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2 IDENTIDADES PROFISSIONAIS E EMPREGABILIDADE

2.1 Discursos sobre a empregabilidade

Descrevemos, no capítulo anterior, de onde partem esses novos gerentes em suas tentativas de manterem-se ou terem sucesso nesse mercado. São mudanças reais do mundo do trabalho que os afetam e os demandam a se engajarem ativamente nas empresas em que atuam. Ademais, trata-se de um engajamento ativo que implica em reconhecermos mudanças em nível ideológico, mas as quais dão respaldo cotidianamente para suas atividades laborais a favor de novos valores e dispositivos flexíveis, típicos de um mundo em rede.

Nesse cenário, as promessas de trabalho mais instigantes ficariam restritas àqueles que aderem ativamente aos pressupostos dessa nova ideologia de trabalho. Isso porque, num mundo em rede, supostamente se reproduzem e se recriam novas formas flexíveis de estabelecer os vínculos laborais a favor das empresas em que atuam os cadres.

Portanto, para os cadres que estudamos, a rede assume total relevância para as rotinas de trabalho. Isso se deve ao fato de suas competências técnicas serem o pressuposto para a ação nessa rede, que busca encontrar as conexões altamente complexas e de consequências impremeditadas porque dependem da atuação desses conhecimentos técnicos a favor das suas empresas e dos produtos que desenvolvem.

Sua atuação como cadres ganha sentido quando surgem problemas técnicos no processo de funcionamento das empresas, como também problemas gerenciais e de posicionamento das empresas num mercado em que clientes, parceiros, instituições, governos e concorrentes perdem seu estatuto clássico de entidades de papéis também delimitados. Todos eles diluiriam a relação meramente mercadológica, apontando para a relevância de posicionarem-se nas redes. Estas revelariam novas maneiras, sempre refeitas, de organizar o trabalho e de selecionar os elos capazes de atingir espaços cada vez mais distantes a favor de suas empresas.

Em vista da necessidade de os cadres incubados trabalharem sob a dimensão de projetos, sempre refeitos ao sabor de novas competências e da necessidade de atenderem a clientes diversos, tornam-se protagonistas na definição do destino dos conteúdos, das funções e utilidades do produto.

Entretanto, nessas empresas e no mercado de TI encontramos empreendedores, inovadores, lideres, couches, consultores etc. – que simbolizam os elementos mais estimados de um mundo em rede – destacando suas marcas e seus desafios de nele permanecer. Essas marcas são resultados das inúmeras situações de tensão em formular um

trabalho de intenso engajamento, o que demanda traços estimulantes e garantias de sobrevivência a favor de suas rotinas de trabalho no segmento de TI.

Logo, novas competências são demandadas pelas empresas, mas não como uma relação instrumental de um empreendimento de si mesmo, a qual resultaria na aceitação da flexibilização irrestrita de seus percursos laborais como uma virtude pessoal e que daria contornos às redes em que estariam inseridos (NEVES, 2011). Além do mais, o resultado de suas ações a favor das empresas em que atuam não é premeditado ou restrito numa lógica em que suas competências visariam somente as melhores alternativas desse mercado de TI..

Os cadres têm capital intelectual e familiar em abundância, mas não tem o capital financeiro suficiente para implementarem seus negócios inovadores. Ademais, a presença de grandes empresas que detêm grandes parcelas dos mercados em que desejam entrar, dificulta ainda mais suas permanências e estratégias de sucesso neste. Existiria, como hipótese de pesquisa, mesmo neste cenário, uma margem para controlar ou reter uma parte ínfima dos processos de valorização de seus produtos em vias de se tornar inovador?

Se afirmativo, dessa forma, os cadres agiriam a favor de suas pequenas empresas incubadas, como empreendedores de si mesmos. Isso se daria, contudo, na medida em que o exemplo de sucesso daqueles que inovaram contribua com a necessidade de outros cadres corroborarem suas experiências rotineiras de trabalho a favor de suas empresas pelo uso de novos dispositivos organizacionais e de novas competências da ordem de um “saber ser” típico de um mundo em redes.

