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A estrutura da coordenação dos programas é bastante díspar, e no presente estudo, pôde se avaliar que os treinamentos do Brasil e da Colômbia dispõem de uma relação treinando/tutor de 1:1, enquanto o da Argentina e Peru essa relação é de 9:1 e de 3,3:1 respectivamente. Não há, descrito na literatura, um número estabelecido de staff ou tutores em relação ao número de treinandos, que se apresenta bastante variado (46). Autores relatam a importância de que o tutor ou supervisor tenha não somente a capacidade técnica mas também capacidade de fortalecer parcerias e fluxos de comunicação dentro do sistema de saúde, a fim de garantir um sistema mais flexível para responder a possíveis emergências (97,98).

Ressalta-se que no Brasil e na Colômbia, existem tutores que não pertencem diretamente à coordenação do programa. Por isto, não foram contabilizados como staff das coordenações do programa. Entretanto, esses profissionais pertencem a outras áreas da instituição em que o treinando está alocado e, estando envolvidos no processo de tutoria e supervisão, contribuindo com seus respectivos sistemas de saúde.

A relação dos programas de FETP como estratégia para resposta às emergências em saúde pública de importância nacional e internacional é destacada por diversos autores (12,20,99,100). Comumente os programas dispõe de listas de eventos que tiveram grande destaque e que o programa de FETP teve uma importante atuação (14,99,101). Nesse contexto, todos os programas estudados relataram integração com seus respectivos CNE. No entanto, os programas não dispõem de dados sistematizados sobre o quantitativo de possíveis emergências em saúde pública que ocorreram em seu país, bem como o número de treinandos envolvidos nelas. Isso dificulta a mensuração do papel do FETP nas respostas às emergências em saúde pública e sugere que a integração relatada precisa ser aprimorada.

A aceitação de diferentes profissões nos programas de epidemiologia de campo vem sendo ampliada. O programa colombiano é o único que não restringe acesso a diferentes profissionais, possibilitando que o profissional exerça o treinamento direcionado a sua área de expertise. Essa restrição de algumas profissões por parte dos outros programas ocorre possivelmente devido conservadorismo e à dificuldade de encontrar tutoria qualificada e currículos de formação adequados às especificidades profissionais. Isto influencia a não estruturação dessa área de conhecimento. Esse ponto é bastante relevante considerando a importância da interdisciplinaridade no setor saúde e nas diversas profissões que o compõe. Programas como o dos EUA apresentam uma flexibilidade a outras profissões, desde que, o indivíduo tenha concluído mestrado e tenha experiência em campo relacionado à saúde, informática, estatística ou ciências sociais (102). Buffington et al. e Samaan et al. (102,103) relataram exemplos da importância de profissionais especializados para o uso de sistema de vigilância de rumores na internet e de análises de grandes bases de dados.

Como destacado na introdução desse estudo, esse tipo de treinamento foi estabelecido inicialmente nos EUA e depois replicado em vários países. No entanto, foi sofrendo adaptações a cada realidade local. Parte dessa diferenciação, pode ser avaliada pela heterogeneidade da carga horária teórica e prática, bem como o número de produtos exigidos dos treinandos em cada país.

No treinamento da Argentina e do Brasil a carga horária teórica é de 900 horas, o que representa respectivamente 31% e 25% da carga total (curso introdutório e outros cursos de curta duração somados). No treinamento da Colômbia e Peru a carga horária teórica cai para 400 horas, que correspondem a 16,5% e 10,5% respectivamente. Vale destacar que embora a carga horária total do treinamento peruano seja maior dentre todos programas estudados, também é a menor no que diz respeito a sua dimensão teórica.

A proporção ideal de tempo do treinamento dedicado as atividades práticas em serviço não está definida, mas é uma das diferenças marcantes do FETP e de outros treinamentos. A TEPHINET vem construindo um processo de acreditação onde, na versão preliminar, o mínimo proposto para atividades práticas em serviço é de 65% da carga horária total do treinamento. Dessa forma, apesar de apresentarem grande variação na carga horária teórica e prática, todos os programas da América do Sul estudados atendem ao critério em construção pela TEPHINET (104).

