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PARTE 2- ESTUDO DA PREVALÊNCIA DAS PRINCIPAIS AFECÇÕES PODAIS EM

4. Discussão

A prevalência de animais claudicantes na exploração A foi de 58.3% e na exploração B de 49.2% (P>0.05). O que se encontra bastante acima da média dos 20% (a nível mundial) lançados por Bielfeldt et al. (2004), Cook e Nordlund (2009) e Phillips (2010). Contudo será mais correcto comparar os resultados obtidos no presente estudo com os de Haskell et al. (2006); estes referem uma prevalência de 39% em explorações free stall nas quais os animais aí permanecem todo o ano (condições semelhantes às das explorações A e B). Bielfeldt et al. (2004) apontam, para este mesmo sistema de produção, valores entre 2% e 22%. Frankena et al. (2009) dizem-nos que a prevalência de claudicação pode ir de 24% a 46% e Tadich et al. (2010) 8% a 60% consoante as explorações; o que já se enquadra com os valores por nós obtidos, e aponta para uma grande variabilidade de prevalência entre explorações. Frankena et al. (2009) referiram que os pisos em cimento compacto (em particular os sulcados) apresentam uma média de 40.6% de prevalência de claudicações.

A alta prevalência de claudicação no pesente estudo, em ambas as explorações, pode em parte explicar-se devido a um n reduzido, comparativamente com os estudos citados; salientamos o facto de o piso, tanto em A como em B, ser em cimento, e o aumento da exposição das unhas ao cimento estar associado a um risco aumentado de claudicação (Stefanowska et al., 2001; Cook, 2008; Norring et al., 2008; Cook e Nordlund, 2009). Num período inicial, após ser aplicado, o cimento não é muito escorregadio (Phillips, 2010), contudo devido ao desgaste provocado pelo seu uso, e quando húmido, torna-se mais escorregadio (van der Tol et al., 2005; Telezhenko et al., 2006). A sua abrasividade é reduzida após 2 anos de uso (Ouweltjes et al., 2008), ambas as explorações têm mais de 2 anos, pelo que o piso desgastado e escorregadio pode estar relacionado com estes elevados valores de claudicação. Além disso, sendo a claudicação uma condição latente em todo o gado de alta produção leiteira, desvalorizar este problema e a falta de programas preventivos expõem o sistema produtivo a importantes perdas económicas (Rama, 2006); o que nos leva a questionar se o maneio e a profilaxia aplicada são correctos e suficientes, pois a maioria dos proprietários subestima os níveis de claudicação nas suas explorações (Rutherford et al., 2009; Archer et al., 2010), descurando esta problemática. Relembramos, que a escolha destas explorações não foi aleatória, mas deveu-se ao facto de ter ocorrido uma diminuição da produção leiteira média diária associada ao registo de um elevado número de animais com claudicação de origem podal.

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De facto, a claudicação é, nos dias de hoje, um problema extremamente sério na indústria leiteira (Phillips, 2010). Contudo muitas explorações mostram que é possível ter um grande efectivo de animais de alta produção leiteira em estabulação livre e manter um nível de claudicação razoavelmente baixo (Rutherford et al., 2009). O que indica ser teoricamente possível e economicamente desejável a diminuição dos níveis de claudicação em ambas as explorações A e B para níveis mais comportáveis com o bem-estar e óptimo rendimento animal.

A claudicação representa o sinal de uma enorme variedade de problemas subjacentes, embora a maioria seja causada por problemas podais (UFAW, 1994; Frankena et al., 2009). No nosso estudo na exploração A, apenas dois animais claudicavam por lesões de origem não podal, enquanto na exploração B todos os animais claudicavam devido a causas podais; confirmando que os problemas podais são a principal razão de claudicação, de acordo com os valores apontados por vários autores: 72% (Frankena et al., 2009); 80% (Blowey e Weaver, 2003; Weaver et al., 2005); 90% (Mülling e Greenough, 2006) dos animais com claudicações. Espejo e Endres (2007) constataram uma maior prevalência de claudicação nas explorações que apenas tratavam a patologia podal comparativamente a explorações que tratavam as unhas de todas as vacas uma ou duas vezes por ano. As lesões podem até se resolver sem nunca causarem claudicação. Contudo, pode ser que o tratamento de lesões em vacas não claudicantes previna a sua claudicação (Tadich et al., 2010). Será que seria uma solução interessante com vista a baixar a prevalência de claudicação com origem podal nas explorações em estudo: aparar os cascos como medida profilática ao invés de terapêutica (actual situação em ambas as explorações)?

