• Nenhum resultado encontrado

Neste trabalho, nosso principal objetivo foi estudar a atividade eletrofisiológica do córtex cerebral de seres humanos saudáveis (não apresentam a doença de Parkinson) enquanto pedalam. Além disso, observamos variáveis eletrocardiográficas e variáveis relacionadas com o sono desses indivíduos, a fim de conhecermos melhor a amostra que estamos estudando.

No que diz respeito às medidas antropométricas dos voluntários dessa pesquisa, tanto homens quanto mulheres, estavam dentro dos valores de IMC considerados saudáveis para sua idade. O IMC estabelece uma relação entre peso e altura que, conforme parâmetros definidos pela Organização Mundial da Saúde, define se uma pessoa está em seu peso ideal, abaixo ou acima do peso. Valores muito acima do normal (o valor considerado normal está entre 18,50 e 24,99 Kg/m2) caracterizam obesidade e estão relacionados ao aumento o risco de câncer, bem como de problemas cardiovasculares (Madden & Smith, 2016; WHO, 1995).

Quanto à função cardiovascular basal dos participantes, vimos que os homens apresentaram maior PAM que as mulheres, o que já era esperado, por eles serem mais altos. Observou-se também que o valor da frequência cardíaca média de 76,07bpm do total da amostra (homens e mulheres) é considerado normal, de acordo com a III Diretriz da Sociedade Brasileira de Cardiologia sobre análise e emissão de laudos eletrocardiográficos (Pastore et al., 2016).

Sobre a caracterização do ciclo sono-vigília dos voluntários, como esperado, a maioria da amostra estudada apresentou o cronotipo intermediário, pois esse é o mais comum entre a população. Também se observa indivíduos apresentando o cronotipo bimodal, uma quarta classe de cronotipo proposta por Martynhak et al. (2010).

Para a qualidade de sono, vimos que a maioria da população estudada apresentou qualidade de sono ruim (66,7%) e, destes voluntários, alguns podem ser classificados como sofrendo de distúrbio de sono (28,6% do total). No estudo de (Kolodiuk, 2015) com estudantes de medicina do primeiro semestre, foi visto que estes já chegavam na universidade com uma qualidade de sono ruim, que advém desde o ensino médio quando ainda se preparavam para ingressar na universidade. Já para a escala de sonolência diurna excessiva, a maioria da população não apresentou esse aspecto (61,9%) embora um número grande de jovens tenha apresentado sonolência

69 (38,1%). Em estudo feito por Silva (2010), estudantes de medicina que tinham esquemas de aula de 7h e 8h da manhã apresentaram mais sonolência diurna do que os demais estudantes cujas aulas ocorriam em outros horários, o que pode justificar a grande quantidade de estudantes sonolentos nesse trabalho.

A maioria de nossos voluntários apresentou qualidade de sono ruim, de acordo com o PSQI e uma quantidade considerável de indivíduos com a sonolência diurna excessiva, conforme a ESS. Apesar disto, não encontramos correlações entre as variáveis qualidade de sono e sonolência com a atividade cortical, mesmo que trabalhos como o de Cajochen et al. (2004) mostre que oscilações de baixa frequência durante a vigília associam-se com um menor desempenho em fases circadianas adversas. Isso sugere que, apesar dos resultados relacionados ao sono, nossa amostra parece não ter influência nos resultados do EEG.

Com relação aos dados eletroencefalográficos, a hipótese de que a estimulação sensorial nos membros inferiores provocada pelo ato de pedalar modula a potência das oscilações neurais nas bandas de frequência em beta (13-35 Hz) foi corroborada apenas para a banda beta alta (23-35Hz). Para esse resultado foram feitas duas análises, uma delas onde comparou-se todas as etapas e a outra comparando as etapas Pedalando e Parado com relação à linha de base, ou seja, uma proporção, a fim de inferimos o quanto a potência aumentou ou diminuiu em relação a linha de base.

