGALHÃES, Aloísio. E Triunfo? A questão dos bens culturais no Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira; Fundação Nacional Pró-Memória, 1985, p. 41.

constituição. O entendimento dos direitos do indivíduo representa uma mudança radical na construção da sociedade moderna e serve para modelar os limites do estado contemporâneo. As sociedades passaram a ser governadas por leis/regras públicas e universais, em contraposição ao momento histórico anterior quando o poder representava a vontade de uma pequena minoria e/ou divina.

Os pensadores políticos dos séculos XVII e XVIII redefiniram a noção de igualdade, que passou a ser o fundamento do ideal de sociedade moderna. Como afirma Hobbes26, “a natureza fez os homens tão iguais, quanto às faculdades do corpo e do espírito que, embora por vezes se encontre um homem manifestamente mais forte de corpo, ou de espírito mais vivo do que outro, mesmo assim, quando se considera tudo isto em conjunto, a diferença entre um e outro homem não é suficientemente considerável para que qualquer um possa com base nela reclamar qualquer benefício a que outro não possa também aspirar.”

Nesta trilha de pensamento, emergiram os chamados direitos fundamentais naturais, inerentes e indissociáveis do indivíduo, com características que importam em sua imprescritibilidade e inalienabilidade. Por tais razões, “são eles universais – pertencem a todos os homens, em conseqüência estendem-se por todo o campo aberto ao ser humano, potencialmente o universo.”27

3.5.1. O DIREITO DAS LIBERDADES PÚBLICAS – Primeira Geração de Direitos Fundamentais

Conforme ensina Manoel Gonçalves Ferreira Filho28, o Estado de Direito, construído a partir da nova organização social, após a Revolução Francesa e guiada pelos ideais do Iluminismo significou estabelecer limites ao Poder Político, na medida em que definiu os interesses da sociedade de estabelecer ordens gerais e comuns que viessem a conferir a clara separação entre o indivíduo e o estado.

No âmbito dos ideais da Revolução Francesa os direitos naturais do homem são tidos como justos e serviriam para nortear a organização social, através de regras gerais e impessoais, expressas através de uma vontade geral, que teriam por

26

HOBBES, Thomas. Leviatã ou a matéria, forma e poder de um estado eclesiástico e civil. Trad. De João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva. São Paulo: Nova Cultura, 1988, p. 74.

27 FERREIRA Filho, Manoel Gonçalves. Direitos Humanos Fundamentais. São Paulo: Editora Saraiva, 1996, p.23.

28

finalidade definir a coordenação e o exercício desses direitos naturais em um ambiente coletivo.

Esses direitos fundamentais, em sua primeira manifestação, representaram uma limitação ao poder, definindo uma fronteira entre o que é lícito para o Estado, garantindo aos indivíduos as suas prerrogativas particulares, que lhes garantem liberdade, tais como direito de ir e vir, direito de propriedade, direito à vida, direito ao livre pensamento, à liberdade de opinião, direito a julgamento justo etc.

Essa primeira face dos direitos fundamentais, que emergiu no século XVIII, nada mais é do que a primeira geração dos direitos fundamentais, garantindo a liberdade pública, pavimentando o caminho da sociedade para a segunda geração de direitos fundamentais, iniciada após a primeira Guerra Mundial, os chamados de direitos sociais; e, a partir dos anos 1960, permitindo o surgimento de uma terceira geração de direitos fundamentais, conhecidos como direitos de solidariedade/fraternidade.

3.5.2 OS DIREITOS SOCIAIS – Segunda Geração de Direitos Fundamentais

No término da Primeira Guerra Mundial, novos direitos fundamentais passaram a ser reconhecidos pela sociedade ocidental. Incorporaram-se à conquista da liberdade pública, os chamados direitos sociais.

O século XIX e os primeiros anos do século XX foram marcados pelos ideais do liberalismo econômico. Com as regras decorrentes das revoluções liberais, através do qual se apregoou um afastamento do Estado nas iniciativas do mercado e da concorrência, houve um grande processo de enriquecimento concentrado nas mãos da burguesia, e, por outro lado, a deterioração das condições de vida da classe trabalhadora.

Tal situação provocou extrema insatisfação que ameaçou a estabilidade do modelo liberal. O acesso da classe trabalhadora aos direitos políticos, com o voto e a formação de partidos só fez agravar os riscos, o que compeliu a ordem social a inserir novos direitos fundamentais ao rol dos direitos naturais, tais como, direitos trabalhistas, direito à assistência social, à educação, à saúde, à associação sindical, ao voto, ao lazer, à vida cultural.

Esses direitos de segunda geração, foram incorporados a partir da organização da sociedade, com a finalidade de assegurar condições mínimas de convívio social a todos os integrantes da sociedade.

No Brasil, tivemos nos governos de Getúlio Vargas o maior exemplo de uma política de governo voltada para a construção de direitos sociais. Esse período representou um marco nas conquistas dos direitos sociais da sociedade brasileira, cujas conseqüências ecoam ainda no presente.

Independentemente dos estudos que apontam uma relação de dependência da classe trabalhadora com o Estado Varguista, é fato incontroverso que os direitos trabalhistas e as organizações sindicais construíram no Governo Vargas os marcos de suas conquistas sociais.

A Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948, representa a expressão maior dessas duas gerações de direitos, compreendendo em seu texto um rol de direitos fundamentais que até os dias atuais servem de aspirações a muitos países.

3.5.3. OS DIREITOS DE SOLIDARIEDADE OU DE FRATERNIDADE – Terceira Geração de Direitos Fundamentais

A partir da segunda metade do século XX a sociedade passou a enfrentar novos desafios que impuseram novas relações entre os estados. Os direitos, que tem por finalidade permitir o pacífico e justo convívio dos povos, bem como permitir a sobrevivência da raça humana, foram denominados direitos de terceira geração. São eles: direito à paz; direito ao desenvolvimento; direito ao meio ambiente; direito ao patrimônio comum da humanidade; direito dos povos a dispor deles próprios; e direito à comunicação.

Tais direitos são direitos de apreço coletivo e são tratados como direitos difusos, com o fito de promover a harmonia de interesses sociais comuns, mesmo que, em alguns casos a aplicação desses direitos implique em exercício ou benefício individual, como, por exemplo, o direito ao patrimônio comum da humanidade, por vezes confundidos como decorrentes de políticas do Estado. É certo que em alguns casos o benefício poderá ser até particular, como no caso de algumas situações relativas ao meio ambiente, entretanto, a sua adoção se deu a partir de interesses globais da sociedade.

Alguns estudiosos identificam nesses direitos o alcance total dos princípios de liberdade, igualdade e fraternidade, esculpidos pela Revolução Francesa, posto que o primeiro refere-se às liberdades públicas, o segundo aos direitos sociais e o terceiro aos direitos solidários, que permitem a harmonia entre povos.

Documentos relacionados