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Os direitos fundamentais tem sido entendidos pela doutrina como uma categoria própria, cujo estudo em apartado melhor elucida as características deste tipo de direito. Atente-se para a lição de CELSO RIBEIRO BASTOS142:

“Os direitos fundamentais constituem, em nosso entender, uma categoria de direitos que deve ser tratada autonomamente, eis que ela oferece características e particularidades que a diferenciam dos demais direitos, pois prescindem de qualquer fato aquisitivo. É dizer, pelo simples fato de existir o homem já se torna titular desses direitos.”

Quanto ao adjetivo fundamentais, ensina VIDAL SERRANO NUNES JÚNIOR143 que a adjetivação examinada tem a clara pretensão de expor a inerência de tais direitos à condição humana, ou seja, de alçá-los à condição de direitos elementares, que remetem à condição do ser humano, estando consubstanciados em princípios e regras.

Nos dizeres de PAULO BONAVIDES, para quem os direitos fundamentais são o oxigênio das Constituições democráticas144, relativamente à teoria liberal dos direitos fundamentais, que foi desenvolvida nos valores que legitimaram o Estado Liberal desde fins do Século XVIII até parte do século XX:

“Do ponto de vista conceitual, a teoria se acha erguida sobre axiomas, alguns dos quais, pelo seu teor de racionalidade, permanecem atraentes na construtura e no substrato dos direitos fundamentais de nosso tempo. Um dos traços característicos dessa concepção consiste em colocar o

142 Curso de Direito Constitucional. 2002. São Paulo: Celso Bastos Editora, pág. 277. 143

“A Cidadania Social..,”ob. cit, pág. 14

144

centro de gravidade dos direitos fundamentais na pessoa de seu titular, o indivíduo, ao redor do qual giram a sociedade e o Estado.”

E, realmente, os direitos fundamentais constituem espécie própria de direitos, inicialmente concebidos como forma de defesa do indivíduo contra o Estado e, depois, como forma de defesa do indivíduo contra toda a força que, proveniente ou não do Estado, conspire para retirar do ser humano a sua dignidade. LUÍS ROBERTO BARROSO145 observa:

“O Estado ainda é a grande instituição do mundo moderno. Mesmo quando se fala em centralidade dos direitos fundamentais, o que está em questão são os deveres de abstenção ou de atuação promocional do Poder Público. Superados os preconceitos liberais, a doutrina publicista reconhece o papel indispensável do Estado na entrega de prestações positivas e na proteção diante da atuação abusiva dos particulares.”

Os direitos fundamentais tem funções e características específicas, o que permite tratá-los como categoria à parte.

8 – As funções dos direitos fundamentais.

As funções dos direitos fundamentais são indicadas por CANOTILHO146:

“a primeira função dos direitos fundamentais – sobretudo dos direitos, liberdades e garantias – é a defesa da pessoa humana e da dignidade perante os poderes do Estado (e de outros esquemas políticos coactivos). Esta função de defesa é exercida sob dupla perspectiva: a negativa para os Poderes Públicos, proibindo ingerências na esfera individual dos sujeitos e a positiva, conferindo a eles o direito de exigir as omissões”.

Além disto, segundo o Professor português147 os direitos fundamentais cumprem função de prestação social, de proteção perante terceiros e de não discriminação.

145

“Curso...”, ob. Cit, pág. 70.

146

A função de prestação social significa o direito do particular de obter algo do Estado. Acrescenta o Constitucionalista ser claro que se o particular tiver meios financeiros suficientes e houver resposta satisfatória do mercado à procura destes bens sociais, ele pode obter a satisfação das suas pretensões prestacionais através do comércio privado. Anote-se, contudo, que nem sempre estas prestações estarão no mercado para serem adquiridos; neste caso, induvidoso que cabe unicamente ao Estado o papel prestacional. É o que acontece, por exemplo, com o direito à segurança, em razão da exclusividade do Estado no poder de organizar as polícias.

