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Discussão da atividade de relato de experiência pessoal

Foto 7- Posicionamento das filmadoras

6.1 Discussão da atividade de relato de experiência pessoal

Nas fases do procedimento experimental adotado nesta pesquisa – linha de base (A) e intervenção (B) – foram feitas atividades relacionadas com o relato de experiência pessoal e com a narração de histórias. Após essas duas fases (linha de base e intervenção), foi possível observar a performance dos participantes sem o programa de intervenção, ou seja, o follow up. Os resultados da linha de base evidenciaram que os três participantes conseguiram realizar a narração de relato de rotina diária, mesmo sem a intervenção da pesquisadora. Durante essa fase, pôde-se constatar, por meio da pontuação máxima estabelecida para cada participante, que, embora já tivessem tal habilidade, os elementos constitutivos do relato não foram constantes. O participante 1 conseguiu relatar 41%, em relação ao total estabelecido (39), na maior pontuação da linha de base; o segundo participante conseguiu relatar 56,5%, em relação ao total estabelecido (23), na maior pontuação da linha de base, enquanto o terceiro participante, por fim, conseguiu relatar 69,2%, em relação ao total de estabelecido (13), na maior pontuação da linha de base. Esse resultado pode se justificar pelo fato de os participantes já serem usuários de sistemas de comunicação suplementar e alternativa, estarem

em acompanhamento em centro especializado em reabilitação, sobretudo no setor de comunicação alternativa; seus cuidadores, no caso suas mães, participarem de projetos de orientação sobre o uso de recursos de comunicação alternativa; eles próprios estarem em escolas nas quais os professores são orientados acerca do uso de recursos de comunicação suplementar e alternativa.

Von Teztzchner et al. (2005) e Von Tetzchner (2009) discutiram a necessidade de o meio oferecer modelos de suporte para ampliar as habilidades expressivas das crianças usuárias de sistemas de comunicação suplementar e alternativa, uma vez que elas acabam não recebendo do ambiente em que vivem o input do sistema que deveriam utilizar, no caso, o sistema pictográfico. Os autores alertaram sobre a importância de se oferecer oportunidades para desenvolver interlocutores competentes no uso dos sistemas gráficos (SMITH, 2003; SMITH; GROVE, 2003). A linha de base demonstrou que os participantes desta pesquisa relataram as experiências pessoais com o uso dos recursos de comunicação suplementar e alternativa, mas estes não foram suficientes para a realização das atividades propostas.

No programa de intervenção proposto, foi possível notar que tanto os auxílios parciais como os totais, oferecidos pela pesquisadora, favoreceram aos participantes a mudança no relato das experiências pessoais e da sua rotina. A participante 1 conseguiu relatar 89,7%, na sessão de intervenção com maior pontuação, comparada com a pontuação máxima estabelecida (39); a segunda participante conseguiu relatar 91,3% de suas experiências pessoais e, por fim, o terceiro participante conseguiu relatar 84,6% das suas experiências pessoais, em face de sua pontuação máxima. A ampliação dos relatos pessoais pode se justificar pelo modelo oferecido pela pesquisadora, ao contar fatos de suas experiências, por meio da fala concomitante aos sistemas gráficos. Nesse contexto de atuação, Cazarotti (2006) e Miranda (2000) sublinharam a importância da participação do adulto com a criança, no que se refere ao relato de experiências pessoais. Por seu turno, Truedeau, Cleave e Woelk (2003) também discutiram a mediação dos adultos com os usuários de sistemas de comunicação suplementar e alternativa, na tentativa de oferecer oportunidades para ampliar a independência nas situações dialógicas.

Outro aspecto relevante foi a interferência do interlocutor, prevista no programa de intervenção, no momento da narração das experiências pessoais, por intermédio das perguntas: quem, o quê, quando, por que e onde. Por meio desses precursores, proporcionou- se a organização do relato das experiências e se encorajaram as crianças a ampliarem seus enunciados e conexões entre eles, possibilitando ao interlocutor ouvinte maior entendimento das expressões emitidas pelos participantes (PETERSON; MCCABE, 1994; LOW; DURKIN,

2001).