Por outro lado, as condições dos caminhos calcorreados pelas vacas podem influenciar a prevalência de claudicação numa exploração (Phillips, 2010). As diferenças a nível comportamental e produtivo entre pisos de cimento compacto versus pisos de cimento ripado são na sua maioria insignificantes, mas o piso em cimento compacto (liso ou com estrias) foi considerado mais desconfortável (Ouweltjes et al., 2008). De facto, o desconforto do gado bovino tem sido associado a taxas elevadas de claudicação no maneio intensivo do gado leiteiro (Mülling et al., 2006; Cook, 2008; Cook e Nordlund, 2009). Além disso, frequentes passagens do dispositivo que remove os excrementos e lama do piso em cimento compacto leva ao desgaste da superfície (Hinterhofer et al., 2006; Phillips, 2010) sendo muito escorregadios (Stefanowska

et al., 2001; Ouweltjes et al., 2008), o que explica o desconforto experimentado pelos animais

(Stefanowska et al., 2001; Phillips, 2010). Será, então, que os nossos valores de prevalência de patologias de origem podal reflectem estes argumentos (desconforto e maior probabilidade de

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escorregar em piso liso)? Frankena et al. (2009) recomendam mais estudos para apurar as diferenças entre pisos de cimento compacto e ripado.

Em 50% da claudicação com origem nos dígitos o tecido córneo está envolvido e em 50% a pele, que na maior parte das vezes se traduz em dermatite digital (Weaver et al., 2005). A prevalência de dermatite digital é de 20% segundo Weaver et al. (2005); 21% nos estudos de Laven e Logue (2006); 39.5% para Frankena et al. (2009) podendo, segundo estes autores e Somers et al. (2005), atingir os 50% em explorações de piso em cimento (o cimento é um factor relevante que influência a prevalência de doenças podais de origem infecciosa (Somers et al., 2005). Contudo a variação da prevalência de dermatite digital entre explorações é muito acentuada, podendo variar de 2% a 93% (Somers et al., 2005). Deve-se ter em consideração que muitas das vezes estas lesões não originam claudicação (Tadich et al., 2010); por exemplo, Berry (2006) relata que apenas certos estados de dermatite digital causam dor, e segundo Tadich et al. (2010) cerca de 11% das úlceras da sola não causam claudicação. Remetendo-nos aos nossos resultados, a exploração A encontra-se dentro dos 50% - 50% referidos anteriormente (fenómenos laminíticos: 52.8% e dermatites (inter)digitais: 51.4%. Já na exploração B, esta proporção não foi encontrada, destacando-se a elevada prevalência de dermatite (inter)digital (fenómenos laminíticos em 49.2%, e dermatites (inter)digitais em 89.8%).

Nos locais onde a prevalência da dermatite digital se encontra acima dos 20%, teremos problemas com a produtividade da exploração, taxa de reprodução, estado de saúde dos animais e taxa de refugo (Zemljic e Pocehova, 2008); pelo que o caso da exploração B é deveras preocupante; devem, pois, ser tomadas medidas sistémicas e não só o tratamento individual dos animais (Zemljic e Pocehova, 2008). Somers et al. (2005) referem uma maior prevalência de dermatite (inter)digital e erosão dos talões em vacas alojadas em cimento compacto; nos estudos de Stefanowska et al. (2001), ficou explícito que o piso em cimento compacto acumula mais fezes do que o ripado. Zemljic e Pocehova, (2008), concluíram que sem melhoramentos substanciais no conforto e higiene das camas e exploração em geral não é possível eliminar a dermatite digital de uma exploração, visto que condições que mantenham as patas sujas e constantemente molhadas são os factores de risco de maior contributo para esta doença (Laven e Logue, 2006; Boyle et al., 2007). Como tal seria interessante medir o grau de humidade e fazer uma zaragatoa para cultura bacteriana dos corredores de passagem em ambas as explorações, de forma a confirmar se esta pode ou não ser uma importante causa para a diferença entre os valores de prevalência de dermatite (inter)digital na exploração A (piso em cimento ripado) e B (piso em

