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Discursos indeterminados

No documento O DISCURSO DO PROFESSOR SOBRE INCLUSÃO (páginas 69-72)

7. ANÁLISE DE DADOS

7.6 Discursos indeterminados

Denominamos de discurso indeterminado aquele que não tem um autor, ou seja, que é dito por alguém, mas que dá ao outro a responsabilidade da informação. É um discurso que relata o que outra pessoa faz ou pensa.

Se retornarmos aos recortes anteriores, notaremos o uso de pronomes como: você, ele (a), dele (a), que afastam do sujeito a responsabilidade sob o dizer. Todavia traremos outros recortes, demonstrando a apreensão dos professores ao não se colocarem enquanto autores.

Recorte 15

Camila (4): é você proporcionar ao aluno que tem algum tipo de deficiência né a oportunidade de conviver com os outros. É, dessa questão social mesmo né, não excluí-lo. Acho que é isso.

Você quem? Quem é a pessoa pelo qual responde esse você? Ao não definir quem é o sujeito do dizer, interpretamos que Camila ao não colocar-se como autora do sentido do seu discurso, responsabiliza outro pelo dever de dar oportunidade de conviver com os outros a um sujeito ao sujeito de inclusão escolar. Ainda podemos interpretar o não dito da formação ideológica de Camila, de que inclusão escolar é proporcionar ao sujeito com deficiência o convivo com sujeitos sem deficiência.

Trazemos abaixo um trecho do discurso de Dalton que já foi apresentado aqui no Recorte 2, mas agora com o enfoque de discutir o discurso indeterminado.

Recorte 16

Dalton (8): também é uma exclusão... É você separar num cantinho aquilo que a gente não pode integrar /

O uso do pronome demonstrativo “aquilo” é o ponto que identificamos um discurso indeterminado, já que, diante dele podemos perguntar: Aquilo o quê? O que é aquilo? Notem que, logo após o pronome demonstrativo o professor usa o termo “a gente”. Interpretamos como uma forma de se colocar no discurso.

Atentamos para o trecho “aquilo que a gente não pode integrar”, em um contexto que se discute sobre inclusão, percebe-se que a palavra que guarda uma semelhança com integrar ou integração ainda que sejam definições diferentes. Ao analisar o não dito nesse recorte o interpretamos o uso do “aquilo” para evitar uma exposição da sua dificuldade do não saber incluir, palavra que vem em paráfrase por “integrar”.

No recorte abaixo, após queixar-se que o número de alunos na sala de aula já é muito e ainda que o processo de inclusão foi imposto de uma hora para outra a professora Maria, no segundo encontro, afirma:

Recorte 17

Maria: deviam ser 20 né. Aí você tem alunos de inclusão ainda pra trabalhar. Eu acho que é, é difícil, pra mim ta sendo difícil // (Isis fala junto)

(...)

Dalton (9): o aluno assim. Você quer incluir uma pessoa numa dada dinâmica social né, de certa forma tirar. Ai é a questão: você quer incluir onde? Quer incluir numa dinâmica social posta. Né, e não só, não é um compromisso, uma responsabilidade só da escola também né, mas do estado, é um interesse da família incluir essa criança numa dinâmica social ou permanecer, manter ele num

seio familiar, numa dinâmica familiar própria em que ele é respeitado ou não, em fim, fica restrito ali.

Observamos que diferente dos discursos, sem sujeito específico já apresentados, Maria, após indeterminar o sujeito de sua afirmação usando o pronome “você” sem destinatário real, se coloca como autora do discurso assumindo que é difícil para ela trabalhar com uma turma grande de alunos e ainda ter alunos com deficiência em sua sala de aula.

Esse movimento de ir ao outro no discurso e voltar a si como autor, diz da ação do sujeito poder de reformular seu dizer. Ao assumir a dificuldade em trabalhar com uma sala com muitos alunos e ainda alunos com deficiência, a docente assume a responsabilidade também pelo ensino/aprendizagem do aluno de inclusão.

Já no discurso de Dalton, que segue pela mesma premissa que o anterior, de Maria, para o qual não se encontra reformulação e tomada a si do dizer. Ao contrário o uso do pronome “você” a olho nu, sem destinatário, revela, pela sequência discursiva de Dalton o não compromisso com inclusão pelo professor. Interpretamos que a família de um sujeito deficiente e o governo que querem a inclusão e que a responsabilidade por ele cabe à família e ao governo, sendo a escola a responsável por essa ação. Questionamos: onde se coloca o professor na responsabilidade pela inclusão escolar?

Ao que, com uma breve análise e dessuperficialização linguística dos dados, percebemos que os professores não se colocam enquanto responsáveis pela inclusão escolar, pelo ensino/aprendizado de alunos com deficiência. Por outro lado, ressaltamos que, o discurso indeterminado representa momentos em que nos amedrontamos ao expor nossas debilidades.

Estamos certas que esse não responsabilizar-se do professor tem outros sentidos, construídos historicamente. O professor por muito tempo foi o vilão da escola e hoje sente-se acuado em responsabilizar-se por algo. É preciso que o professor passe a ser visto como parceiro, o qual, ao assumir suas responsabilidades não se coloca como mágico que irá solucionar todos os problemas da educação. O professor será aquele que levantará todas as possibilidades de um projeto que seja digno para todos os alunos, no respeito às singularidades.

Não se trata de assumir o professor como estrangeiro todo e sempre, mas como parceiro, o qual, ainda que leve no bojo algo de estrangeiro, pelas diferenças, pode e dever ser parceria, nas palavras de Rickes (2006):

O outro sempre nos será um pouco estrangeiro, porém, no campo da educação, da educação escolar, apostaremos em um certo encantamento deste estrangeiro pela cultura local. A aposta no enlace desse estrangeiro à cultura local tem em seu horizonte o propósito de estabelecer uma ligação, nossa ligação a ele e a ligação dele ao coletivo que, enquanto educadores, representamos (representamos sem que sejamos) (Rickes, 2006, in Baptista, 2006. P. 52).

No documento O DISCURSO DO PROFESSOR SOBRE INCLUSÃO (páginas 69-72)

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