As competências que se propõe serem ensinadas em cada programa apresentam grande homogeneidade e se assemelham ao currículo proposto internacionalmente (44,48). De todo modo, observam-se algumas nuances. O treinamento da Argentina não inclui competências de gestão e liderança, entretanto os graduados desse programa relataram ter desenvolvido essa competência. No programa do Brasil não há o uso de laboratório para saúde pública e biossegurança, e no do Peru não há competências relacionadas à prevenção, efetividade e cobertura vacinal. De qualquer forma, essas atividades são competências inter-relacionadas, sendo pouco provável a conclusão do treinamento sem que parte dessas competências sejam desenvolvidas. Logo, a padronização dos currículos é importante para o desenvolvimento de materiais de ensino e o consequente fortalecimento dos programas.

Quando analisados os produtos do treinamento, percebe-se que existe certa diversidade entre os programas, entretanto, há um núcleo central que se repete em todos eles. Segundo BAKER JR et al.(4), dois aspectos são considerados como capacidades essenciais para a resposta oportuna a emergências em saúde pública: a investigação de surtos e de emergências em saúde pública e a avaliação de sistema de vigilância em saúde. Ambos, fazem parte desse núcleo central nos quatro programas avaliados.

O treinamento em epidemiologia de campo é essencialmente desenvolvido em equipe e a capacidade de liderança de equipes é uma competência importante dos programas. No entanto, somente o programa colombiano exige que todo treinando realize uma atividade em equipe.

Todos os programas relatam acesso às referências bibliográficas. O acesso a referências bibliográficas é de grande importância para que os treinandos possam buscar informações de maneira rápida sobre diferentes agentes etiológicos, sua história natural, fatores de risco, metodologia de prevenção e controle de cada evento, principalmente daqueles considerados como causadores em potencial de emergência em saúde pública. Tudo isso deve ocorrer de maneira rápida e consistente no tempo necessário à investigação. Os livros ofertados pelos programas da Argentina e Brasil, visam estimular e auxiliar no processo de aprendizagem sobre epidemiologia, e segundo Bhopal esses materiais estão entre os livros considerados como básicos para formação em nível de mestrado (105). Livre que seria suficiente se aliados ao acesso a artigos científicos. O acesso a esses artigos é referido como rotineiro por todos os programas, mas não foi possível mensurar o tempo entre o pedido e o acesso ao artigo, questão fundamental quando se pensa em resposta a emergências de saude publica.

A taxa de resposta referente ao inquérito de graduados desse estudo foi de 74,5%, menor que a obtida em inquérito com graduados nos EUA, onde a taxa foi de 90% (106). Todavia, a taxa do presente estudo foi maior quando considerados outros inquéritos com profissionais de saúde como o realizado por Joiner et al.(107) que obteve 36% de resposta e Kellerman e Herold que apontam em seu artigo de revisão bibliográfica taxas de resposta entre 25% e 46% (108). Já Tambor et al., obteve uma taxa de resposta de 79%, próxima à encontrada no presente estudo (109).

Quando analisada a taxa de resposta dos egressos segundo país de treinamento, observou-se que a mais baixa foi dos graduados do Peru, com uma perda de 40%. Os outros programas tiveram taxas acima de 80% na Argentina e Brasil e de 70% na Colômbia. Parte da baixa resposta obtida no Peru e em menor parte na Colômbia, podem ser explicadas pela maior idade média atual dos graduados e que grande parte já não estão mais atuando diretamente no sistema de saúde. Outro aspecto que pode ser responsável pela baixa taxa de resposta do programa peruano é o fato da coordenação do programa não possuir uma lista de contatos atualizada. Por esse motivo, foi necessária a busca de contatos através de redes sociais e internet, fato que também pode ter dificultado o alcance de todos. Essa baixa taxa de resposta do programa peruano e em parte no colombiano pode ter resultado em alguns vieses de informação na interpretação dos resultados desses programas.

Constata-se pela média de idade dos profissionais ao ingressarem no programa, que são em sua maioria, profissionais em início e meio de carreira. Considerando que em geral os programas selecionam pessoas que já atuam em saude publica, isso se torna relevante, na medida em que esses profissionais já possuem alguma experiência em serviço para respondem às emergências em saúde pública, e ainda, contribuem posteriormente como mentores na formação de novos profissionais e no fortalecimento dos sistemas de saúde (110). O desafio para os programas sul-americanos, assim como apontou Thacker et al. nos EUA, está em estudar e equalizar aspectos como gênero, raça, deficiências físicas e outros aspectos que permitam uma formação profissional para esses grupos mais vulneráveis (106). No Programa do Peru, a maioria dos graduados são formados em medicina. Na Argentina e Colômbia os médicos representam metade dos graduados. O caso brasileiro chama atenção, pois o número de médicos que ingressam no programa é menor que o de enfermeiros e veterinários, possivelmente, devido as melhores remunerações encontradas

por médicos em outras áreas de atuação ou mesmo a falta de estímulo para que esses profissionais se dediquem a área de saúde coletiva (111).

