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As plantas são fontes naturais para a pesquisa de novos e seletivos agentes para o tratamento de doenças tropicais causadas por protozoários e outros parasitos. As leishmanioses estão classificadas entre estas doenças e são consideradas doenças negligenciadas. Estas acometem milhares de pessoas ao redor do mundo e caracterizam um grave problema de saúde pública. Poucos são os laboratórios envolvidos com o desenvolvimento de novos fármacos para o tratamento destes tipos de doenças e inexistem vacinas eficazes para promover a imunoprofilaxia destas infecções. Além disto, os tratamentos disponíveis atualmente são insatisfatórios (GARCÍA et al., 2012). Nos últimos

anos, foram descobertos importantes fármacos derivados de plantas, como a artemisina, quinina e lidocaína. Mas apesar de tais descobertas, ainda existem poucos fármacos disponíveis no mercado para o tratamento das diversas doenças parasitárias (KAYSER et al., 2003). Mesmo em pequeno número, 60% dos fármacos antitumorais, antibacterianos, antivirais, e antiparasitários comercializados têm sua origem em produtos naturais, assim como alguns fármacos ainda na fase de testes clínicos (SHU, 1998).

A imensa diversidade da flora brasileira incentiva a realização de estudos buscando novos compostos, com potencial antiparasitário, derivados de produtos naturais, que, em geral, apresentam elevado potencial farmacológico e são frequentemente empregados na medicina popular, para tratamento dos mais variados tipos de doenças. Em estudo realizado com cinco plantas brasileiras, da região do rio Paraná, o extrato EtOH obtido de folhas da espécie Nectandra falcifolia, conhecida popularmente como “canelinha”, apresentou bom resultado quando testado sobre formas promastigotas de L. braziliensis (CI50 = 138, 5 g/mL).

Tal gênero possui muitas espécies na flora brasileira e é utilizado na medicina popular para o tratamento de dor, artrite, reumatismo, diarréia e, ainda, apresentou atividade antimicótica (TRUITI et al., 2005). Em outra pesquisa, utilizando-se plantas do Cerrado brasileiro, o segundo bioma mais importante do país, revelou-se o potencial leishmanicida de outras espécies de plantas brasileiras sobre formas promastigotas de L. donovani. Extratos hexânicos e etanólicos foram preparados a partir de raiz, tronco, folhas e frutas de cinco espécies:

Annona crassiflora, Himatanthus obovatus, Casearia sylvestris var. língua, Guarea kunthiana, Cupania vernalis e Serjania lethalis. A espécie Casearia sylvestris var. língua

apresentou o maior potencial leishmanicida entre as outras espécies testadas, com valores de CI50 variando de 0,1 – 5,0 g/mL. As espécies restantes também apresentarem interessante

atividade leishmanicida e seus valores de CI50 variaram entre 3,7 e 7,9 g/mL (MESQUITA

Muitas são as espécies pertencentes ao gênero Baccharis e muitas delas podem ser encontradas no Brasil, estando na região sudoeste sua maior concentração (BUDEL, et al., 2003; BUDEL et al., 2005). Espécies variadas exibem propriedades farmacológicas diferentes como: propriedades antibiótica, antisséptica, antiprotozoário, entre outras, e, ainda, podem ser utilizadas para o tratamento de feridas. Tradicionalmente, são empregadas no tratamento de muitas doenças na América do Sul (PASSERO et al., 2011). Foram encontrados na literatura estudos evidenciando a presença de compostos com atividade leishmanicida, isolados a partir de diferentes espécies pertencentes ao gênero Baccharis (GRECCO et al., 2012).

A espécie utilizada neste trabalho apresentou atividade leishmanicida em estudo anterior. Segundo Luize et al., 2005, em um estudo in vitro realizado com extratos obtidos a partir de 19 espécies de plantas brasileiras, tradicionalmente empregadas no tratamento de grande variedade de doenças, foram relatados resultados significantes de acordo com o porcentual de inibição do crescimento de parasitos, que variou de 49,5% a 99%. A espécie B.

trimera apresentou atividade moderada frente às formas promastigotas e amastigotas de L. amazonensis (CI50 = 85,76 g/mL e 77,4 g/mL, respectivamente), quando testado seu extrato

hidroalcólico na concentração de 100 g/mL.