É necessário salientar que, pelo fato do relato de a rotina diária não possuir um roteiro fixo e ser dependente da experiência de cada participante, não foi possível estabelecer uma pontuação fixa para todos, visto que essa atividade não é previsível.

Os três participantes apresentaram desempenho oscilante, durante a atividade do relato da rotina diária. O desempenho deles pode ter sido influenciado pela variação de tema em cada sessão, já que cada tema ofereceu aos participantes a descrição de diferentes ações, além de ter a presença de distintos interlocutores (personagens) e a variação de locais. Assim, determinados temas podem favorecer ou não maior descrição do relato de vida diária. Deliberato (2005, 2008) e Sameshima et al. (2009) enfatizaram a necessidade de critérios para a seleção dos temas a serem desenvolvidos nos programas de intervenção terapêutica e nos programas com as escolas. As autoras pontuaram a necessidade de temas de interesse pessoal dos usuários e associados à rotina da vida diária familiar e escolar.

A performance da participante Ana, no relato de suas experiências, confirma as discussões pontuadas por Deliberato (2005, 2008) e Sameshima et al. (2009): a criança apresentou melhor desempenho, quando os temas estavam relacionados com sua rotina familiar (sessão 5, sessão 6 e sessão 8 – Gráfico 1). Nessas sessões, a participante conseguiu relatar um maior número de ações e de pessoas envolvidas nas tramas. Na sessão 7 (Gráfico 1 e Gráfico 2), foi possível perceber que criança recontou uma menor quantidade de ações, o que poderia estar ligado ao tema da atividade, festa junina, o qual não faz parte da sua rotina.

Outro aspecto relevante a ser destacado é que a participante 1 possui uma família composta por 8 irmãos, 5 sobrinhos, tios e primos, além da ampla participação de vizinhos, na sua rotina. Dessa forma, seria possível acentuar a colaboração do relato de personagens na elaboração dos enunciados de experiências pessoais. Ana relatou suas experiências por meio da indicação dos símbolos pictográficos, pela protrusão de língua, após a indicação feita pelo interlocutor (sistema de varredura) e, igualmente, pelo movimento de negação com a cabeça. A participante 1 é dependente do interlocutor para suas habilidades expressivas, o que pode acarretar prejuízo na sua elaboração. Light (2003) alertou quanto à necessidade do domínio operacional para as pessoas usuárias de sistemas de comunicação suplementar e alternativa, a fim de se pensar na garantia de conquistarem o sucesso para a competência comunicativa. Por domínio operacional, a autora definiu as habilidades essenciais para o manuseio do recurso de comunicação suplementar e alternativa. Além desse domínio, também considerou o domínio linguístico, social e o domínio de estratégia como fundamentais para o sucesso para estabelecer a competência no sistema gráfico.

A participante Maria também obteve melhor desempenho nas sessões 5, 6 e 8 (Gráfico 5), relatando fatos de sua rotina, enquanto na sessão 7, tema festa junina, sua performance diminuiu no relato das ações (Gráfico 6). Relatou as personagens e locais das ações, por meio da indicação das figuras do seu recurso de comunicação suplementar e alternativo e utilizou de expressões faciais, gestos representativos e indicação de símbolos pictográficos, para expressar as ações. A literatura a respeito do desenvolvimento da linguagem de usuários de sistemas de comunicação suplementar e alternativa é escassa. Light (2003), Von Teztchner e Grove (2003) abordaram o uso de diferentes modalidades expressivas, por parte dos usuários de sistemas gráficos, na busca da possibilidade de serem compreendidos. A participante 2, por apresentar condições motoras favoráveis, usou das habilidades manuais e gestuais, para relatar suas experiências.