A função de proteção perante terceiros significa que “a garantia constitucional de um direito resulta o dever do Estado adotar medidas positivas destinadas a proteger o exercício dos direitos fundamentais perante atividades perturbadoras ou lesivas do mesmo praticadas por terceiros”148.

Finalmente, a função de não discriminação significa que o Estado deve tratar igualmente a todos, como pessoas fundamentalmente iguais. Esta função abrange todos os direitos, inclusive o direito a prestações.

Registre-se que na função de não discriminação radica a possibilidade de adoção de ações afirmativas, ou seja, a adoção de medidas que visem compensar desigualdades de grupos ou de minorias, decorrentes de fatores históricos, culturais, sociais ou econômicos149.

9 – Características dos Direitos Fundamentais.

Os direitos fundamentais, como já afirmado, constituem categoria própria, sendo claro que esta conclusão está alicerçada no fato de que eles tem características próprias, que os distinguem de outras espécies de direitos.

Cumpre, então, abordar estas características, registrando que para VIDAL SERRANO NUNES JÚNIOR150, elas são as seguintes: historicidade, universalidade,

147

“Direito Constitucional...”, ob. Cit, pág. 408/410.

148“Direito Constitucional...”, ob. cit, pág. 409.

149 As ações afirmativas foram objeto de tratamento no Capítulo II. 150

autogeneratividade, irrenunciabilidade, limitabilidade e possibilidade de concorrência.

JOSÉ AFONSO DA SILVA151 aponta, como características dos direitos fundamentais, a historicidade, a irrenunciabilidade, a inalienabilidade e a imprescritibilidade.

Vejamos, separadamente, cada uma destas características.

9.1- Historicidade

A historicidade significa que os direitos fundamentais são produto do tempo em que foram concebidos. Variando o contexto histórico, evidentemente variam os direitos fundamentais, ou os seus contornos.

NORBERTO BOBBIO152 afirma que “os direitos do homem são direitos históricos, que emergem gradualmente das lutas que o homem trava por sua própria emancipação e das transformações das condições de vida que essas lutas produzem.” Defende que, “enquanto direitos históricos, eles são mutáveis, ou seja, suscetíveis de transformação e ampliação”.153

Assim, os direitos fundamentais “são históricos como qualquer direito. Nascem, modificam-se e desaparecem”. Em síntese, variam ao sabor da história e das condições políticas existentes em dada sociedade, podendo sofrer redução, ampliação ou extinção. Logo, “a historicidade rechaça toda fundamentação baseada no direito natural, na essência do homem ou na natureza das coisas”154.

Leciona VIDAL SERRANO NUNES JÚNIOR que “os direitos fundamentais possuem caráter histórico, ou seja, não frutificam de um arroubo legislativo ou de uma ideação teórica ocasional, mas constituem produto da história.”155

Cada sociedade, em cada momento histórico, tem necessidades específicas, com jogos de forças próprios daquele momento no qual nascem lutas para a implementação ou a ampliação do rol dos direitos fundamentais:

151 Curso de Direito Constitucional Positivo. Ob cit, pág. 181.

152 A Era dos Direitos. 13ª. Reimpressão. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004, pág. 31. 153“A Era dos Direitos”, ob. cit, pág. 32.

154

SILVA, José Afonso. “Direito Constitucional..,” ob.Cit, pág. 181.

155

“A ampliação de seu catálogo é caudatária, igualmente, dos níveis de conscientização crescentes e concomitantes à evolução das relações sociais. Em suma, são patamares de alforria que, em processo dialético, a sociedade vem incorporando, donde a irrenunciável conclusão do caráter histórico desses direitos.”156

É por isso que NORBERTO BOBBIO, referindo-se à Declaração dos Direitos do Homem, afirma:

“Os direitos elencados na Declaração não são os únicos e possíveis direitos do homem: são os direitos do homem histórico, tal como este se configurava na mente dos redatores da Declaração após a tragédia da Segunda Guerra Mundial, numa época que tivera início com a Revolução Francesa e desembocara na Revolução Soviética.”157

E, com efeito, assiste-se, no evoluir da história, a necessidade de consagração de novos direitos que tenham o objetivo de proteger o homem de novas ameaças ou de novas agressões. Veja-se, por exemplo, o evoluir do direito urbanístico, destinado a proteger o ser humano nas cidades, mantendo a sua qualidade de vida, ou o direito ao meio ambiente, que busca preservar o planeta para as futuras gerações. Estes direitos – ao lado de outros – ganharam expressão e importância em fase recente da história, assim como as gerações futuras certamente farão com que novos direitos ganhem expressão e necessidade de proteção.