Na primeira análise, onde comparamos as etapas duas a duas, foi observado resultado significativo entre as etapas Parado e Pedalando no grupo que realizou o experimento na cadência 40rpm, tanto para a condição olhos abertos quando para a condição olhos fechados. Em ambos os casos, a potência da banda beta alta foi menor durante o pedalar em comparação com o repouso. No segundo tipo de análise, onde foi feita uma proporção, viu-se o mesmo: tomando como base a etapa Base repouso, o pedalar diminuiu a potência da banda beta alta em comparação com o repouso relacionado com a Base repouso, acontecendo isso tanto para olhos abertos quanto para olhos fechados. Ambos os resultados reforçam o que foi comtemplado pelo grupo de Storzer e colegas (2016)

Estar de acordo com esses resultados de fato é importante, visto que, embora sejam estudadas aqui pessoas saudáveis, pacientes com a DP apresentam uma predominância da banda beta alta na faixa de 18Hz que diminui quando estes

70 pedalam, semelhante ao que acontece ao tomarem o medicamento para a doença ou após a cirurgia de estimulação cerebral profunda. Sabendo que o pedalar é um movimento mais fácil que o caminhar, aquele facilita a supressão da potência de beta alta e, provavelmente devido à sua natureza contínua, é computacionalmente menos exigente do que caminhar e até mesmo do que estar em repouso. Sendo assim, o indivíduo que pedala torna-se menos propenso a sobrecarregar as redes cerebrais envolvidas na locomoção (Storzer et al., 2016, 2017b). Esse é um dado interessante e nos dá a possibilidade de pensar a bicicleta como um tratamento promissor para essa doença.

Como uma das propostas desse trabalho foi observar se o pedalar associado à privação visual diminuiria ainda mais a potência da banda beta, comparamos as condições olhos abertos e olhos fechados daqueles que pedalaram na cadência 40rpm (lembrando que quem pedalou à 80rpm só pedalou de olhos abertos) para todas as etapas (Base repouso, Parado, Pedalando e Base pedalando), por exemplo, comparou-se a potência de beta na etapa Parado de olhos fechados com a etapa Parado de olhos abertos. Não observamos nenhum resultado significativo, nem para a potência de beta alta nem para a potência de beta baixa. Portanto, nossa hipótese de que a diminuição da atividade sensorial vendando os sujeitos diminuiria o recrutamento neuronal e se somaria ao efeito do pedalar não foi corroborada.

O experimento realizado nesse trabalho foi feito com duas cadências diferentes, fizemos a comparação da potência da banda beta (alta e baixa) nas cadências 40rpm e 80rpm durante a etapa Pedalando, não havendo diferença significativa comparando-as. Como foi dito, existem controvérsias quanto à relação da cadência com a diminuição da banda beta, visto que alguns grupos mostram que o exercício forçado e/ou realizado com cadências mais rápidas do que seria confortável para os indivíduos favorecem mais a função motora (Petzinger et al., 2010; Petzinger et al., 2007). Contudo, nosso resultado está de acordo o que foi encontrado pelo grupo de Chang e colaboradores (2018), que mostram que baixas cadências também apresentam melhoras na função motora, já que também apresentam diminuição da banda beta durante o pedalar.

Neste trabalho, os indivíduos passaram apenas por duas condições principais relacionadas ao movimento: repouso e pedalando. Entretanto, estudos anteriores mostram que alfa diminui consideravelmente com o movimento de caminhar

71 (Presacco et al., 2011; Wagner et al., 2012; Wagner et al., 2014), supondo-se que a diminuição de alfa esteja intimamente ligada ao processamento somatossensorial. Já em Storzer et al., (2016), a diminuição da potência de alfa foi maior no caminhar do que durante o andar de bicicleta, sendo a diminuição notável e mais forte da potência da banda beta ao andar de bicicleta do que durante o caminhar.