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cimento compacto liso), visto que os pavimentos que promovem melhor higiene do casco aparentam menos casos de doenças podais infecciosas (Berry et al., 2004; Mülling et al., 2006).

Fenómenos laminitos (expressos sobretudo sob a forma de úlcera da sola) têm aumentado desde que o cimento tem sido usado para pavimentar as explorações (Mülling et al., 2006). As lesões na linha branca são mais prevalentes em sistemas free-stall (Bielfeldt et al., 2004). Segundo estudos de Tadich et al. (2010), 65% dos animais apresentam lesão na linha branca. Mas como vimos anteriormente nem todas as lesões se reflectem em claudicação. Muitos animais têm mais do que um tipo de lesão nas suas patas, podendo a causa de claudicação ser uma das ou todas as lesões presentes (Tadich et al., 2010). É de interesse encontrar materiais alternativos para os pisos, por exemplo, materiais que apresentem maior atrito e que sejam mais moles do que o cimento (Stefanowska et al., 2001; Tucker et al., 2006) com o objectivo de diminuir a ocorrência de tais lesões. Explorações que corrigem rotineiramente os cascos de todos os animais apresentam uma menor incidência de claudicação de origem não infecciosa (Mülling

et al., 2006).

Enquanto que na exploração A foi observada uma prevalência de fenómenos laminiticos semelhante à exploração B, na exploração B (cimento liso) observou-se uma maior prevalência de dermatite (inter)digital do que na exploração A (cimento ripado). O que está de acordo com Somers et al. (2005), os quais dizem que vacas em cimento compacto (liso ou com estrias) têm maior risco de dermatite digital, comparativamente com cimento ripado. A higiene dos pisos em cimento liso (tal como o da exploração B) é uma importante e dificil tarefa (Bergsten, 2004). Segundo Stefanowska et al. (2001) e Bergsten (2004), a passagem do dispositivo a cada duas horas não é suficiente para uma limpeza desejável e redução da humidade. A higiene das superfícies é um factor chave que pode agravar os problemas de claudicação de origem infecciosa (Cook e Nordlund, 2009). Pisos duros com elevado índice de fricção causam um elevado desgaste do casco das unhas, especialmente quando sujeitos a condições húmidas (Telezhenko et al., 2008).

Relativamente à distribuição das lesões podais na origem da claudicação, os nossos resultados corroboram a bibliografia, sendo que, dos animais afectados por fenómenos laminíticos, ocorreram 79.0% (exploração A) e 72.4% (exploração B) nos membros posteriores. Segundo Blowey e Weaver (2003) e Weaver et al. (2005) 80% da claudicação com origem podal tem origem nos membros posteriores. Fenómenos laminitos (expressos sobretudo sob a forma de úlcera da sola) localizam-se tipicamente no membro posterior (Weaver et al., 2005; Phillips, 2010; Tadich et al., 2010). Esta elevada ocorrência observa-se porque os membros posteriores

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estão sujeitos a suportar uma maior carga, sofrendo como tal, mais pressão sobre o corium (Stefanowska et al., 2001; Frankena et al., 2009; Phillips, 2010).

Em conclusão, foi observado uma prevalência similar de claudicação em ambas as explorações. O factor tipo de pavimento parece não ter influenciado o tipo de patologia do casco, no caso dos fenómenos laminíticos. No entanto, foi observada uma maior prevalência de dermatite (inter)digital na exploração de piso liso. São necessários mais estudos para determinar a natureza causal exacta para o diferente risco entre explorações deste tipo, nos quais se sugere o maneio zootécnico.

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