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Discurso político, cognição política e a reprodução

2 UMA PROPOSTA ARTICULATÓRIA ENTRE A SOCIOCOGNIÇÃO

2.1 Abordagem sociocognitiva

2.1.4 Discurso político, cognição política e a reprodução

históricos, sociais, políticos e culturais das ideologias, sua natureza baseada no grupo e especialmente seu papel na reprodução ou resistência ao domínio. Nesse segundo ângulo do triângulo multidisciplinar, pelo viés ideológico, o teórico elabora sua compreensão sobre os grupos, especificamente dominados e dominantes, sobre os atores ideológicos e as instituições que reproduzem as ideologias das elites. Posteriormente, observar-se-á a dimensão social a partir da problematização da corrupção no ambiente político nacional.

As ideologias são difundidas pelas elites ideológicas como os políticos (como no caso desta pesquisa), eruditos e aqueles que detém o controle sobre os meios de comunicação de massa. Assim, essas mesmas ideologias precisam ser compartilhadas por um grupo, para que se tornem um movimento social e não somente parte da iniciativa de um só indivíduo. Esse compartilhamento envolve criar o sentimento de pertencimento a um grupo, que é desenvolvido a partir do discurso veiculado pelas mídias, e pela aceitação deste discurso como próprio (VAN DIJK, 2006).

As mídias de massa são a principal instituição de reprodução das ideologias, pois elas organizam, manejam ou propagam as cognições, ações, interações e relações de grupo. As ideologias reproduzidas estão no campo do “cinza”, visto que para uma ideologia dominante ser compartilhada por um grupo dominado é necessário que tenha alguns fragmentos ideológicos comuns, às vezes até mais voltados para a ideologia dos dominados do que dos dominantes. Dessa forma, se torna difícil perceber as ideologias de dominação dos grupos de elite no domínio do discurso, sendo necessárias categorias de análise para desvelá-las (VAN DIJK, 2006). Daí a importância de uma análise sobre o discurso parlamentar que legitima a corrupção política, discurso este proveniente do parlamento nacional, o qual se configura como do grupo social formado por atores políticos que se interessam pela manutenção de seu poder de grupo.

2.1.4 Discurso político, cognição política e a reprodução

O terceiro elemento do triângulo multidisciplinar de van Dijk (2006) é o discurso, no qual se processa a produção, o compartilhamento e a reprodução da ideologia. A legitimação é apresentada como uma estratégia discursiva para naturalizar uma dada ideologia. Este recurso discursivo no contexto político em que está inserido possui relação com a cognição política, no sentido em que se observa a reprodução do discurso legitimador da corrupção política no indivíduo e no grupo social ao qual ele pertence.

Segundo van Dijk (2006), dentre os numerosos estudos sobre ideologia, alguns abordam a linguagem ou o discurso, no entanto não há nenhum que detalhe de que forma exatamente a ideologia modela o texto e a conversação, ou, inversamente, como a ideologia é produzida, reproduzida e compartilhada através do discurso e da linguagem. Diante desse fato, ele se propõe a tecer o caminho de ida e volta da relação discurso e ideologia. Nesta relação de mão dupla, a legitimação aparece em uma interseção entre estes dois campos.

Os discursos explicam, defendem, legitimam, motivam, ou, de algum outro modo, “formulam” fragmentos das ideologias “subjacentes”. Para van Dijk (2006), os discursos não são as únicas práticas sociais baseadas na ideologia, porém são efetivamente fundamentais em sua formulação e, portanto, em sua reprodução social. Os discursos são formas de ação e interação social, situados em contextos sociais nos quais os participantes não são somente falantes/escritores e ouvintes/leitores, mas, também são atores sociais, membros de grupos e culturas. O discurso e suas representações mentais (tais como seus significados) estão inseridos em situações e estruturas sociais. Por sua vez, as representações, as relações e as estruturas sociais com frequência se constituem, constroem, validam, normalizam, avaliam e legitimam pelo texto e pela fala, ou seja, no discurso ali presente.