9.2-Universalidade.

Os direitos fundamentais tem por característica a universalidade, vale dizer, a inerência deles ao ser humano apenas pela condição de ser um humano: “Os direitos fundamentais são universais, ou seja, destinados ao ser humano enquanto gênero, portanto, não podem ficar restritos a um grupo, categoria ou classe de pessoas.”158

156NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. “A Cidadania...”, ob. cit, pág. 36. 157

“A Era dos Direitos”, ob. cit,pág. 33.

158

Segundo CARLOS WEISS159, “a sua única condição de aplicação é a de o sujeito se constituir em um ser humano – situação, essa, necessária e suficiente - para gozar de tais direitos.”

A característica da universalidade torna despicienda a discussão acerca dos destinatários dos direitos fundamentais. Qualquer ser humano, nacional ou estrangeiro, tem direitos fundamentais a serem exercidos, bastando que, a qualquer título, esteja sujeito à ordem jurídica brasileira.

9.3 –Autogeneratividade.

VIDAL SERRANO NUNES JÚNIOR160 aponta, como uma das características dos direitos fundamentais, a sua autogeneratividade: “os direitos fundamentais, de um lado, assim o são por se consubstanciarem em normas constitucionais, mas, por outro, constituem, também o alicerce de legitimação da própria ordem constitucional”. Segundo este Autor, a sua proteção pelo direito positivo constitucional não faz desaparecer o momento anterior, de uma “concepção de justiça desenraizada da ideia de Estados soberanos ou de ordens jurídicas específicas.”

Esta característica dos direitos fundamentais explica o art. 16 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, que afirmava que a sociedade em que não estivesse assegurada a garantia dos direitos (e, também, a separação de poderes) não tinha Constituição, ligando esta à idéia de uma estruturação de Estado que, necessariamente, deveria estar voltada à proteção dos direitos fundamentais.

9.4 –Irrenunciabilidade

Outra característica dos direitos fundamentais é a sua irrenunciabilidade. Segundo JOSÉ AFONSO DA SILVA161 “não se renunciam direitos fundamentais.

159“Direitos Humanos...”, ob. Cit, pág. 25 160

“A Cidadania Social...”, ob. cit, pág. 38.

161

Alguns deles podem até não ser exercidos, pode-se deixar de exercê-los, mas não se admite sejam renunciados.”

VIDAL SERRANO NUNES JÚNIOR, em precisa análise, afirma:

“Partindo-se da premissa de que os direitos fundamentais nasceram e se expandiram para a proteção do ser humano, pensado como ser dignitário de direitos mínimos, a aceitação da renúncia dos mesmos consistiria em negação da sua fundamentalidade e, por via de conseqüência, na sua desconstituição como categoria jurídica”.162

9.5 - Limitabilidade.

A limitabilidade dos direitos fundamentais implica na possibilidade de que, em determinado caso concreto, a proteção sofra redução em razão da necessidade de preservar outro bem da vida que, naquelas circunstâncias específicas, deve preponderar.

VIDAL SERRANO NUNES NÚNIOR163 afirma que podem ser alvitradas duas possibilidades interpretativas: uma de cedência recíproca, quando nos depararmos com a colisão entre dois direitos fundamentais; e outra, de maximização dos direitos fundamentais quando detectada uma colisão destes com o direito constitucional de natureza distinta.

