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4 PUBLICIDADE, ENTRETENIMENTO E DIÁLOGO COM OS

4.1 DISCURSO PUBLICITÁRIO E MANIPULAÇÃO

Considerando a publicidade como uma forma de comunicação social, torna-se válido analisar suas atitudes diante do público, dessa forma, retomando conceitos referentes à compreensão dos discursos, com a finalidade de debruçar sobre as estratégias persuasivas da mesma.

Assim, observa-se que, no Iluminismo, a hermenêutica se dava a partir da crença de que a compreensão dos discursos seria produzida por si mesma e haver-se-ia um esforço para se evitarem os mal-entendidos. Considerava-se, à época, que a linguagem pressupunha uma forma de combinação dos pensamentos de quem fala e de quem ouve (SCHLEIERMACHER, 1999). Isto posto, a hermenêutica partiria da hipótese de “que o mal se produz por si e que a cada ponto a compreensão deve ser desejada e buscada” (SLEIERMACHER, 1999, p. 16).

Esse conceito pode ser aplicado às relações comunicativas entre indivíduos e instâncias de produção de conteúdos. Os discursos, então, precisariam pautar-se na tentativa de compreensão constante dos envolvidos e a adaptação dos mesmos às circunstâncias, para evitar-se o surgimento de ruídos de comunicação que impeçam a sua clareza e o entendimento.

Nas esferas midiáticas, enfatizando a necessidade de adaptação às circunstâncias, ao tratar do contrato de comunicação, Charaudeau (2007, p. 67) afirma que qualquer discurso é dependente da situação e condições nas quais ele ocorre e está restrito a partir de “um jogo de regulação das práticas sociais, instauradas pelos indivíduos que tentam viver em comunidade e pelos discursos de representação produzidos para justificar essas mesmas práticas a fim de valoriza-las.” Haveria, assim, para sua validação, a necessidade de adequação dos discursos midiáticos às práticas sociais, sendo as mídias dependentes desse jogo de regulação.

Vale ressaltar o uso dos termos publicidade e propaganda, que se distinguem, e, de acordo com Carvalho (1996, p.9), o primeiro termo seria referente às mensagens comerciais, propriamente ditas e o segundo, mais abrangente, “estaria relacionado à mensagem política, religiosa, institucional e comercial”. Ambas, conforme a autora, valer-se-iam de estratégias semelhantes, mas se diferenciariam na exploração do universo. Assim, a propaganda estaria voltada a valores éticos e sociais e a publicidade atuaria sobre os desejos, visando à sedução.

No tocante à publicidade, sendo esta uma forma de discurso exposto através das mídias, considera-se a necessidade de adaptação ao cenário de consumo que a envolve, para, não somente ser compreendida, mas seduzir e convencer os consumidores e, consequentemente, provocar os efeitos comerciais aos quais se destina (CARVALHO, 1996).

Considerando que o consumidor, como ser humano, apresenta-se em constante transformação, o discurso publicitário e suas estratégias persuasivas tenderiam a transformar- se em semelhante escala. Assim, em uma cultura pós-massiva, o consumidor, outrora mero espectador dos meios comunicativos, passa a participar do processo de comunicação também como emissor de mensagens, conforme já mencionado anteriormente, a partir dos conceitos de Jenkins (2008) e Shirky (2011).

Martins (2008) comenta que as intenções de um autor e sua forma de comunicar possuem ligação com uso de recursos argumentativos racionais ou emocionais e retóricos estilísticos ou estéticos. Nesse sentido, recursos fonéticos (sonoros), léxico-semânticos (uso de termos novos, mudanças de significados, etc.) e morfossintáticos (relações entre elementos)14 são necessários para direcionar a mensagem ao seu determinado objetivo, além de provocarem, de forma inovadora e sedutora, a atenção do público.

Carvalho (1996) afirma que a publicidade faz a sustentação de uma “argumentação icônico-linguística” que leva ao convencimento do consumidor, seja de modo consciente ou não. Cita também que os recursos linguísticos podem gerar influência ou orientar as percepções. Verifica-se, então, que a organização das frases, uso das palavras e seus significados e a adequação de termos à situação comunicacional podem facilitar a captação da atenção do público e a memorização das mensagens. O uso da argumentação, por sua vez, tende a induzir à justificativa de compra para os consumidores, provocando uma mudança de atitude.

14 Idem, p 13.

Por sua necessidade de atingir o público e torná-lo consumidor, a publicidade faz uso da persuasão e sedução em sua linguagem, tanto icônica, quanto verbal. Andrade e Cirelli15 comentam que, devido ao objetivo de criação de um mundo perfeito e ideologicamente favorável, a publicidade “trata a base informativa de forma manipulada, objetivando transformar a consciência do possível comprador”. Assim, utiliza recursos linguísticos e se apropria de “signos verbais em conjunto com signos visuais, para dar maior impacto às suas peças.16” Carvalho (2000, p.9), tratando sobre o mesmo assunto, menciona que a publicidade, possui sua linguagem originada na fala cotidiana e utiliza recursos linguísticos para envolvimento e persuasão do público, buscando levá-lo à ação.

A imagem, na divulgação publicitária, também teria o intuito persuasivo e, de acordo com Benites (2010, p. 47-48) - que toma por base os conceitos de Sanchez Guzman (1993) - poderia apresentar três funções, sendo elas a racional, a expressiva e a conotativa. Segundo a autora, a função racional “aparece codificada e é representada por esquemas gráficos”, sendo sua significação sua principal preocupação. A função expressiva estaria relacionada às impressões de emoção ou ludicidade. A função conotativa seria equivalente às formas gramaticais “em que prolifera a interpretação, a oferta ou a intimidação” (BENITES, 2010, p. 47-48).