Com a análise da entrevista realizada com a mãe de Paulo, pôde-se notar que ele, em sua rotina diária, possui poucos amigos e a sua família é pequena. É oportuno frisar que o participante não gostava da atividade de relato da rotina, de sorte que não se sentia à vontade nessa atividade. O participante 3 obteve melhor desempenho nas sessões 4, 5, 7 e 8 e, diferentemente das participantes 1 e 2, teve menor resultado na sessão 6 (Gráfico 9). Na sessão 6, recusou-se a contar a visita de seu pai a sua casa. Percebeu-se, ainda, que esse participante alcançou melhor desempenho na sessão 4 (primeira sessão de intervenção), diferentemente das participantes 1 e 2. Nesta sessão, o aluno contou suas atividades escolares, tema de grande interesse para ele, não só pelo fato de estar participando de um novo ambiente escolar, mas por estar frequentando a 1ª série do ensino fundamental da escola regular. Nesse contexto, as experiências foram diferentes das participantes 1 e 2, as quais frequentavam classe especial. Embora não se haja pesquisas a respeito da interferência ou não do ambiente segregado, no uso de sistemas de comunicação suplementar e alternativa, Von Teztchner e Grove (2003) Soto e Von Teztchner (2003) salientaram que escolas especiais e classes especiais poderiam contribuir nos suportes técnicos para os usuários dos sistemas gráficos.

Para relatar suas experiências, o participante 3 utilizou palavras, frases simples que, embora com trocas fonológicas, eram passiveis de serem entendidas. Quando não era compreendido por meio da expressão oral, empregou os sistemas gráficos de seu recurso de apoio. Deliberato (2009) identificou o uso de habilidades orais verbais e não verbais usados por um aluno com paralisia cerebral, durante a intervenção fonoaudiológica, ante o uso de recursos de comunicação suplementar e alternativa, como a prancha de símbolos pictográficos. A implementação dos sistemas gráficos pode permitir às crianças e jovens com alterações neuromotoras o acesso à linguagem e, desse modo, incentivar o desenvolvimento

de diferentes habilidades expressivas, como a própria fala (ROTHSCHILD; NORRIS, 2001). Ainda examinando os dados dos três participante, quanto ao relato de rotina diária, nota-se que eles apresentaram um desempenho de pontuação máxima estabelecida para essa atividade, provavelmente em virtude das barreiras comunicativas que enfrentam, durante essa rotina: falta de vocabulário para temas específicos, falta de interlocutores capacitados, falta de recursos adaptados às especificidades motoras e perceptivas (HIGGINBOTHAM et al., 2007). Os dados identificados nesta pesquisa corroboram os de Waller et al. (2006), tendo em vista que os usuários de comunicação suplementar e alternativa, nas atividades que envolvem a narração, enfrentam as barreiras comunicativas, decorrentes do pouco acesso a atividades que ensinem as narrativas pessoais, pois muitas vezes os recursos disponíveis não são suficientes para auxiliá-los nas atividades que envolvam a atividade de narrar. Para os mesmos autores, a restrição da capacidade de narrar dos usuários do recurso de comunicação suplementar e alternativa pode estar correlacionada ao fato de que esse processo requer um desenvolvimento da habilidade pragmática (saber o que dizer e como estruturar a sequência dos enunciados) e também uma habilidade operacional (capacidade de localizar os símbolos gráficos, para a construção de frases).

O programa de intervenção foi finalizado na oitava sessão e, a partir da 9ª sessão e nas duas consecutivas, pôde-se observar que os participantes conseguiram manter habilidades aprendidas durante a intervenção, embora com menor pontuação no que concerne às sessões de intervenção, mas com maior pontuação, em relação à linha de base, com exceção da participante 2, cuja pontuação, nas sessões de follow up, foi semelhante à pontuação da linha de base. Isso pode estar vinculado à necessidade de apoio e atenção que essa participante solicita, nas diferentes atividades realizadas: é uma criança de pouco contato com diferentes interlocutores, porque, além das terapeutas, a criança tem contato somente com as crianças da classe especial.