Mesmo que não tenhamos tido a condição de caminhada, achamos interessante observar os resultados da potência de alfa comparando as etapas experimentais. Como foi mostrado, não houve diferença significativa em nenhuma delas, nem para olhos fechados nem para olhos abertos, o que nos mostra que, em relação ao repouso, alfa não aumentou nem diminuiu quando o indivíduo pedala. De fato, como foi visto em (Storzer et al., 2016), essa banda não parece ser tão afetada pelo pedalar, diferente do que acontece com a banda beta alta.

Para além dessa comparação entre as etapas, também com relação à alfa, comparou-se as condições olhos abertos e olhos fechados para a cadência 40. Vimos que existiram diferenças significativas para a comparação das condições em três etapas: pedalando, parado, e base pedalando. Nas três etapas, a potência de alfa foi maior com os indivíduos de olhos fechados do que na condição olhos abertos. Esse resultado já era esperado, visto que já se sabe que a amplitude de alfa é grande quando os olhos estão fechados e diminui quando os olhos estão abertos (Klimesch, 2012), o que nos dá confiabilidade para o dado eletroencefalográfico coletado.

Nossa última hipótese estudada, diz respeito a estimulação sensorial nos membros inferiores no ato de pedalar modulando a frequência da máxima potência da onda beta baixa. Escolheu-se apenas a beta baixa para essa análise, pois sabe-se que pacientes com a DP apresentam oscilações anormais de 18Hz, as quais estão implicadas na fisiopatologia do congelamento da marcha, pois quando tentam se movimentar isso leva à sincronização exagerada na banda beta baixa (Storzer et al., 2017a). Mesmo sendo considerada ainda beta baixa, esse já é um valor alto de frequência, e encontrar novas formas de suprimi-la (além da estimulação cerebral profunda e do medicamento levodopa) é fundamental no desenvolvimento de potenciais terapias.

O que observamos foi que entre as etapas Parado e Pedalando existiu diferença significativa, sendo a frequência da máxima potência da banda beta baixa inferior durante o pedalar de olhos fechados do que o parado de olhos fechados. Este

72 dado reforça o que foi encontrado pelo grupo de Storzer e colaboradores (2017a). Para essa análise vimos que, apenas de olhos fechados, essa diferença foi observada. O que nos faz supor que a questão visual pode sim interferir na alteração dos padrões de onda durante o pedalar. Contudo, seriam necessários mais estudos para melhor investigar o assunto.

O presente trabalho é mais um a mostrar o quão importante é o pedalar como uma possível terapia para a DP, apontando que com o estudo eletroencefalográfico até mesmo de pessoas sem a doença, nota-se a diminuição da banda beta, associada com o congelamento de marcha em pacientes com Parkinson. Como foi dito introdutoriamente, a partir de relatos e estudos com esses pacientes que conseguem pedalar – inclusive por ser mais fácil que o andar - mesmo com todas as dificuldades de movimentação que essa doença proporciona (Snijders et al., 2011), conseguimos estudar a atividade eletrofisiológica do córtex cerebral de pessoas saudáveis durante o pedalar.

Ainda não foi verificado se a diminuição da banda beta em pessoas saudáveis facilita sua cognição e até sua motricidade, mas esses são estudos interessantes e que futuramente devem ser realizados. Todavia, a banda beta alta é de fato negativa para a condição humana, sendo até mesmo associada a situações mais estressantes (Sanei e Chambers, 2007).

Diferente de uma droga ou de uma cirurgia, o pedalar pode ser realizado em academia ou mesmo em nossa própria rua, proporcionado melhorias cardiovasculares e oferecendo qualidade de vida para quem já não é capaz de controlar seus próprios movimentos sozinhos.

Pretendemos estudar, futuramente, se estimulação visual, ou seja, a aplicação de uma tela de realidade virtual durante o pedalar pode se somar à facilitação desse movimento. Também comparar os tipos de bicicleta (horizontal, spinning e urbana), tanto dentro do laboratório como na rua, além de recrutarmos pessoas que sabem e que não sabem pedalar e que são ou não ciclistas profissionais.

73

Documentos relacionados