A legitimação, segundo van Dijk (2006), é uma função importante do uso da língua e do discurso, porém, é um ato social e político consumado por meio do texto e da conversação. Tendo em vista um enfoque pragmático, a legitimação se relaciona com o ato de fala de auto defesa, ou seja, quando o ator político, ou social, busca provar por razões, fundamentos ou motivações aceitáveis que suas práticas outrora criticadas são pertinentes a um contexto legal. O ocultamento, a legitimação, a manipulação e outras noções relacionadas são consideradas como as funções primordiais das ideologias na sociedade, são práticas sociais discursivas (ou semióticas, em um sentido mais amplo).

Van Dijk (2006, p. 21) define ideologia como as crenças sociais compartilhadas por um grupo, como exposto neste excerto: “a base das representações sociais compartilhadas pelos membros de um grupo”. Nesta mesma base ele afirma que o discurso legitimador se processa em contextos institucionais. Tais instituições que organizam e reproduzem uma ideologia dominante o fazem através das representações sustentadas pelas influências sociais da comunicação, pois estas constituem a realidade da vida cotidiana dos indivíduos e servem para estabelecer relações de grupo, e o sentimento de pertencimento (MOSCOVICI, 2009). Para van Dijk (2006), certas ideologias se desenvolvem para legitimar o poder e a desigualdade social.

A legitimação é uma justificação pela via institucional, é um discurso que justifica a ação “oficial” em termos de direitos e obrigações, associado com os aspectos políticos, sociais ou legais. O ato de legitimar, então, implica que um ator institucional crê ou diz respeitar as normas oficiais, mesmo que esteja agindo contra essas mesmas normas, demonstrando estar dentro da ordem moral prevalecente. Fica pressuposto que há restrições institucionais de poder social, como as definidas pela lei, que estabelecem o limite das ações institucionais. No entanto, ao serem quebrados esses limites legais torna-se necessário um discurso que naturalize estas práticas, o qual as legitima. Por isso, quem não possui poder absoluto precisa legitimar suas práticas (VAN DIJK, 2006).

Nem sempre a “legitimação” é de ordem negativa, assim como a ideologia. As ideologias (injustamente) legitimam o abuso de poder ou a dominação, porém, isto não significa que toda legitimação faça o mesmo, pois há a legitimação da resistência contra a dominação, que pode ser encarada de modo positivo (VAN DIJK, 2006). Porém, neste estudo a legitimação é observada na perspectiva do grupo dominante, que tem como objetivo tornar natural o ato corruptor no contexto político, a partir do discurso reproduzido nos pronunciamentos.

A legitimação por ser de natureza institucional pode ser praticada por atores políticos e sociais pertencentes à determinada instituição. Por isso, as acusações de ilegitimidade se referem às ações do ator político, ou sobre sua posição em dada instituição. Os discursos legitimadores pressupõem normas e valores. Explícita ou implicitamente eles determinam o que é “correto” dentro do contexto político e social em geral (VAN DIJK, 2006).

Van Dijk (2006, p. 320) aponta a direção de atuação do discurso de legitimação, como um círculo vicioso: “Dadas as relações entre a legitimação e o poder institucional, o discurso de legitimação é prototipicamente político. Os que se legitimam a si mesmos, como é de se esperar, são aqueles que ocupam ou são designados para cargos públicos, e que exercem o poder em razão desse cargo”.

A ideologia é a base para a legitimação relacionada com o grupo, visto que as ideologias são, também, a base das representações sociais dos grupos e de seus membros, pressupondo normas e valores, onde o discurso de legitimação vai atuar (VAN DIJK, 2006). A legitimação está relacionada ao cerne do seu argumento, pois transforma as formas da criação coletiva, o âmbito das ideologias dos grupos. Por isso, van Dijk (2006, p. 321) afirma que “as ideologias formam os princípios básicos da legitimação interna do grupo”.