A busca por novas moléculas com potencial leishmanicida pode ser realizada por meio de diferentes métodos utilizando-se formas promastigota, amastigota ou amastigota axênica das diferentes espécies do gênero Leishmania. Entre eles, o mais importante é o método de contagem de formas intracelulares (amastigotas), por utilizar o estágio clinicamente relevante do parasito, responsável pela infecção de células do hospedeiro vertebrado (mamífero). No entanto, tal método apresenta certas limitações como o tempo de duração do bioensaio, o uso de animais para a extração de macrófagos e os possíveis erros de contagem. Apesar do desenvolvimento de um método utilizando formas amastigotas axênicas, mais fácil, rápido e barato que o anterior, a falta de informação sobre o comportamento de macrófagos durante o

tratamento, a possibilidade de influência destas células sobre a atividade do fármaco ou danos decorrentes da toxicidade, dificultam o emprego de tal método na rotina. Portanto, o método mais empregado na pesquisa de novos compostos com potencial atividade antileishmania é aquele utilizando formas promastigotas deste parasito. Mesmo não sendo a forma clinicamente relevante, os bioensaios realizados com o emprego desta forma, permitem a avaliação da seletividade do produto testado por meio de um método fácil e de alta reprodutibilidade (GARCÍA et al., 2012). Baseando-se nesta justificativa, os bioensaios realizados durante esta pesquisa utilizaram formas promastigotas da espécie Leishmania

amazonensis, sendo que na etapa final foram utilizados macrófagos da linhagem J774, para a

pesquisa de citotoxicidade dos compostos ativos, excluindo o uso de animais neste estudo.

Partindo do exposto acima, o presente trabalho teve como objetivo a busca de novos compostos com potencial leishmanicida a partir de produtos naturais. Avaliou-se a atividade antileishmania, sobre formas promastigotas de L. amazonensis, de 37 compostos, sendo 1 extrato, 8 frações e 28 subfrações obtidas a partir de partes aéreas da planta Baccharis trimera (Less.) DC. Deste total, três frações e cinco subfrações apresentaram tal atividade. Três das subfrações ativas também foram avaliadas quanto à sua citotoxicidade, utilizando-se macrófagos da linhagem J774. Como resultado, observou-se que duas delas apresentaram baixa toxicidade frente a estas células, sendo o valor da terceira, semelhante ao da pentamidina, fármaco utilizado como controle.

As Fr. 2, 3 e 4 obtidas por EFS, a partir do extrato seco AcOEt de B. trimera, foram as frações que apresentaram interessante atividade leishmanicida. As Fr. 2 (Hex/AcOEt 95:05) e 3 (AcOEt) apresentaram moderada atividade (CI50 = 23,56 g/mL e 29,89 g/mL,

respectivamente), assim como a Fr. 4 (AcOEt), que apresentou atividade pouco menor (CI50 =

42,31 g/mL). A partir das Fr. 3 e 4, que apresentaram perfis cromatográficos similares, foram obtidas as subfrações por meio de CC. As cinco subfrações que mostraram atividade

leishmanicida foram: SubFr. 44 (Hex/AcOEt/i-PrOH 89:10,2:0,8), SubFr. 57 (Hex/AcOEt/i- PrOH 87:12,1:0,9), SubFr. 148 (MeOH), SubFr. 149 (MeOH) e SubFr. 80:20 (MeOH/H2O).

As SubFr. 44 e 148 (CI50 < 1, 56 g/mL) se mostraram bastante interessantes, pelo fato do

valor de CI50 de ambas ter se apresentado abaixo do determinado para a pentamidina (CI50 = 4

g/mL). No entanto, as SubFr. 57 e 149 (CI50 = 5, 07 g/mL e 5, 21 g/mL, repectivamente)

também foram interessantes, sendo que os seus valores de CI50 estão próximos ao do fármaco

controle. Já a SubFr. 80:20 demonstrou moderada atividade (CI50 = 24,61 g/mL).

A partir dos valores de CI50 apresentados, foram selecionadas três subfrações para a

realização dos testes de citotoxicidade frente a macrófagos da linhagem J774. As subfrações testadas foram: SubFr. 44, SubFr. 148 e SubFr. 80:20. As duas primeiras subfrações foram selecionados por se mostrarem promissoras (CI50 < 1,56 g/mL) e, a última, por conter menos

impurezas em sua composição. Os IS obtidos demonstraram que as subfrações mais interessantes foram a 44 e 148 (IS > 64,1). Tais resultados podem ser considerados bastante promissores, quando comparados com um estudo in vitro realizado com formas promastigotas de L. amazonensis, macrófagos peritoneais de ratos BALB/c e extratos etanólicos de 48 plantas. Os valores de IS apresentados por algumas espécies, neste estudo, foram os seguintes:

