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4 O COTIDIANO DO GRUPO ESCOLAR

4.2 Práticas disciplinares

4.2.1 Disciplina nos recreios

Em diversas reuniões pedagógicas o problema da disciplina no recreio vinha à tona, e a diretora sempre solicitava às professoras que apresentassem sugestões de como melhorá-lo: “D. Esmeralda ainda nos pediu sugestões para que se consiga recreios calmos, sem correrias, gritos, brigas, etc.” (GEMG. Atas das reuniões das professoras: 21/08/1954 a 17/03/1956). Para tanto, diversas estratégias foram utilizadas, ano após ano, conforme observado nestas transcrições:

Quanto ao regulamento do recreio ficou resolvido: 10 minutos para o lanche. Este será tomado dentro da classe. Depois os alunos irão para o pátio. Para facilitar bem a vigilância das professoras o recreio foi dividido no 1º turno: para o 2º ano no pátio central e para o 3º e 4º ano no pateo lateral. Para o 2º turno: as classes maiores no páteo lateral e os menores no pateo central (GEMG. Atas das reuniões das professoras: 15/07/1944 a 24/11/1948). Foi sugerido para que cada professora tomasse conta de sua classe durante o recreio. Que os alunos tomassem água na classe, depois do mesmo. Que se aproveitasse o pátio da frente para o recreio de uma classe do turno da manhã (GEMG. Atas das reuniões das professoras: 15/07/1944 a 24/11/1948).

De acordo com a sugestão apresentada por algumas professoras, a Sra. Diretora discorreu sobre a disciplina do recreio, dizendo que, para solucionar o assunto, havia resolvido escalar três professoras para cada semana, para vigiar e não duas , como dantes. Esta última, que fosse designada, vigiaria a entrada do prédio (GEMG. Atas das reuniões das professoras: 27/07/1946 a 06/11/1948).

Sobretudo à hora que termina o recreio, os alunos não atendem ao toque do sino, continuando em grande algazarra. Ficou resolvido que ao terminar o recreio se toque uma vez o sino para que os alunos parem onde estão e, a segunda vez, para que tomem seus lugares na fila (GEMG. Atas das reuniões das professoras: 27/07/1946 a 06/11/1948).

Será mantida severa vigilância nos corredores a fim de evitar a passagem pelo saguão. Serão escalados quatro alunos, ficando dois em cada porta proibindo o trânsito de alunos pelo saguão o que tem deixado muito a desejar. Os alunos deverão passar só pelo pátio para irem ao bebedouro e quando o fizerem deverá ser em silêncio, sem correria, não bater os pés com força no chão contribuindo assim para maior disciplina do estabelecimento (GEMG. Atas das reuniões das professoras: 21/08/1954 a 17/03/1956). Dado o sinal para o recreio, deverá ser explicado mais uma vez qual a atitude de cada aluno ao terminar o mesmo: ao primeiro sinal, cada um deverá parar

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no lugar onde estiver, ao segundo, todos deverão se encaminhar para a fila, mas já em silêncio (GEMG. Atas das reuniões das professoras: 21/08/1954 a 17/03/1956).

No recreio os alunos indisciplinados devem ficar de pé nos alpendres, separados dos outros. As professoras devem avisar na classe que não podem correr no pátio de recreio (GEMG. Atas das reuniões das professoras: 21/08/1954 a 17/03/1956).

As passagens destacadas acima demonstram que a vigilância, a fiscalização, o controle e a separação dos corpos (tanto por idade como por gênero) eram as estratégias mais utilizadas pela equipe escolar para obter a disciplina durante os recreios. Tratava-se, portanto, da disciplinarização do espaço, do tempo e dos corpos, que remetem mais uma vez a Foucault (2009, p. 138), segundo o qual:

O espaço disciplinar tende a se dividir em tantas parcelas quanto corpos ou elementos há a repartir. É preciso anular os efeitos das repartições indecisas, o desaparecimento descontrolado dos indivíduos, sua circulação difusa, sua coagulação inutilizável e perigosa [...]. Importa estabelecer as presenças e as ausências, saber onde e como encontrar os indivíduos, instaurar as comunicações úteis, interromper as outras, poder a cada instante vigiar o comportamento de cada um, apreciá-lo, sancioná-lo, medir as qualidades ou os méritos.

Tratava-se, de certa forma, de uma tentativa de adestrar corpos e mentes, moldando os alunos para que fossem cumpridores das normas e regras estabelecidas. Neste sentido, cabia aos alunos conhecer e internalizar um conjunto de regras que determinavam a hora certa de tomar água, lavar as mãos, comer o lanche, ir ao banheiro, fazer a fila. Nos dizeres de Guimarães (2003, p. 34), “[...] poucas palavras, nenhuma explicação, silêncio total, só interrompido por sinais: sinos, palmas, gestos, olhares dos mestres. O aluno deve aprender o código dos sinais e atender automaticamente a cada um deles, legitimando a técnica de comando e a moral de obediência”.