É grande o número de médicos veterinários que cursam o treinamento do Brasil. Este profissional é considerado estratégico no setor saúde para gestão, tomada de decisão e apoio a vigilância e controle de zoonoses e doenças de veiculação hídrica e alimentar. Em outros países, essa representação é menor, ou quase nula, como se observa no treinamento do Peru. A ausência desses profissionais no programa de treinamento, fizeram com que outros países desenvolvessem uma estratégia específica para atrair esses médicos veterinários (112). Essa ações reforçam as recomendação da iniciativa O e Health , que propõe maior integração entre órgãos de saúde humana, animal e de meio ambiente (113,114).

A diversidade de profissionais que ingressam nos programas da América do Sul é maior do que nos países africanos Zimbábue e Uganda, onde a maioria - 54% e 77% respectivamente é formada por médicos, seguido de bacharéis em ciências (43% e 8%) e médicos veterinários (2% e 1%) (115).

Essa mesma diversidade no programa norte americano possui proporção muito maior. Verifica-se que os médicos são 78% dos graduados, seguido de médicos veterinários com 8%, profissional de saúde pública e epidemiologistas com 5% e estatísticos e enfermeiros cerca de 2% cada. Também podem participar outro profissionais como biólogos, engenheiros, sociólogos, farmacêuticos, dentistas que representam menos de 1% cada (25). A interdisciplinaridade nas ações de saúde pública e epidemiologia são apontadas como essenciais pra melhoria da resposta e da construção de novos conhecimentos (113,116).

Quanto aos tipos de investigações conduzidas pelos treinandos, em sua maioria se restringe a doenças infecciosas, sugerindo uma relação semelhante ao ocorrido nos EUA com o programa EIS (FETP-EUA). Em seus primeiros 30 anos, o EIS restringiu-se à investigação de

enfermidades causadas por agentes infecciosos, mas, com o tempo, ampliou seu escopo de trabalho para outras áreas como é o caso de desastres e doenças não infecciosas (26). A importância dos eventos não infecciosos é destacada no Regulamento Sanitário Internacional devido ao fato de também impactar na saúde da população e exigir uma resposta coordenada (117). Exemplos de importantes emergências em saúde pública não infecciosas podem ser citados para exemplificar a importância do engajamento dos FETP neste tipo de evento, como o Tsunami em 2004 na Tailândia (118), o furacão Katrina nos EUA em 2005 (119), ou mesmo a contaminação do leite por melanina que ocorreu na China em 2008 (120).

Observou-se no presente estudo que na maioria das investigações conduzidas pelos treinandos do Brasil fez-se uso de metodologias analíticas, enquanto os outros programas tiveram uma proporção menor desse tipo de metodologia. A aplicação de métodos epidemiológicos analíticos durante as investigações, pode permitir a identificação de novos agentes infecciosos, de fatores associados e de risco ainda não descritos, assim como determinar com mais eficiência medidas de prevenção e controle para os agravos (121).

Os graduados da Argentina publicaram cerca de 22% de suas investigações, resultado inferior ao da Colômbia, Brasil e Peru que apresentaram 71%, 56% e 42% de suas investigações publicadas respectivamente. Ressalta-se que a maioria das publicações dos três últimos países, foi em revistas não indexadas, o que pode limitar o acesso a esse conhecimento pelos profissionais de saúde. Lindegren e Ward, relatam a história do boletim epidemiológico dos CDC, um dos poucos indexados (122). Fato esse que chama atenção para a importância da indexação dos boletins epidemiológicos institucionais afim de facilitar o acesso rápido às informações de saúde pública.

Além disso, anualmente a TEPHINET, os CDC, o ECDC e governos nacionais, realizam conferências a fim de comunicar os resultados das investigações à comunidade científica,

além disso, promovem a integração entre os programas e a troca de experiências (17,29,123– 125).

