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A evolução e o desenvolvimento dos direitos fundamentais em gerações, dimensões ou categorias não é fenômeno local, mas histórico e generalizado, sendo possível encontrá-los, com algumas notas particularizadas, no direito estrangeiro.

Na Constituição Portuguesa de 1976, é notável a identificação dos direitos de liberdade e dos direitos sociais. Foi opção clara do legislador constituinte bem distinguir os direitos, liberdades e garantias dos direitos econômicos, sociais e culturais.

As dimensões de liberdade dos direitos de primeira geração são nítidas quando, inseridas no Título II, expressamente denominado de “Direitos, Liberdade e Garantias”, dividido em três capítulos, a saber: 1) Direitos, liberdades e garantias pessoais; 2) Direitos, liberdades e garantias de participação política; e 3) Direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores.

Por outro lado, os Direitos Fundamentais de cunho econômico, social e cultural, são tratados no Título II, denominado como Direitos e Deveres Econômicos, sociais e Culturais. Os Econômicos regulados no Capítulo I, os Sociais no Capítulo II e, finalmente, os Culturais no Capítulo III.

Essa sistematização permite perceber que o direito à educação tanto se apresenta com a feição de direito de liberdade como direito social prestacional. O artigo 43 da Constituição Portuguesa garante a liberdade de ensinar e de aprender, assegurando-se, ademais, por proibição expressa, que o Estado não programará a educação e a cultura segundo quaisquer diretrizes filosóficas, estéticas, políticas, ideológicas ou religiosas. Não há como não reconhecer, nesse aspecto, a imposição de limites à atuação estatal que deve abster-se de práticas que podem, em tese, agredir a liberdade das pessoas.

Por outro lado, o mesmo tema, educação, recebe tratamento com dimensão social, quando o artigo 74, da Constituição Portuguesa expressa que “Todos têm direito ao ensino com garantia do direito à igualdade de oportunidades de acesso e êxito escolar”, com comando normativo que determina as diretrizes a serem seguidas na realização da política de ensino que incumbe ao Estado.

A opção do constituinte português é, inicialmente, questão de sistematização o que, por si só, não provoca maiores dificuldades ou problemas de compreensão. O que mais chama a atenção e provoca debates, é o fato da Constituição Portuguesa também ter previsto um “regime jurídico” próprio para os Direitos de Liberdade, no artigo 17, dispondo que “O regime dos direitos, liberdades e garantias aplica-se aos enunciados no título II e aos direitos fundamentais de natureza análoga”.

E, referido regime jurídico, no que toca à força jurídica, é disciplinado pelo artigo 18, no item 1, assim redigido: “Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas.”

Tais dispositivos geram todo tipo de especulação, mas independentemente de identificar a melhor solução, a dificuldade de perfeita compreensão dos direitos fundamentais e do seu regime jurídico-constitucional é evidente. Cristina Queiroz45, tratando do tema destaca o que foi afirmado:

Um dos problemas com que se defronta o constitucionalismo actual, no plano nacional, tem a ver com a dicotomia entre os ‘direitos, liberdades e garantias’ e os ‘direitos económicos, sociais e culturais’. Essa dicotomia (ou ‘dualismo), que encontra apoio implícito no texto constitucional, posto que os direitos econômicos, sociais e culturais, ou genericamente, os ‘direitos fundamentais sociais’, ainda que expressamente qualificados de direitos fundamentais, beneficiam do regime jurídico geral dos direitos fundamentais, mas não do regime jurídico específico previsto para os direitos, liberdades e garantias, basicamente o disposto no artigo 18º da Lei Fundamental.

A primeira análise desses dispositivos é capaz de revelar a impressão de que a Constituição em comento considerou os direitos de liberdade com prevalência entre os direitos fundamentais, ainda que tenha consagrado os direitos sociais. Delimitou categorias distintas de direitos fundamentais, deixando os direitos de liberdade em posição de superioridade, na medida em que passam a dispor de regra constitucional determinante de imposição imediata, enquanto os direitos sociais, ao largo do mesmo tratamento, poderiam ter o momento de

aplicação postergado para o futuro, a espera de intermediação legislativa, submetida às confluências da conveniência e oportunidade políticas.

Naturalmente, direitos negativos que impõem abstenções do Poder Público, em nome de uma margem de liberdade individual garantida pelo direito, são mais apropriados à aplicação imediata. Já a natureza positiva e prestacional dos direitos sociais, necessariamente vinculados à prestações fáticas pelo Estado, implica em imposições, ao próprio Estado, de deveres de prestar, condicionados materialmente à existência e suficiência de recursos técnicos, humanos e financeiros.

J. J. Gomes Canotilho, tratando dos direitos sociais na Constituição Portuguesa e sob a ótica da dicotomia perpetrada pela Lei Fundamental, aponta a necessidade de intermediação legislativa:

Em primeiro lugar, os preceitos constitucionais relativos a estes direitos são insusceptíveis de aplicação direta pelos operadores jurídicos. É que o seu conteúdo não decorre da Constituição, mas sim da lei: é ao legislador que incumbe concretizar, no quando do que é possível (econômica e socialmente), o conteúdo dos direitos sociais. Estes valem, relativamente aos operadores jurídicos, como direitos legais, como direitos aplicáveis apenas na medida da lei. Os preceitos constitucionais que os consagram vinculam unicamente o legislador, quer impedindo-o de pôr em causa a consagração constitucional de cada direito sob pena de inconstitucionalidade por ação, quer impondo-lhe a concretização legal do respectivo conteúdo sob pena de inconstitucionalidade por omissão.46

46

CANOTILHO, J. J. Gomes. Os direitos fundamentais na Constituição Portuguesa. Separata do Boletim do Ministério da Justiça nº 400, pág. 16.

Portanto, o acesso pleno e irrestrito aos direitos sociais que impõem ao Estado ações positivas materiais, não foi, de antemão, garantido pela norma constitucional, sendo impossível determinar, de forma direta e imediata, o acesso aos bens e direitos protegidos.

Cristina Queiroz, citando Canotilho, esclarece que “o critério da ‘aplicabilidade direta’ encontra-se ligado à ideia de ‘determinabilidade constitucional’ do conteúdo do direito em causa. Significa, entre outras coisas, que o direito se encontra dotado de ‘densidade suficiente’ para ser feito valer na ausência da lei ou mesmo contra a lei – o que não é o mesmo que afirmar que a mediação legislativa se mostra desnecessária ou irrelevante.”47

Reconhece, pois, que o acesso direto aos tribunais depende do grau de “determinabilidade constitucional” ou “densificação constitucional autônoma” do “conteúdo” e “dimensão” do direito em foco.48

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