Observa-se, nas passagens transcritas acima, que os mecanismos de controle e vigilância se aplicavam também às professoras que, obedecendo a uma escala pré- determinada, tinham a incumbência de vigiar o recreio, inclusive a entrada dos alunos nas dependências sanitárias, chamadas de casinhas. Para tanto, quando escaladas, tinham que lanchar apressadamente, não usufruindo do momento de descanso que o intervalo para o recreio proporcionava:

Em seguida foi abordado o assunto relativo à fiscalização dos recreios: é, na verdade, um sacrifício para as professoras, mas uma necessidade, pois só assim se poderá evitar as brigas, os brinquedos inconvenientes (GEMG. Atas das reuniões das professoras: 27/07/1946 a 06/11/1948).

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Pediu às vigilantes do recreio que tomem lanche mais depressa na sua semana de vigilância (GEMG. Atas das reuniões das professoras: 03/05/1956 a 06/09/1958).

O problema é de difícil solução. Os alunos saem para o recreio aos gritos e empurrões. Não atendem aos sinais. Deixam para ir às casinhas quando o recreio termina, o que causa grande confusão. Para que isto não se suceda, as vigilantes do recreio deverão postar-se diante das casinhas, impedindo a entrada dos alunos retardatários (GEMG. Atas das reuniões das professoras: 03/05/1956 a 06/09/1958).

Embora o horário do recreio causasse todos estes transtornos no estabelecimento escolar, nenhuma criança poderia ser privada deste momento, pois este era um “ponto proibido pelo regulamento” (GEMG. Atas das reuniões das professoras: 15/07/1944 a 06/07/1946). Além do mais, no ambiente educacional, influenciado pelas ideias da psicologia, circulava o discurso de que “o castigo do aluno, preso em classe durante o recreio, é contra- producente, a criança sente necessidade de se expandir, principalmente depois de um período de duas horas em que o esforço mental foi grande” (GEMG. Atas das reuniões das professoras: 27/07/1946 a 06/11/1948). Esta preocupação em não fadigar as crianças remete também ao ideário higienista que ainda influenciava as práticas pedagógicas: era preciso distribuir racionalmente o tempo, intercalando momentos de atividade e de descanso, garantindo assim a saúde física e mental do aluno, tornando-o, consequentemente, mais produtivo (FARIA FILHO, 2000a, p. 201).

Preocupados, portanto, em garantir este período de descanso e lazer para os alunos, sem, contudo, perder o controle sobre a disciplina, uma das soluções encontradas pela direção para manter a ordem durante o recreio foi a organização de jogos e brincadeiras, coordenados pelas professoras que eram escaladas semanalmente:

Depois de algumas sugestões ficou resolvido a questão da vigilancia do recreio. As professoras escaladas tomarão conta dos alunos ensinado-lhes jogos e brinquedos, velando também pela higiene dos páteos (GEMG. Atas das reuniões das professoras: 27/07/1946 a 06/11/1948).

Ficou resolvido que a professora encarregada do recreio deveria organizar com os aluno jogos e corridas, como a corrida de três pés, de ovos, saco, etc. Solicitou das professoras mais interesse nas horas de recreio, em virtude de os mesmos terem deixado de serem interessantes por falta de organização de jogos (GEMG. Atas das reuniões das professoras: 05/02/1949 a 06/10/1951). Disse-nos D. Esmeralda que deveríamos organizar jogos; os alunos que não quisessem brincar ficariam como espectadores, assim a disciplina nos recreios será outra (GEMG. Atas das reuniões das professoras: 05/02/1949 a 06/10/1951).

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A Exma. Sra. Diretora renovou o seu apelo junto as professora para que mantenham vigilância durante o recreio, afim de que este tenha sua real finalidade. Para evitar correrias e brinquedos estúpidos realizou-se a orientação de jogos e organização de brinquedos (GEMG. Atas das reuniões das professoras: 03/05/1956 a 06/09/1958).

Durante o recreio não deverá haver correrias, gritos. Será bom que as professoras vigilantes organizem brinquedos com seus alunos. Os outros assistirão os brinquedos, jogos e se manterão bem comportados (GEMG. Atas das reuniões das professoras: 03/05/1956 a 06/09/1958).

Nota-se, nas transcrições acima, que ano após ano eram repetidas as mesmas orientações às professoras para que organizassem jogos e brincadeiras durante o recreio. É possível que, com o tempo, as crianças achassem repetitivo participar das mesmas atividades e sentissem necessidade de criar suas próprias brincadeiras, que eram vistas como indisciplina por parte do corpo docente e direção do Grupo Escolar. Desta forma, a questão disciplinar durante o recreio continuava nas pautas das reuniões das professoras, que muitas vezes se sentiam impotentes diante da situação: "Como sempre, a disciplina durante o recreio deixa muito a desejar. D. Esmerada pediu às professoras sugestões a fim de resolver este problema, mas nenhuma ideia nova foi apresentada” (GEMG. Atas das reuniões das professoras: 03/05/1956 a 06/09/1958).

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