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Neste trabalho foi avaliado o efeito da maitenina, um triterpeno quinonametídeo extraído de Maytenus ilicifolia, sobre linhagens de carcinoma de colo uterino infectada por HPV-16 (SiHa), não infectadas pelo vírus (C-33 A) e queratinócitos humanos imortalizados (HaCaT). Na primeira etapa deste estudo mostrou-se que a maitenina é citotóxica em relação as três linhagens avaliadas, com CI50 de 3,26µM, 8,49µM e 3,09µM para as linhagens SiHa, C-33 A e HaCaT, respectivamente, no tempo de 24 horas. Portanto, SiHa e HaCaT apresentaram sensibilidade semelhante com 24 horas de tratamento, enquanto a linhagem C- 33 A mostrou-se mais resistente. Em contrapartida, a linhagem SiHa mostrou-se mais sensível que a linhagem HaCaT no tempo de 12 horas em uma concentração próxima ao CI50, demonstrando uma possível seletividade da maitenina para a linhagem infectada por HPV-16 (SiHa).

Outros estudos já foram realizados com a maitenina e demonstram seu potencial como droga anticâncer. NGASSAPA et al., 1994, utilizou a maitenina extraída da planta KoKoona ochracea e demonstrou a citotoxicidade do composto utilizando o ensaio de sulforodamina B, frente a diversas linhagens celulares sendo elas: P-388 (leucemia), BC-1 (câncer de mama), HT-1080 (fibrosarcoma), KB (carcinoma epidermóide oral humano), A431 (carcinoma epidermóide humano), U373 (glioblastoma), LU-1 (pulmão), MEL-2 (melanoma), KB-v1 (KB resistente à vimblastina), ZR-75-1 (mama) e LNCaP (próstata). Em um outro estudo, YELANI et al., 2010, utilizou a maitenina extraída da planta Elaeodendron croceum e demonstrou a citotoxidade do composto através do ensaio de XTT (yellow tetrazolium salt) frente a 4 linhagens celulares sendo elas: células Vero (rim de macaco verde), HeLa (câncer cervical), SNO (esôfago humano) e MCF-7 (câncer de mama). Demonstrou ainda que a substância foi 3.4 vezes mais tóxica para células HeLa e SNO e oito vezes mais tóxica para MCF-7 em relação às células Vero, indicando uma possível seletividade da substância.

Na tentativa de identificar prováveis vias de ação da maitenina envolvida nos efeitos citotóxicos avaliou-se padrões de morte celular induzida (apoptose e/ou necrose), alterações no ciclo celular, genotoxicidade, mutagenicidade e taxa de proliferação das três linhagens avaliadas neste estudo (SiHa, C-33 A e HaCaT).

Dentre os diversos tipos de morte celular, apoptose e necrose são os mais conhecidos e estudados. A apoptose é uma forma de morte celular rigorosamente controlada desencadeada por excesso ou falta de estímulos de crescimento celular, proliferação e até mesmo dano celular (BRAS et al., 2005). Alterações morfológicas típicas ocorrem no processo de apoptose

tais como encolhimento celular, picnose, formação de blebbings de membrana, fragmentação do DNA, cariorrexe e formação de corpos apoptóticos. O processo apoptótico não causa reação inflamatória, pois as células apoptóticas não liberam seu conteúdo no tecido circundante e são rapidamente fagocitadas por macrófagos (ELMORE, 2007). Em contrapartida, a necrose é definida como um tipo violento de morte celular, iniciada por estímulos ambientais que resultam em rápida desregulação da homeostasia (BRAS et al., 2005). Alterações morfológicas típicas ocorrem durante o processo necrótico, tais como inchaço celular, formação de vacúolos citoplasmáticos, formação de bolhas citoplasmáticas e ruptura de membrana celular. A perda de integridade de membrana celular resulta em liberação do conteúdo citoplasmático para o tecido circundante, com recrutamento de células inflamatórias com consequente inflamação tecidual (ELMORE, 2007). No presente estudo, foi observado que a maitenina induz morte celular mista, ou seja, por apoptose e necrose para as três linhagens avaliadas, o que pode decorrer da concentração e tempo utilizados. Observamos a predominância de apoptose para as linhagens SiHa e C-33 A e níveis similares de apoptose e necrose para a linhagem HaCaT. Dados da literatura mostram que apoptose e necrose podem ocorrer de forma independente, sequencial ou simultânea. Em algumas circunstâncias é o tipo de estímulo ou o grau de estímulo que determina o tipo de morte. Uma variedade de estímulos danosos, como por exemplo radiação e drogas cancerígenas podem induzir apoptose em doses baixas, mas estes mesmos estímulos podem induzir necrose em doses altas (ELMORE, 2007).

