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Direitos Fundamentais de Prestação Negativa

No documento A boa administração como direito fundamental (páginas 116-119)

4. A BOA ADMINISTRAÇÃO COMO ELEMENTO DE EFETIVAÇÃO DE DIREITOS

4.2. Direitos Fundamentais de Prestação Negativa

A possibilidade do exercício pleno de direitos fundamentais constrói-se a partir de prestações a serem executadas em âmbito estatal, muito embora não se demande do Estado somente atuações de ordem positiva, isto é, aquelas em que deve-se de fato fazer algo. Espera-se do Estado, assim, também prestações de natureza negativa, o que significa que não deve haver qualquer ação no sentido de realizar algo, bastando ao responsáveis estatais não agir.

Os direitos fundamentais associados à liberdade enquadram-se nessa categoria, uma vez que para sua efetivação, solicita-se dos agentes públicos meramente a ausência de intervenções que possam obstar o exercício dessas liberdades, como é o caso das liberdades religiosa, de locomoção e de

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JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo (e-book), 12ª ed., Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 2016, p. 173.

expressão. As prestações negativas, assim, envolvem abstenções por parte do Estado, o que traduz, de certa forma, uma barreira para eventuais intervenções sucedidas em âmbito estatal que venham a impedir justamente o pleno exercício de direitos que constem desse grupo.

Importante registrar novamente que os direitos fundamentais são agrupados conforme o tipo de prestação predominantemente necessária para a sua devida efetivação, o que não elimina ações de cunho diversos, ainda que não prevalecentes na categoria em questão338. Conceder às pessoas espaço suficiente para o exercício de sua liberdade de expressão, por exemplo, não impede que se necessite que o Estado realize ações positivas que promovam precisamente tal direito.

Nesse contexto, as prestações empenhadas pelo Estado, e executadas na prática pela Administração Pública, devem observar o conteúdo exprimido pelos direitos individuais, especialmente no sentido de garantir que não haverá intervenções arbitrárias na esfera pessoal dos membros da sociedade. Assim, as mais diversas atuações desenvolvidas em âmbito administrativo devem se atentar regularmente e constantemente aos direitos individuais, ainda que em sede preliminar não aparente haver qualquer envolvimento desses direitos na situação, o que significa que o ideal seria que o procedimento padrão administrativo sucedesse de modo a zelar pela garantia dos direitos individuais. A partir dessa premissa, a atividade exercida pela Administração Pública deve estar alinhada com o núcleo dos direitos fundamentais, de modo que o destinatário da atuação administrativa não se veja prejudicado por um

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Pode-se imaginar, por exemplo, uma situação hipotética em que a Administração Pública opta por utilizar parte do orçamento de urbanismo para recapear uma via em bom estado meramente para fazer vista aos cidadãos de que algo está efetivamente sendo realizado, enquanto deixa de usar desses recursos para recompor a estrutura da ponte que representa o único acesso de um conjunto habitacional para o centro da cidade. Na eventualidade de a ponte acabar por ser interditada precisamente pela impossibilidade de por ela se transitar devido aos elevados riscos envolvidos, a atuação do Estado em esvaziar os recursos para o preenchimento de uma finalidade de categoria inferior na escala de prioridades configurou-se prejudicial para a liberdade de locomoção da comunidade que reside no conjunto habitacional em questão. Isso significa que se a escolha original da Administração Pública tivesse sido pelo reforço da estrutura da ponte, se estaria diante de uma atuação administrativa em caráter positivo para a concretização de um direito individual - que predominantemente demandaria ações negativas.

comportamento administrativo inapropriado que venha a atingir o cerne desse conjunto de direitos. E é exatamente nesse cenário que a boa administração se insere como um vetor que estimula a melhor condução das ações administrativas, especificamente na materialização de instrumentos que assegurem aos membros da sociedade a efetivação plena dos seus direitos individuais.

A proteção negativa das pessoas frente ao Estado mostra-se viável a partir de práticas administrativas que reflitam abstenções estatais, permitindo aos indivíduos o livre exercício dos direitos fundamentais que envolvam a esfera pessoal. A boa administração pode tocar até mesmo nas abstenções administrativas, já que uma atuação pertinente pode consistir precisamente em não atuar.

A ideia que emana de uma boa administração, nesse sentido, é justamente a de criação de condições mínimas necessárias para o desenvolvimento de cada pessoa, de modo a impor à Administração Pública o objetivo da entrega dos instrumentos e meios essenciais para que se tenha um ambiente propício à liberdade solidária de cada indivíduo339. A construção dessa conjuntura que proporcione a liberdade de exercício de direitos individuais pode espelhar algo tão simples como meramente não agir, ou ainda, evitar situações que culminem em eventuais intervenções de natureza arbitrária e ilegítima.

Parte-se da premissa que a Administração não constitui uma entidade abstrata, uma vez composta por pessoas reais na mesma medida que os cidadãos aos quais elas servem340, o que reflete, em um cenário de discricionariedade em relação aos direitos individuais, a possibilidade dos agentes públicos analisarem a circunstância com especial consideração pelos direitos fundamentais em questão. A boa administração, assim, puxa os agentes à uma condição de máximo respeito para com os destinatários de sua

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DELPIAZZO, Carlos E.. La Buena Administración como Imperativo Ético para Administradores e Administrados, Revista de Derecho, año 9, n. 10, 2014, pp. 41-57.

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MUÑOZ, Jaime Rodríguez-Arana. Direito Fundamental à Boa Administração Pública, Fórum, Belo Horizonte, 2012, p. 27.

atuação, já que são igualmente indivíduos sujeitos de direitos, nomeadamente aqui os direitos individuais.

O exercício da função administrativa, como reflexo, inclusive, de uma boa administração, deve emanar respeito pelos direitos fundamentais de caráter individual, de maneira a evitar que suas ações eventualmente esbarrem em possíveis violações do conteúdo desse grupo de direitos ou até mesmo culminem em interferências inapropriadas na esfera privada dos indivíduos. A boa administração, nessa esteira, constitui relevante elemento auxiliar das condutas administrativas desenvolvidas para a concretização de direitos fundamentais pendentes de prestações estatais de ordem negativa.

A essência da boa administração unida às prestações negativas demandadas pelos direitos individuais pode até parecer simples, entretanto, mostra-se substancial trazer à luz exatamente a simplicidade do tema, especialmente considerando o fato de que tão corriqueiramente as medidas de cumprimento não são realizadas, tanto em termos de atividade administrativa, como de efetivação de direitos fundamentais. A evolução das regras e dos princípios que regem a atuação administrativa, bem como da própria percepção da Administração Pública e de seu papel como vetor de contato entre os indivíduos e o Estado, demonstra a contínua necessidade de formação de novos mecanismos aptos a contribuir para a elevação de uma Administração mais efetiva, prestativa, célere e eficiente, além de atenta às necessidades comuns ou excepcionais dos indivíduos.

No documento A boa administração como direito fundamental (páginas 116-119)