Dessa forma, as experiências laborais desses inovadores são apresentadas como as mais adequadas às situações de precarização e tensão em relação às suas rotinas de trabalho. O caminho que encontramos para avaliar como se dá essa experiência dos que ainda não inovaram, enfatizando-se, portanto, a experiência de flexibilização de seus percursos laborais, dos projetos, das equipes e da empresa enxuta, foi de recorrer as polêmicas ou disputas suscitadas pelos próprios incubados para sua formulação como realidade social (BOLTANSKI; CHIAPELO, 2010).

Essas polêmicas estão longe de qualquer referência a uma lógica da violência que os atores estariam subjugados. Elas os inscrevem numa lógica situacional da ação social em que suas capacidades de dar sentido às suas rotinas de trabalho dependem das provas que desenvolvem e as

garantias para assumir uma trajetória flexível, as quais renderão reconhecimento do papel que desempenham, mas também que resultará em produtos aceitos pelo mercado (BOLTANSKI; THENEVONT, 2009). Dessa forma, os componentes de uma trajetória instável ganhariam contornos sob sua condição de preceitos morais, os quais devem nos permitir um acesso às inúmeras experiências profissionais que encontramos a favor de suas rotinas de trabalho e das competências demandas para os negócios que estão desenvolvendo.

Portanto, juntamente com Boltanski e Chiapelo (2010), referimo-nos à capacidade crítica de os atores sociais avaliarem as dificuldades e os desafios de seus trabalhos e negócios nos primeiros como empresas, que num determinando ponto de suas trajetórias acabaram sendo incubadas. Nossa análise ressalta a dimensão de um “bom trabalho”, de percursos de trabalho polivalentes e flexíveis, haja vista a necessidade de apresentá-los como uma experiência estimulante e moralmente compartilhada.

Como empresas iniciantes, com pouco capital e com profissionais nas áreas técnicas e de engenharia operacionalizam esses valores flexíveis? Ressaltam-se as capacidades relativas dos entrevistados em avaliar as oportunidades do mercado de TI e nele desenvolverem histórias de sucesso, de flexibilização de seus percursos como uma virtude capaz de dar respostas as instabilidades e das promessas de sucesso a eles restrita.

Quando nossos entrevistados encontram-se possivelmente em momentos de ruptura dos laços sociais, justificativas surgem para o engajamento ativo do trabalho. Dessa forma, remetemos a capacidade diferencial de construir um relato que vence, que aceita a instabilidade, etc. Não porque precisam somente apresentar uma imagem coesa de sua historia laboral para si e para os outros. Eles dialogam com as incertezas e promessas desse mercado de TI e acionam todas as esferas sociais como recursos materiais e simbólicos a favor de um mundo em rede e flexível.

Estas esferas funcionariam como investimentos – que discutiremos no capítulo seguinte – e apresentam-se em razões para vencerem, mas também para persistirem e, quem sabe, encontrar e maximizar oportunidades de mercado cada vez mais raras. Nesse momento em que dão respostas as polêmicas que eles mesmos suscitam sobre suas histórias de trabalho, inscrevê-las num mundo conexionista que desejamos descrever a partir de suas rotinas de trabalho.

As discussões apontam para uma aguda sensibilidade por parte desses profissionais para formas singulares de organização da empresa e

das oportunidades percebidas nesse mercado de trabalho condizente com as possibilidades reais de produzirem um produto inovador.

Para esse mundo conexionista ser estimulante, ou seja, para engajar esses cadres a favor de suas empresas, eles precisam encontrar garantias para a sobrevivência. Portanto, é de interesse avaliar o que significa esse “bom trabalho” que mencionamos, nos primeiros anos das empresas incubadas, haja vista ser um objetivo almejado por nossos entrevistados no que toca a dimensão moral de suas rotinas de trabalho e da necessidade de atribuírem sentido à instabilidade a que estão sujeitos.