Hura crepitans (CI50 = 16,4 g/mL e IS = 24), Bambusa vulgaris (CI50 = 60,49 g/mL e IS =

5) e Simarouba glauca (CI50 = 47,5 g/mL e IS = 5) (GARCÍA et al., 2012). Pelo fato do

valor de IS das subfrações ser ainda maior que o apresentado por estas espécies, confirma-se o interessante resultado apresentado por elas. Já SubFr. 80:20 (IS = 3,8), ao contrário do esperado, apresentou-se pouco promissora, no entanto, o seu índice está próximo ao da pentamidina (IS = 5,31), também utilizada como controle nos bioensaios de citotoxicidade.

Todos os compostos testados na realização deste trabalho foram previamente solubilizados em DMSO, tendo em vista que em estudos realizados com soluções etanólicas de determinados compostos, não foram obtidos os potenciais leishmanicida. Tal fato

demonstra a importância do solvente. O DMSO funciona como um permeabilizante de membrana celular e auxilia a entrada de fármaco ou de outras substâncias, como os compostos deste estudo, no interior da célula, facilitando sua ação farmacológica (GARCÍA et al., 2012). Por esta razão, somente DMSO foi utilizado como solvente nos bioensaios realizados. Como precaução, para que se garantisse a menor quantidade possível de solventes nos compostos testados, todos eles foram colocados em dessecador sob pressão reduzida antes da realização dos bioensaios.

Para conhecer os constituintes químicos do extrato seco AcOEt e de suas frações e subfrações, foram realizados estudos fitoquímicos por meio de técnicas de fracionamento e análises cromatográficas. As frações e subfrações foram obtidas por EFS e CC e analisadas por CCD e CLAE-UV. A partir destas análises, sugeriu-se que a substância responsável pelo potencial leishmanicida, apresentado pelos compostos testados, está relacionada a um composto fenólico.

De acordo com estudos fitoquímicos encontrados na literatura, compostos fenólicos e terpenoides se destacam em relação ao seu potencial leishmanicida (GRECCO et al., 2012). Em estudo com a espécie B. retusa, demonstrou-se que a 5,6,7-trihidroxi-4’-metoxiflavonona, uma flavonona isolada do extrato MeOH desta planta, apresentou atividade contra espécies de

Leishmania causadoras das leishmanioses cutâneas. A partir deste mesmo extrato, foram

isolados e identificados três flavonoides, sendo que um deles apresentou atividade leishmanicida frente à formas promastigotas e amastigotas de L. amazonensis, L. braziliensis e L. major (CI50 = 51,89 g/mL, 45,12 g/mL e 52,60 g/mL, respectivamente). Tal

flavonoide foi identificado como sakuranetina. Por meio da comparação estrutural entre os flavonoides isolados, observou-se que a substância ativa possui, nas posições C-4’ e C-7 de sua estrutura, um grupo hidroxil e outro metoxil, que provavelmente estão relacionados à sua atividade antiprotozoário, já que não estão presentes nas substâncias inativas (GRECCO et al.,

2012). A espécie B. dracunculifolia, também apresentou atividade leishmanicida, quando testado seu extrato hidroalcólico frente a formas promastigotas de L. donovani (CI50 = 45

g/mL). A partir deste extrato, foram obtidas as seguintes substâncias: o ácido ursólico e a lactona do ácido hawtriwaico, que apresentaram elevada atividade leishmanicida, com valores de CI50 de 3,7 g/mL e 7,0 g/mL, respectivamente. Comparando-se a estrutura destas

substâncias com sua atividade antiparasitária, revelou-se que grupos hidroxila, presentes nas posições C-2 e C-3 do ácido ursólico, relacionam-se com sua atividade leishmanicida, sendo que além de atuar frente a L. donovani, também é ativa frente a L. amazonensis; assim como, sugeriu-se que o anel lactona presente na substância lactona do ácido hawtriwaico tem relação com a melhora da atividade leishmanicida demonstrada pelos diterpenos clerodânicos (SILVA FILHO et al., 2009). Desta maneira, pode-se concluir que a atividade antileishmania destes compostos tem relação estrutural. Além disto, confirma-se a suspeita de que a substância ativa presente nos compostos testados pode estar relacionada a um composto fenólico, já que tais compostos são frequentemente encontrados no gênero Baccharis.

FIGURA 20. Estrutura de algumas substâncias que apresentaram potencial leishmanicida, segundo a literatura.

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