O exercício da legitimação de um grupo na definição de van Dijk (2006, p. 322) é assim descrito:

Para legitimar a ação de um grupo, não somente para propósitos internos do grupo, mas para propósitos intergrupais, um grupo precisa mostrar que seus princípios básicos são justos, e que, possivelmente, os de outros grupos são incorretos. Ou precisam afirmar que seus princípios básicos são gerais, universais, e por tanto se aplicam a todos.

Segundo Moscovici (2009), o discurso de legitimação nunca é desinteressado, pois surge das paixões humanas; é sempre produto de um grupo específico que possui um projeto definido. Assim como a definição de ideologia de van Dijk está diretamente ligada ao abuso de poder e à dominação, o discurso de legitimação está intrinsecamente relacionado à ideologia, pois os centros de poder exigem autoridade e legitimação.

O discurso de legitimação de um grupo dominante visa afetar o grupo dominado, ou vários, tal como ocorre com o discurso hegemônico, de modo que suas práticas não sejam contestadas. Quando se torna natural, ou familiar, uma ação não legal de um grupo dominante, no contexto político, diz-se que tal ato foi legitimado e com ele a ideologia dominante que o acompanha.

Segundo a proposta de van Dijk (2006), o discurso político de legitimação de um grupo dominante, de uma elite institucional, envolve a compreensão da cognição política, que implica no entendimento do processo da representação mental e social do indivíduo e de seu grupo, por meio das ideologias reproduzidas.

O conhecimento político é modificado ou confirmado por várias formas de textos durante o processo de socialização, da educação formal e da conversação. Para o melhor entendimento do macronível da análise política, ao longo de uma aproximação de micronível (as posturas individuais), é necessária uma teoria da cognição política, que conecta o indivíduo com o discurso político e a interação com as ideologias dos grupos e instituições políticas (VAN DIJK, 2002).

A compreensão da cognição política requer a consideração de níveis do domínio político. O nível básico consiste da política individual dos atores, assim como suas crenças, discursos e interações nas situações políticas. O nível intermediário é constituído pelo nível de base mais os grupos e instituições políticas e suas representações, discurso coletivo, relações e interações. O nível mais elevado, baseado no intermediário, é constituído pelo sistema político e suas representações abstratas, ordens de discurso, e processos sócio-políticos, culturais e históricos (VAN DIJK, 2002).

a) em nível sócio-político, no qual os processos e estruturas políticas são constituídos por eventos situados, interações e discursos de atores políticos em contextos políticos;

b) em nível sócio-cognitivo, no qual as representações políticas são relatadas pelas representações individuais desses discursos, interações e contextos. Desta forma, entende-se que a cognição política é a interface teórica entre as dimensões pessoal e coletiva da política e do discurso político (VAN DIJK, 2002).

O estudo da cognição política focaliza no uso e nas estruturas das representações mentais das situações, eventos, atores e grupos políticos. Tópicos da pesquisa em cognição política são: a organização das crenças políticas, a percepção dos candidatos políticos, atitudes sociopolíticas, identidade política de grupo, opinião pública, e outros que envolvem a representação na memória e processo mental envolvendo o entendimento e a interação política (VAN DIJK, 2002). Nossa pesquisa delimitar-se-á no estudo das atitudes políticas, visto que a corrupção é uma atitude, ou seja, uma opinião em favor de transgredir e de legitimar tal transgressão, por parte dos atores políticos.

A importância teórica do estudo da cognição política é sua função como a interface entre a cognição social e a política, e as crenças pessoais. O modelo proposto por van Dijk (2002) é a base cognitiva do discurso político e da ação política, relacionando as macroestruturas das representações dos grupos e instituições, com as microestruturas políticas das ações dos atores políticos.