Vê-se, pois, que a limitação de algum direito fundamental depende da norma que com ele colidir: se for outra norma de direito fundamental, a solução é a de cedência recíproca, prestigiando-se cada um no máximo possível. Se, contudo, a norma de direito fundamental colidir com outra norma constitucional, há que se maximizar aquele, sacrificando esta. No entanto, estas limitações são podem acarretar sacrifício à dignidade da pessoa humana.

LUÍS ROBERTO BARROSO164 leciona:

“Para que um direito fundamental seja restringido, esta deve corresponder aos valores políticos fundamentais que a Constituição

162“A Cidadania Social...”, ob. Cit, pág. 39. 163

“A Cidadania...”, Ob. Cit., pág. 41

164

consagra, e não apenas ao ideário que ocasionalmente agrega um número maior de adeptos. O outro parâmetro fundamental para solucionar esse tipo de colisão é o princípio da dignidade humana. Como se sabe, a dimensão mais nuclear desse princípio se sintetiza na máxima kantiana segundo a qual cada indivíduo deve ser tratado como um fim em si mesmo, (...) Assim, se determinada política representa a concretização de importante meta coletiva (como a garantia da segurança pública ou da saúde pública, por exemplo) mas implica a violação da dignidade humana de uma só pessoa, tal política deve ser preterida, como há muito reconhecem os publicistas comprometidos com o Estado de direito.”

9.6 - Possibilidade de concorrência

A possibilidade de concorrência dos direitos fundamentais significa que um mesmo titular, em um só momento, pode estar exercendo mais de um direito fundamental.

Isto decorre do fato de que os direitos fundamentais não se excluem, antes, se completam para a defesa da pessoa humana.

9.7 -Inalienabilidade

A inalienabilidade dos direitos fundamentais significa a impossibilidade de sua transferência, ou de negociação. Estes direitos são, portanto, indisponíveis. Segundo LUÍS ROBERTO BARROSO165, os direitos fundamentais “ao menos na extensão de seu núcleo essencial, são indisponíveis, cabendo ao Estado a sua defesa, ainda que contra a vontade expressa de seus titulares imediatos.”

9.8 -Imprescritibilidade

A imprescritibilidade dos direitos fundamentais é característica que consiste no fato de que eles nunca deixam de ser exigíveis e, assim, a ação para protegê-los não podem ser fulminadas pela prescrição: “se são sempre exercíveis e exercidos,

165

não há intercorrência temporal de não exercício que fundamente a perda da exigibilidade pela prescrição.”166

10 – Identificação dos Direitos Fundamentais.

Os direitos fundamentais podem ser identificados, ou delimitados, constitucionalmente, por dois critérios distintos: o formal e o material.

Pelo critério formal, serão direitos fundamentais aqueles que a Constituição Federal assim indicar. É o que ocorre no Título II da Carta da República, que de forma expressa enuncia os direitos fundamentais.

No entanto, como anota VIDAL SERRANO NUNES JUNIOR167, o art. 5º, § 2º, da Constituição Federal estabelece que os direitos fundamentais ali referidos o foram em caráter meramente exemplificativo, não excluindo outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

Com isto, a Carta da República admite a existência de critério material de delimitação dos direitos fundamentais:

“A Constituição Federal trouxe um conjunto de direitos denominados de fundamentais, de cuja análise deve o intérprete extrair o seu conteúdo essencial, para, dessa forma, entender quais outros direitos que, compartilhando da mesma natureza, devem ficar abrigados sob a mesma rubrica semântica”168.

Conclui o Professor que podemos delimitar que o critério material que deles deflui está consubstanciado em três valores caudatários da dignidade humana: a liberdade, a democracia política e a democracia econômica e social.169

Este critério material possibilitará que sejam considerados como fundamentais alguns direitos não expressamente previstos no Capítulo próprio da Constituição Federal.

166

SILVA, José Afonso. “Direito Constitucional...”, ob. Cit, pág. 181.

167“A Cidadania...”, ob. Cit, pág. 32, 168

NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. “A Cidadania...”, Ob. Cit., pág. 32.

169

11- Gerações/Dimensões dos Direitos Fundamentais– Evolução