A retenção de profissionais nos serviços de saúde pública é sempre um grande desafio para os sistemas de saúde (110). No presente estudo, 77,3% dos graduados da Argentina, 68,5% do Brasil, 43,6% da Colômbia e 78% do Peru, continuam a trabalhar no sistema público de saúde do país, principalmente em nível nacional, independentemente da forma de contratação, ou seja, os programas têm conseguido formar e reter recursos humanos para a saúde pública. No entanto, a seleção e treinamento de profissionais que se concentram no nível nacional pode dificultar ou retardar a detecção e resposta de emergências em saúde pública devido ao distanciamento do nível local, onde se iniciam e ocorrem as emergências.

Os programas de FETP de Zimbábue e Uganda graduaram 261 profissionais entre 1993 e 2004, a retenção nos países de origem foi de 85%, sendo 47% no Ministério de Saúde, 18% em organismos não governamentais (ONGs), 11% em universidades, 10% em agências internacionais, 6% em governos locais, 4% no setor privado e 3% em outros ministérios (115).

Sobre a permanência no país, no qual o profissional realizou o treinamento, verificou- se que em todos os programas houve retenção maior que 90%, resultado semelhantes aos encontrados na África que foi de 85% (115).

Em relação ao local de trabalho, na América do Sul, diferente do que ocorre nos EUA, a taxa de retenção dos graduados de programas de FETP é maior na instituição formadora - Ministérios da Saúde, com cerca de um terço, e o outro terço atuando em serviços de saúde estaduais e municipais. A atuação profissional dos graduados em outras agências do governo também é mais expressiva que nos EUA (25,101,106).

A proporção atuando em universidades e na iniciativa privada é maior no programa da Colômbia e semelhante ao que ocorre nos EUA, fato que poderia ser explicado pelo avanço

da idade dos profissionais que tendem a migrar do governo para instituições acadêmicas (25,101,106). Outra possível explicação é a ocorrência de processos de ruptura na política de gestão da instituição que possam ter levado a uma evasão do recurso humano formado (126). Apesar de no presente estudo a relevância da investigação ter sido caracterizada pelos graduados, o que poderia não representar a mesma classificação feita pelo CNE, os resultados apresentados sugerem o FETP como um importante recurso para atuar nas emergências em saúde pública de importância nacional e internacional. Mesmo no Brasil, onde a relevância das investigações demonstrou ser menor, pode-se interpretar esse envolvimento em eventos de importância local, como uma maior sensibilidade do sistema. Essa alta sensibilidade para detecção de eventos pode servir de exercício prático para que os profissionais estejam preparados para a contenção de emergências de maior relevância.

O número de treinandos formados pelos programas da região é escasso quando considerada a estimativa de necessidade de um epidemiologista de campo para cada 100 mil habitantes (127). Considerando somente os graduados formados no programa, até o momento teríamos 0,1, 0,05, 0,2, 0,4 epidemiologistas por cem mil habitantes na Argentina, Brasil, Colômbia e Peru, respectivamente. Logo, faz-se necessário garantir seleção anual e um quantitativo de profissionais que atendam as demandas dos sistemas de saúde de cada país (5). Estratégias como a formação em formato piramidal, poderiam ajudar na ampliação e capacitação dessa força de trabalho. (30)

No presente estudo constatou-se que em alguns anos não houve seleção para ingresso de novos treinandos, com exceção do programa argentino. Essa lacuna sugere que possa ter ocorrido momentos em que os sistemas de vigilância desses países não puderam contar com essa força de trabalho para investigação. Esses intervalos de tempo sem seleção de novos profissionais, sugerem a ausência de entendimento do programa de treinamento como um

serviço constante prestado pelo sistema de saúde. O não entendimento disso pode ser decorrente do nome dado ao programa internacionalmente. Nos EUA a compreensão do programa é de serviço, que por sua vez é incorporado ao sistema de saúde. Nos programas sul-americanos é intitulado como programa de treinamento, muitas vezes entendido somente como questão de capacitação. Assim, é importante que os gestores compreendam essa dualidade, no qual os programas estão incorporados a rotina dos serviços de saúde e garantem, quando ocorre seleção anual, uma rede de profissionais qualificados e com experiência prática para responder as demandas crescentes de RH que uma emergência pode requerer.

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