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Discussão do resultado referente à percepção de injustiça pelos adolescentes

CAPÍTULO VI – Discussão e Considerações Finais

6.1 Discussão do resultado referente à percepção de injustiça pelos adolescentes

A análise dos dados demonstrou que a maioria das situações de agressão perpetrada contra diferentes vítimas foi percebida como injusta pelos respondentes. Todavia, o resultado referente à agressão cometida contra o travesti não demonstrou diferença entre a freqüência de respostas acerca do julgamento de justiça e injustiça. O fato de ter sido expressivo o percentual daqueles que consideraram a agressão justa permite supor que o julgamento dos participantes pode ter sido influenciado pelo preconceito. Ao contrário do que se esperava, a injustiça parece ser tolerada e legitimada ao considerar o grupo de pertença no qual o ator social encontra-se inserido.

No que diz respeito especificamente à percepção da injustiça, observou-se que os resultados demonstraram parecer existir um forte consenso da percepção da injustiça como uma violação aos direitos humanos. Na situação de agressão à empregada doméstica e à prostituta ocorreu uma ênfase no direito à integridade física (não ter direito de agredir) e no direito ao respeito, à dignidade humana; na situação do homossexual, a ênfase foi no direito e/ou liberdade de escolha; na situação do menor apenado que não participou da rebelião, a ênfase foi no direito à liberdade e direito a vida, e na situação do menor apenado que participou da rebelião, a ênfase foi no direito à vida. Essas ênfases apontam para os três princípios fundamentais dos direitos humanos que englobam os valores supremos da igualdade, da liberdade e da fraternidade entre os homens, considerando que todos os seres humanos têm direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal. Nesse sentido, estes dados podem sugerir que está ocorrendo uma adesão e interiorização dos direitos humanos. Contudo, percebe-se

147 que na situação de agressão ao travesti, ele não é considerado por cerca de 50% um sujeito de direito.

Nesse sentindo, a ênfase recai na dificuldade em definir a injustiça na situação de agressão perpetrada contra o travesti, o que pode refletir preconceito, o que leva a concluir que não está ocorrendo uma interiorização dos direitos humanos. Uma justificativa a ser dada para esse aparente consenso em considerar a injustiça como a violação dos direitos humanos, é que ele pode refletir a influência da desejabilidade social dos participantes nos julgamentos sobre as situações de agressões apresentadas. Neste caso, os respondentes podem ter levado em consideração o fato de que as vítimas, exceto o travesti, eram consideradas “socialmente aceitas” e possíveis sujeitos de direito.

Corroborando a interpretação dada aos julgamentos sobre a agressão contra o travesti, verificou-se que os respondentes que consideraram a agressão justa, enfatizaram o fato de ele estar agindo contra as convenções sociais e o criticaram por ele estar se prostituindo. Essa percepção parecer estar baseada em um julgamento primitivo em relação à justiça, já que se esperava que os adolescentes elaborassem seus julgamentos estribados nas condutas contrárias à desigualdade e não nas condutas consideradas contrárias às normas socialmente aceitas. Neste sentido, considera-se que a percepção de injustiça não é livre de vieses; pelo contrário, independente do nível de desenvolvimento cognitivo em que o sujeito se encontra, seu posicionamento parece não encontrar-se dissociado de sua experiência diária, de suas relações sociais, nem de suas heranças culturais e históricas. Nesta direção, sugere-se que a situação de agressão perpetrada contra o travesti fez emergir representações já cristalizadas em relação a ele próprio, o que pode ter mobilizado o surgimento da expressão do sentimento de preconceito.

148 Confirmando a hipótese de que a situação de agressão perpetrada contra o travesti fez emergir sentimentos de preconceito, observou-se que os homens, mais do que as mulheres apresentaram dificuldade em definir a injustiça no contexto dessa situação, o que pode refletir não apenas o preconceito como também a posição machista diante da situação apresentada. Este resultado parece ir em direção contrária ao encontrado por Menin (2005), que constatou que as meninas tendem a assumir posições mais severas sobre os julgamentos de histórias ou sobre a conceituação de injustiça.

Os resultados desta análise, considerando os tipos de escola, não corroboraram os estudos realizados por Menin (2005) ao investigar as concepções de justiça e injustiça entre os adolescentes de escola pública e particular. Ela verificou que os alunos da escola pública, que tinham pais em profissões de baixos salários e residentes em bairros de exclusão social, apresentaram dificuldades para definir injustiça, e, ainda ressaltou que é como se eles não enxergassem injustiças, ou, em as enxergando, não conseguissem descrevê-las. O resultado verificado na presente pesquisa revelou que os alunos da escola pública não demonstraram dificuldade para descrever a injustiça percebida na situação de agressão perpetrada contra as diferentes vítimas de agressão. Até mesmo na situação de agressão ao travesti, em que os resultados revelaram sentimento de preconceito para com a vítima, os alunos das escolas públicas, mais do que os das escolas particulares, consideraram injusto tirar do travesti o direito à liberdade de escolha.

É importante ainda destacar que, nas situações de agressão perpetradas contra a empregada doméstica e a prostituta, os adolescentes das escolas públicas, mais do que os das escolas particulares, perceberam a injustiça como uma violação ao direito de escolha e ao direito à integridade física, como também consideraram injusto julgar pela aparência. Neste caso, é provável que, para os estudantes da escola, pública esta

149 realidade social lhes seja mais familiar e conseqüentemente eles expressem maior sensibilidade para com as vítimas de agressão.

No que diz respeito à percepção da injustiça em função do sexo, os resultados desta pesquisa revelaram que, nas situações de agressão perpetradas contra a prostituta, o menor apenado que não participou da rebelião e o menor apenado que participou da rebelião, os homens, mais do que as mulheres, apresentaram dificuldades em perceber a manifestação da injustiça nestes contextos. Julga-se que essa dificuldade em perceber a injustiça pode encontrar-se vinculada a sentimentos preconceituosos, especificamente em direção a essas vítimas. A princípio, esse resultado pode revelar uma possível contradição, uma vez que, como dito anteriormente, os respondentes de maneira geral consideraram injusta a agressão perpetrada contra as vítimas. Neste caso, é provável que o posicionamento em geral reflita a influência da desejabilidade social, no sentido de ser considerado socialmente aceito perceber situações de agressão como injustas, contudo, quando se realizam análises mais detalhadas, verifica-se que, em situações em que é mais aceito socialmente perceber as agressões como injustas, elas então, são mais percebidas como justas. O preconceito, então, se manifesta de forma velada.

Já as mulheres, mais do que os homens, nas três situações de agressão referidas (prostituta, o menor apenado que não participou da rebelião e o menor apenado que participou da rebelião) expressaram mais tolerância e sensibilidade em relação às vítimas. Nesse sentido, esses resultados vão em direção contrária ao encontrado por Menin (2005), que constatou que as meninas tendem a assumir posições mais severas sobre os julgamentos de histórias ou sobre a conceituação de injustiça.

É importante destacar que os adolescentes perceberam a injustiça levando em consideração cada situação em particular. Nesse sentido, pode-se sugerir que a equidade

150 parece ter sido ressaltada, pois as respostas assemelharam-se à noção, defendida por Piaget (1994), de que, em crianças maiores, é comum a manifestação de atitudes que se caracterizam pelo sentimento de equidade, em que o que é justo não é mais concebido como igualdade absoluta entre os indivíduos, mas o justo é considerado relativo à situação particular de cada um.

6.2 Discussão do resultado relativo à análise confirmatória do Questionário de

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