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No discurso que ora será objeto de análise deste estudo, Contra os sofistas,46 Isócrates anuncia os princípios norteadores de sua escola e de seu método. Por volta de 390 a.C., Isócrates resolveu abrir uma escola de retórica. Para chamar atenção do público sobre sua escola e, ao mesmo tempo, diferenciar-se dos demais concorrentes sofistas, ele decide escrever este discurso onde procura, de forma didática e sintética, pontuar criticamente em que elementos a sua filosofia se distingue dos ensinamentos dos demais. Ele nos declara que este texto coincide com o início de suas atividades no discurso Antidosis, 193. Porém, o material que chegou até nós apresenta um discurso interrompido no exato momento em que ele iria apresentar, de maneira mais direta, a sua “filosofia”. Este fragmento que restou pode ser analisado, principalmente, a partir de duas temáticas importantes que foram abordadas pelo autor: uma, em que Isócrates apresenta criticamente seus adversários e seus respectivos objetivos e métodos de ensino; outra, em que o autor apresenta os pontos básicos de sua proposta de ensino, de maneira a exaltar a distinção dele mesmo em relação aos demais “mestres” de sua época (propósito que terá continuidade no discurso Antidosis).

O discurso termina bruscamente, o que faz muitos estudiosos optarem por sua incompletude. Mas, um outro grupo considera que o discurso está completo e o fato de terminar exatamente quando Isócrates iria apresentar sua filosofia ressaltaria a importância da oralidade no ensinamento de um conhecimento marcado por uma vivacidade difícil de ser apreendida pela escrita. Como afirma Georges Mathieu (1956, p. 141),

Nous nous rallions donc à l’opinion de ceux [Wilamowitz-Moellendorff] qui considèrent l’ouvrage comme complet: c’est une introdution au cours de rhétorique d’Isocrate, et la method meme de celui-ci lui interdisait d’en faire un exposé purement écrit; seul l'enseignement vivant et le commentaire oral des travaux du maître ou des élèves pouvaient donner les résultats qu'il se flattait d'obtenir.

A análise do presente texto sugere que em Isócrates, filosofia e “estudo do discurso político” são tratados como equivalentes; ambos possuem uma mesma característica, que possivelmente não se reduz somente à proficiência oratória. O texto de Isócrates apresenta indicadores de que ele parece diferenciar entre excelência moral e técnica no estudo das possibilidades do lógos. Enquanto Isócrates não recusa que seu programa educacional consiste na produção do discurso apropriado para o retor, ele prefere enfatizar a meta moral

46 As épocas, tanto da abertura desta escola como da elaboração do discurso, convergem na maioria dos

estudiosos, sejam os clássicos como Plutarco e Dionisio de Halicarnassus, sejam os modernos como Grote, Jebb, Thompson e Norlin.

da epieikeía – que pode ser traduzida como decência, razoabilidade ou virtuosidade. Tal moral embasará toda a crítica aos sofistas que Isócrates resolve expor resumidamente no discurso a seguir.

A tradução a seguir se baseia nos textos originais constantes na edição francesa da Belles Letters (Georges Mathieu e Émile Brémond), da Loeb Classical Library (George Norlin) e do projeto Thesaurus Linguae Graecae da Universidade da Califórnia.

6 TRADUÇÃO COMENTADA KATA TWN SOFISTWN KATA TWN SOFISTWN KATA TWN SOFISTWN KATA TWN SOFISTWN Contra os Sofistas.

E„ p£ntej ½qelon oƒ paideÚein ™piceiroàntej ¢lhqÁ

lšgein kaˆ m¾ me…zouj poie‹sqai t¦j Øposcšseij ïn œmel-

lon ™pitele‹n, oÙk ¨n kakîj ½kouon ØpÕ tîn „diwtîn· nàn

d' oƒ tolmîntej l…an ¢periskšptwj ¢lazoneÚesqai pepoi-

»kasin éste doke‹n ¥meinon bouleÚesqai toÝj ·vqume‹n

aƒroumšnouj tîn perˆ t¾n filosof…an diatribÒntwn.

T…j g¦r oÙk ¨n mis»seien ¤ma kaˆ katafron»seien prî-

ton m n tîn perˆ t¦j œridaj diatribÒntwn, o‰ prospoi-

oàntai m n t¾n ¢l»qeian zhte‹n, eÙqÝj d' ™n ¢rcÍ tîn

™paggelm£twn yeudÁ lšgein ™piceiroàsin;

[1] Se todos os que procuram educar pretendessem [realmente] dizer a verdade, e não fazer promessas maiores do que as que poderiam cumprir, não seriam difamados pelo grande público. Pois os que se atrevem a vangloriar-se, de forma totalmente irrefletida, fazem parecer ser melhor aconselhar os que preferem nada fazer àqueles que se ocupam da filosofia.

Quem, de fato, não detestaria e não desprezaria, em primeiro lugar, os que se entregam às discussões? Eles fingem buscar a verdade, e desde o início se propõem a mentir com suas promessas.

1. Segundo a sintética apresentação do discurso feita por Norlin, a crítica de Isócrates centrou- se em duas classes de sofistas: os erísticos,47 que se dedicavam a teorizar no campo da ética, e os sofistas da escola retórica que faziam da oratória um instrumento de sucesso prático. Destas duas categorias de sofistas destacar-se-iam: a primeira, pela impossibilidade de suas pretensões de ensinar uma ciência exata da felicidade e do bem viver, e, em seguida, entregar-

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Norlin (1992, p. 162n) sugere que Isócrates está se referindo aos socráticos como Antístenes e Euclides, além de outros “pelejadores verbais” que também foram alvo das críticas de Platão no Eutidemo. Considerando ser o

Eutidemo um dos primeiros diálogos de Platão (aprox. 380 a.C.), parece seguro assumir que o tipo de “disputa”

que se encontra no Eutidemo tipifica o tipo de discussão/debate do início do século IV a.C. a que Isócrates se opõe. Schiappa (1995, p. 49) afirma que no tempo da publicação do discurso – 390 a.C. – Isócrates não estaria se referindo a Platão nem a Aristóteles. Já Georges Mathieu e Émile Brémond (1956, p. 139), afirmam que naqueles que são criticados como erísticos não se pode fazer uma distinção clara entre os erísticos (pelejadores verbais) dos platônicos, já que “Isocrate employant le mot de philosophie pour designer toute culture intellectuelle, mais surtout celle de son école, est naturellement gene quand il s’agit de designer les philosophes propement dits”.

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