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2. O SERVIÇO PÚBLICO DE FORNECIMENTO DE ÁGUA

2.3. SANEAMENTO BÁSICO E LEI Nº 11.445/2007: A LEI DE DIRETRIZES

2.4.2 Direitos fundamentais: conceito, espécies e conflitos

Importante, dentro do estudo deste serviço, é analisar do acesso à água, investigando- o, para detectá-lo como um direito fundamental, ou um fundamental direito. Antes desta análise, faz-se mister esclarecer que, tradicionalmente, tem-se distinguido os direitos naturais como aqueles inatos ao homem; os direitos humanos como os que estão positivados nas normas de direito internacional; e direitos fundamentais como aqueles que estão insertos em uma Constituição.

Ou seja, direitos naturais e direitos humanos indicam os direitos pré-positivos e suprapositivos, respectivamente. “Os direitos garantidos na Constituição são fundamentais porque se encontram no texto que regulamenta os fundamentos da organização política e social”66.

No entanto, a Carta Cidadã contém um conteúdo aberto e profundamente axiológico. Somente por este motivo é que a sua interpretação, através da hermenêutica, não pode ser limitada a análises literais.

A Constituição Federal brasileira informa que o rol dos direitos fundamentais não são numerus clausus, ou seja, um número restrito. Muito pelo contrário, existe uma abertura neste sentido, de modo que “não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”, consoante o seu art. 5º,§ 2º.

Para Walber de Moura Agra67, acentua o caráter dialógico, a exemplificação dos direitos fundamentais, entre a constituição e a realidade social. Para ele, se as normas da Constituição estão em interação constante com a realidade, em adequação “às transformações produzidas, os direitos não podem ser taxativamente numerados, sob pena de sofrerem envelhecimento normativo e perderem eficácia”.

Ora, os direitos e garantias expressos constitucionalmente não desprezam outros de caráter constitucional frutos do regime e dos princípios adotados pela Lei Maior, desde que previstos expressamente na Constituição, mesmo que de forma difusa.68

José Afonso da Silva69 classifica os direitos fundamentais em expressos, implícitos e decorrentes. Os primeiros seriam aqueles explicitamente enunciados no Título II da

66

DIMOULIS, Dimitri. MARTINS, Leonardo. Teoria Geral dos Direitos Fundamentais. 2ª ed. São Paulo: RT, 2010. p. 46.

67 AGRA, Walber de Moura. Manual de direito constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 229. 68 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 106.

Constituição; os implícitos aqueles subentendidos dos direitos expressos (como o acesso à água é um desdobramento do direito à saúde, dentre outros); e os últimos aqueles decorrem do regime e dos princípios constitucionais e dos tratados internacionais subscritos pelo Brasil.

Já para Flávia Piovesan70, os direitos oriundos de tratados internacionais são expressos, juntamente com aqueles insertos explicitamente no texto constitucional. Na verdade, tal afirmação confirmou-se com a Emenda Constitucional n. 45 de 2004. Por fim, os implícitos são os direitos subentendidos nas regras de garantias, bem como os direitos decorrentes do regime e dos princípios adotados pela Constituição de 1988

Consoante a mesma autora, os direitos expressos na Constituição brasileira e os direitos expressos em tratados internacionais (que poderiam ser equiparados a Emendas Constitucionais) formariam um universo de direitos claro e preciso, enquanto que os direitos implícitos, um universo vago, impreciso, elástico e subjetivo.

Ingo Wolfgang Sarlet71 sugere a classificação dos direitos fundamentais em dois grandes grupos: a) os direitos fundamentais escritos (expressamente positivados, com status constitucional material e formal) e os direitos não-escritos (genericamente considerados aqueles que não foram objeto de previsão expressa pelo direito constitucional). Na concepção de Ingo Wolfgang Sarlet, a expressão “direitos não-escritos” (ou não expressos) é mais apropriada, pois abrange os direitos implícitos e decorrentes.

Cabe agora estudar os conflitos de direitos fundamentais, que como já fora observado, principalmente com o advento do pós-positivismo, ganharam maior dificuldade em solução, uma vez que se trabalha não apenas com as regras, mas também com os princípios normativos.

Desta feita, o direito de acesso à água, além de tantas outras situações que necessitam de uma técnica mais acurada de hermenêutica, vivencia com problemáticas do cotidiano do Poder Judiciário e da sociedade como um todo.

Indo direto ao ponto, exemplificando: o Município “A”, com Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) alto, não possui manancial próprio, necessitando captar água de outro ente federado (Município “B”), pois precisa abastecer a sua população, uma vez que a água é essencial para a manutenção da vida; o Município “B” (com IDH baixo), cujo manancial está sendo explorado, é auto-sustentável no que toca ao fornecimento de água, mas

70 PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 3. ed. atual. São Paulo: Max Limonad, 1997. p.78-80.

71 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p. 100.

vê aos poucos os recursos hídricos localizados em seu território sendo sugados para satisfazer a sede do Município limítrofe, causando desequilíbrio ambiental.

Indaga-se: qual direito fundamental deve prevalecer? Existe choque de direito? O que é mais importante: o direito à vida ou o direito a um meio ambiente equilibrado? Direito de primeira dimensão é mais digno que direito de terceira dimensão?

Exemplo disto ocorreu no Estado do Rio Grande do Norte, quando a sociedade de economia mista estadual que presta serviços de abastecimento de água começou a implantar uma adutora que capta água de manancial no Município de Nísia Floresta para abastecer o Município de Parnamirim. Um complicador seria se aquele Município pertencesse a uma Região Metropolitana, onde o interesse é comum. Pelo visto, o tema posto à análise é mesmo instigante. Assim, “o ideal é se alcançar uma forma de colaboração entre os entes interessados”72

Para ajudar a responder estas perguntas, faz-se mister buscar o método tópico de interpretação constitucional. Pensar o problema é a essência deste método, sendo que o volitivo é um instrumento do mesmo. Para Paulo Bonavides, “caracterizou Viehweg a tópica como uma ´técnica de pensar o problema´, ou seja, aquela ´técnica mental que se orienta para o problema´”73. Enfim, é uma técnica de chegar ao problema onde este estiver, escolhendo o

critério recomendável a uma adequada definição.

Trata-se de método importante para o auxílio em casos de lacunas. Com a tópica, a norma e o sistema tornam-se simples pontos de vista (topoi), dando guarida à hegemonia do problema. Para a tópica, todos os meios interpretativos podem ser utilizados, desde que resolvam o problema.

Portanto, deve-se voltar ao problema trazido à baila: Qual direito fundamental deve prevalecer? O acesso à água ou o meio ambiente equilibrado? Abstraindo-se as normas, regras, princípios, tem-se o seguinte pensamento: atualmente pessoas de um Município passam sede, e conseqüentemente precisam da água para a sobrevivência. Assim, se o outro ente possui abundância de água, suficiente para abastecer a sua população, independentemente de causar um futuro desequilíbrio ambiental, o olhar deve ser para as necessidades presentes. Portanto, neste caso, observando o problema concreto, o direito de acesso à água prevalece sobre o do meio ambiente equilibrado, muito embora estejam em jogo as futuras gerações. É o chamado sopesamento, diante do choque entre direitos.

72 DIAS, Gilka da Mata. op. cit. p. 360.

Robert Alexy74 considera que em casos de colisão, “o valor decisório será dado àquele que tiver maior peso relativo no caso concreto”. Segundo este mesmo autor, não há respostas sempre corretas, mas aproximadas a estas. Assim, diante deste conflito, deve-se optar pela decisão mais próxima da correta para aquele caso em específico.