A cognição política proposta por van Dijk (2002) possui determinados aspectos que detalhamos a seguir. Primeiramente, o processo cognitivo e as representações são definidos em relação à memória. A estrutura mental e abstrata chamada memória pode ser entendida de duas formas: Memória de Curto Prazo (MCP) e Memória de Longo Prazo (MLP). O processamento da informação, que envolve a percepção e a produção e compreensão do discurso é elaborado na MCP, que faz uso da informação estocada na MLP.

Outra distinção é feita na MLP, entre Memória Episódica (ME) e Memória Semântica (MS). A primeira armazena as informações processadas na MCP; e a MS acumula informações mais gerais e abstratas, referentes ao conhecimento da linguagem e de mundo. Van Dijk (2002) denomina Memória Semântica de “Memória Social”, em contraste com a ME.

A MLP é organizada em vários tipos de representações mentais, com sua própria estrutura esquemática. O conhecimento social é organizado nessas estruturas por meio de “scripts” (frames) que possuem números fixos de categorias. Parte desse conhecimento social é o conhecimento político geral que o povo possui sobre políticos, debates parlamentares, eleições, propaganda política ou demonstrações políticas. O conhecimento é definido por van Dijk (2002) como uma estrutura mental organizada que consiste de crenças factíveis de um grupo ou cultura, que podem ser verificadas pelo critério de verdade de um grupo ou cultura. O conhecimento de um grupo pode ser julgado como mera “crença” ou “opinião” por outro grupo. Assim como as crenças são organizadas, as atitudes e ideologias também o são, por meio das características do discurso político e da cognição política, por meio dos grupos e de seus relacionamentos.

A estrutura da Memória Social ainda não é muito conhecida. Porém, pode-se afirmar que ela é constituída pelo Senso Comum das crenças socioculturais, formadas pelo conhecimento cultural e pelas opiniões. O Senso Comum cultural pode mudar historicamente; desta forma, cada grupo social pode desenvolver seu próprio conhecimento de grupo, que é organizado em torno da ideologia subjacente. Essa mudança ocorre através do discurso veiculado pelas mídias de massa, de modo geral, principalmente no que se refere ao discurso político. Dessa forma, fragmentos especializados de crenças de grupos, às vezes, podem penetrar no Senso Comum, e vice-versa (VAN DIJK, 2002).

Ao lado das crenças dos grupos, os indivíduos também têm experiências e conhecimentos pessoais, representados em sua ME. Essas experiências pessoais são representadas em modelos mentais, que também possuem uma estrutura formada por um número fixo de categorias, como: contexto, ações e participantes, e seus papéis. Ao contrário das crenças socialmente compartilhadas, os modelos representam eventos específicos que são usados como exemplo (discurso parlamentar). Os modelos mentais são a interpretação (conhecimento e opinião) de cada evento, por isso são subjetivos (VAN DIJK, 2002).

Os modelos mentais formam a base cognitiva de toda interação e discurso individual. As pessoas constroem um modelo de um evento ou ação, que serve como base referencial do discurso, ajudando a definir a coerência local e global. Os modelos mentais integram novas informações, corporificando pessoas e informações sociais, servindo como o núcleo da interface entre o social e o individual. Desta forma, podem constituir a base da experiência social e do conhecimento político. Isto significa que as representações gerais e abstratas da memória social são, em primeiro lugar, derivadas da experiência pessoal como representadas na memória episódica de cada indivíduo. O conhecimento social e político pode ser mais bem

adquiridos pelo geral, pelo discurso abstrato, do que por tratados e propagandas políticas (VAN DIJK, 2002).

A estratégia discursiva que mais se adequa ao discurso parlamentar em favor da corrupção política é a legitimação. O discurso legitimador, de modo velado, naturaliza o ato da corrupção política, a fim de que esta atitude embasada em ideologias de dominação torne- se comum e aceitável ao povo brasileiro, de modo geral. Por isso, observar-se-á a legitimação como estratégia discursiva, especialmente a partir da sociocognição.

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