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4. OP DIGITAL, DEMOCRACIA E HEGEMONIA

4.4 Modelo Democrático do OP Digital

4.4.4 Discussão do modelo democrático

Hacker e van Dijk (2000) desenvolveram um estudo sobre modelos de democracia eletrônica onde criaram seis tipos ideais de democracia baseados em uma modelagem de David Held (2006). Os três primeiros podem ser classificados no que Santos (2002) nomeou como tipos democráticos de baixa intensidade e os três últimos seriam democráticos de alta intensidade ou contra – hegemônicos.

O primeiro modelo seria a chamada democracia legalista, que é caracterizada pelo emprego das TICs para subsidiar com informações governos, administradores e cidadãos visando eficácia, eficiência e maior transparência. Segundo Cunha, Allegretti e Matias (2007) nesta perspectiva as aplicações das TICs são serviços cívicos, sistemas de informação pública, sistemas de registros para os governos e pesquisas junto aos cidadãos.

O segundo modelo é chamado de democracia competitiva. Este modelo tem como objetivo fortalecer a posição de governos e administradores como, por exemplo, em processos de campanhas eleitorais. Sob este viés as TICs são aplicadas em estratégias de comunicação de massa e marketing político.

O terceiro modelo é a democracia pluralista que visa favorecer a comunicação entre organizações da sociedade civil. Surveys computadorizadas, sistemas de

registro e principalmente sistemas de comunicação como listas de debate, mensagens instantâneas e emails são as principais aplicações das TICs neste contexto.

O quarto modelo é a chamada democracia participativa. As TICS seriam utilizadas sob este modelo para formar e “ativar” os cidadãos através de debates em campanhas de informações computadorizadas, sistemas de informações públicas de massa, participação ativa, formação de opinião e aprendizagem.

O quinto modelo refere-se a democracia libertária que tem foco em comunidades virtuais e na comunicação horizontal. Neste viés os cidadãos deveriam ser bem informados por sistemas avançados e livres de modo que todos tivessem condições de votar e opinar sobre temas diversos.

O sexto modelo é a democracia plebiscitária que deveria romper com as barreiras à democracia direta em sociedades complexas (CUNHA, ALLEGRETTI e MATIAS, 2007). Sob este viés se daria voz a todos os atores sociais através de mecanismos como tele-urnas, tele-votos, tele-referendos pela internet ou pelo telefone. Campanhas de informação e debate poderiam acontecer pela internet e pela TV.

O enquadramento de experiências concretas em modelos ideais é sempre algo complexo que carece de ajustes e as mais diversas adequações. Neste caso não foi diferente. Das diversas características levantadas do OPD a grande maioria é identificada, de acordo com o referencial teórico desenvolvido e com o modelo de análise criado para este fim, como hegemônica.

Ainda que o discurso da prefeitura tenha sentido oposto, a prática do OPD sinaliza para uma experiência muito limitada diante do potencial das TICs e principalmente da experiência acumulada pelo município através do OP Regional.

Com base nas análises dos tópicos anteriores tem-se o seguinte quadro: Tabela 5: Características do modelo democrático do OPD

Variáveis Indicadores Critério de Decisão - Exclusivamente Técnica - Técnica - Popular - Mista Natureza da Decisão - Centralizada

- Descentralizada Definição de Regras do OP - Exclusivamente Técnica - Técnica - Popular - Mista Organização - Tutelada - Auto-organização Participação - Voto indireto - Eleição de representantes - Consultiva - Voto direto - Deliberativa Monitoramento - Temporário - Permanente Fase do processo

- Somente na Fase Final (Prestação de contas) - Fase inicial (licitatória)

- Fase operacional (execução da obra) - Fase final (prestação de contas) Fonte: Elaborado pelo autor

A partir deste quadro e da revisão teórica até aqui desenvolvida pode-se classificar o orçamento participativo digital como modelo democrático legalista, conforme a figura 22.

Figura 22: Classificação do modelo do OPD

Fonte: Elaborado pelo autor, baseado em Hacker e van Dijk (2000)

Esta constatação deixa claro o cenário dramático descrito por Dagnino (2004) como uma confluência perversa entre um projeto neoliberal e um projeto verdadeiramente democratizante e participativo. A participação (presencial e a partir deste estudo também a virtual) acaba de certo modo servindo a dois senhores: um projeto hegemônico legitimador a serviço dos interesses de uma classe dominante e um projeto alternativo que tem (ou teria) como agente a classe trabalhadora.

Para Dagnino (2004, p.97) esta confluência perversa aponta

[...] para direções opostas e até antagônicas, [porém] ambos os projetos requerem uma sociedade civil ativa e propositiva. Essa identidade de propósitos, no que toca à participação da sociedade civil, é evidentemente aparente. Mas essa aparência é sólida e cuidadosamente construída através da utilização de referências comuns, que tornam seu deciframento uma tarefa difícil, especialmente para os atores da sociedade civil envolvidos, a cuja participação se apela tão veementemente e em termos tão familiares e sedutores.

Através de uma aproximação semântica e de mecanismos e procedimentos institucionais que guardam grande similaridade ocorre um obscurecimento de distinções e divergências entre ambos os projetos (DAGNINO, 2004). Como negar os números do OP Digital e seu volume quantitativo de participação? Sem dúvida

um discurso que empregue os números do OPD pode impressionar e ao mesmo tempo causar confusão sobre sua adequação à um determinado projeto – neoliberal ou contra-hegemônico.

Sobre esta nova caracterização da participação sob a ideologia neoliberal, Dagnino (2004, p.102) defende que ocorre um processo de re-significação e de esvaziamento de seus sentidos políticos:

Estreitamente ligada a esse processo de deslocamento, a noção de participação, que constituiu o núcleo central do projeto participativo e democratizante, percorre os mesmos caminhos. Por um lado, a re- significação da participação acompanha a mesma direção seguida pela reconfiguração da sociedade civil, com a emergência da chamada “participação solidária” e a ênfase no trabalho voluntário e na “responsabilidade social”, tanto de indivíduos como de empresas. O princípio básico aqui parece ser a adoção de uma perspectiva privatista e individualista, capaz de substituir e redefinir o significado coletivo da participação social. A própria idéia de “solidariedade”, a grande “bandeira” dessa participação redefinida, é despida de seu significado político e coletivo, passando a apoiar-se no terreno privado da moral. Além disso, este princípio tem demonstrado sua efetividade em redefinir um outro elemento crucial no projeto participativo, promovendo a despolitização da participação: na medida em que essas novas definições dispensam os espaços públicos onde o debate dos próprios objetivos da participação pode ter lugar, o seu significado político e potencial democratizante é substituído por formas estritamente individualizadas de tratar questões tais como a desigualdade social e a pobreza.

O OPD a partir de um modelo democrático hegemônico pouco aproveita o potencial das TICs e parece claramente vinculado ao projeto neoliberal.