De acordo com Carvalho (1996, p.14, apud PLAS; VERDIER, 1979, p.32), a publicidade, para causar interesse no público, informá-lo, convencê-lo e levá-lo à compra, passaria por um processo, onde haveria um impacto fisiológico (referente à escolha do meio, local, se a mensagem está visível, legível ou audível), um impacto psicológico (onde há o efeito de surpresa, provocando interesse), a manutenção da atenção, o convencimento (criação de argumento para credibilidade) até a determinação da compra (através da persuasão e da sedução).

A publicidade, além disso, faria uso de argumentações de viés racional e emocional para o convencimento, sendo o primeiro objetivo, verificável e apoiado nas características intrínsecas do objeto divulgado e, o segundo, subjetivo, com apelo aos sentimentos, utilizando figuras de linguagem, conotações e formas expressivas (MARTINS, 2008, p. 110).

15

Disponível em: <http://www.letramagna.com/PolifoniaemSlogans.pdf> acesso em: 06 janeiro 2011. 16 Disponível em: <http://www.letramagna.com/PolifoniaemSlogans.pdf> acesso em: 06 janeiro 2011.

Dessa forma, admite-se a linguagem publicitária como intencional, visando sempre o convencimento e a mudança de atitude no público. Por isso, é comum associar-se publicidade ao termo “manipulação”. Carvalho (1996, p.9) considera que:

[...] na realidade, a linguagem publicitária usa recursos estilísticos e argumentativos da linguagem cotidiana, ela própria voltada para informar e manipular. Falar é argumentar, é tentar impor. O mesmo se pode dizer da linguagem jornalística, dos discursos políticos (sobretudo em época eleitoral), da linguagem dos tribunais (com defesas e acusações apaixonadas) e até o discurso amoroso. Em todos esses casos, há uma base informativa que, manipulada, serve aos objetivos do emissor.

Por esse motivo, de acordo com a autora, a diferença entre os discursos estaria no grau de intencionalidade, no uso dos recursos destinados ao convencimento e mudança de opinião do público. Dessa forma, toda linguagem busca convencer, de algum modo, no entanto, a publicidade utiliza instrumentos de persuasão, de forma racional.

Santaella e Nöth (2010, p. 15) consideram que a publicidade envolve atos de persuasão e venda, onde:

O primeiro é um ato semiótico envolvendo a troca de mensagens entre o anunciante e o consumidor. Seu alvo semiótico é a informação, a persuasão ou a criação de uma convicção. O segundo é um ato econômico, envolvendo troca de bens entre o vendedor e o consumidor.

Nesse mesmo sentido, para Fiorin (2006, p. 75), o objetivo de qualquer ato comunicativo seria, não apenas informar, contudo, persuadir e, “por isso, o ato de comunicação é um complexo jogo de manipulação com vistas a fazer o enunciatário crer naquilo que se transmite. Por isso, ele é sempre persuasão”. A publicidade, enquanto ato comunicativo e, por seus fins comerciais, enquadrar-se-ia como manipulatória.

Dessa maneira, pode-se identificar a publicidade em um regime de manipulação, onde a troca se daria a partir do “fazer fazer” (LANDOWSKI, 2014). A simples sedução poderia, de acordo com a compreensão do autor, ser considerada manipulação, já que estaria abaixo da intencionalidade de se buscar que alguém faça algo.

Segundo Fiorin (2006), haveria quatro tipos de manipulação possíveis, sendo a primeira através da tentação, a segunda, pela intimidação, a terceira, sedução e a quarta, a provocação. Na tentação haveria sempre uma ideia de recompensa proposta por um indivíduo ao outro. Quando a publicidade propõe a um indivíduo recompensas, como liberdade em troca

do consumo do seu produto, como no caso de “Redbull te dá asas”, poderia configurar-se como utilizando a manipulação por tentação.

Na intimidação, a manipulação seria feita através de ameaças, e, por esse motivo, não havendo muitas possibilidades de ser utilizada na venda de produtos, mas às vezes sendo apresentadas em propagandas governamentais, como no caso de campanhas contra a junção do consumo de bebidas alcoólicas e direção. Estas podem enfatizar acidentes graves, após uma ação irresponsável do condutor.

Na sedução, haveria um julgamento positivo a respeito da competência de quem se pretende manipular. Ao mostrar o consumidor como apto a escolher o melhor para si ou mostrar que ele merece sempre o melhor, ou mesmo supor que as características positivas apresentadas no anúncio referem-se ao consumidor - induzindo-o, em todas as situações, a crer que o produto é sua melhor opção -, a publicidade busca a manipulação por sedução.

Na provocação, esse julgamento de competência seria negativo. Essa, conforme Pereira Júnior e Covaleski (2018), seria menos frequente, embora possível, quando trouxesse algum julgamento negativo a respeito do consumidor, mas que pode ser superado através do uso do produto. Os autores exemplificam com “Você não tem condições de levar seu amor para Veneza? Compre um perfume, então”.

Dessa forma, compreende-se que a publicidade, embora parta da intencionalidade para atingir seus propósitos comerciais, precisaria lidar com “sujeitos de vontade”, podendo ser ou não bem sucedida em sua causa e que os regimes de interação, dentro do processo comunicativo das marcas, podem intercalar-se de diversas maneiras, de acordo com o contexto.

Assim, ao lidar com um público mais opinativo, no entanto, disperso, aumentaria os riscos. Para isso, diversas estratégias são tomadas, como o uso do entretenimento a seu favor.