Não há dados na literatura sobre o tipo de morte celular causado pela maitenina. No entanto, existem dados sobre o tipo de morte causado por outros compostos da classe dos triterpenos quinonametídeos, que corroboram a ocorrência de morte mista com predominância de apoptose. COSTA et al., 2008, realizou análise morfológica com microscopia de fluorescência para avaliar o tipo de morte celular causada pela pristimerina (C30H40O4), triterpeno quinonametídeo, isolado de Maytenus ilicifolia em células HL-60 (leucemia promielocítica), e avaliou que a partir de 6 horas de tratamento com o composto houve uma redução no número de células viáveis e aumento do número de células apoptóticas, de uma maneira dependente da dose. Também realizou análises por citometria de fluxo e os resultados mostraram que a redução da viabilidade também ocorre com o tempo de exposição. WU et al., 2005 também mostrou que a pristimerina provoca indução de apoptose em células MDA / MB-231 (câncer de mama) através de análises por citometria de fluxo e coloração nuclear com Hoechst. BYUN et al., 2009 verificou que através do ensaio de anexina V / PI que a pristimerina (1µM) induz apoptose em três linhagens celulares de câncer de colo uterino

(SiHa, HeLa e Caski). CHEN, et al., 2011, avaliou o tipo de morte causado por celastrol (C29H3804), triterpeno quinonametídeo extraído da planta Tripterygium wilfordii através de citometria de fluxo e verificou que o composto induz morte celular por apoptose e necrose em células H1299 (carcinoma de pulmão) e HepG2 (carcinoma hepatocelular humano).

Adicionalmente, no tempo de 12 horas, a linhagem SiHa mostrou-se mais sensível que as linhagens C-33 A e HaCaT. Este resultado é interessante, pois reforça uma possível seletividade da maitenina para a linhagem infectada por HPV-16 (SiHa), uma vez que virtualmente todos os casos de câncer de colo uterino apresentam infecção pelo vírus HPV. Um potencial efeito seletivo também foi observado por YELANI et al., 2010 comparando diferentes células tumorais com células Vero (rim de macaco verde).

Para confirmar que a apoptose é uma das vias de morte celular envolvida na diminuição da viabilidade celular do tratamento com maitenina, conforme indicado pelo ensaio citomorfológico de Hoechst e iodeto de propídeo, realizamos o ensaio de ativação de caspase-3, uma protease intimamente relacionada à apoptose. A ativação da via de apoptose é um mecanismo essencial para que fármacos anticancerígenos destruam as células tumorais e ela pode ocorrer através de 2 vias principais: via extrínseca ou via intrínseca ou mitocôndrial (WU et al., 2005). Ambas as vias culminam na ativação de caspases, um conjunto de proteases de císteinas que são ativadas especificamente em células apoptóticas, sendo consideradas os executores centrais da via apoptótica (HENGARTNER, 2000). A via

extrínseca envolve o receptor de morte Fas e outros membros da família do fator de necrose tumoral que ativam a caspase-8, que por sua vez pode ativar diretamente a caspase-3 (caspase que participa da fase executora da apoptose) ou levar a clivagem de Bid, desencadendo assim via mitocondrial. Já a via intrínseca ou mitocondrial ocorre quando há a liberação de citocromo c das mitocôndrias, que vai interagir com Apaf-1 (fator 1 de ativação da protease apoptótica) e ativar a caspase-9. Caspase-9 ativa proteolíticamente a caspase-3, que quando ativada cliva uma grande quantidade de substratos incluindo poli (ADP-ribose) polimerase (PARP), uma enzima de reparação do DNA o que levará a morte celular inevitável (WU et al., 2005).

Para as linhagens SiHa e C-33 A não foi detectada a ativação de caspase-3 em nenhum dos tempos de tratamento analisados, sugerindo que a apoptose possa ocorrer através de um mecanismo independente de caspase. A apoptose independente de caspase ocorre quando um sinal, que normalmente induz apoptose, falha na ativação de caspases. Neste tipo de morte, ocorrem muitas características comuns à apoptose, como por exemplo a permeabilização da membrana mitocondrial externa. Em contrapartida, eventos dependentes de caspases como

externalização da fosfatidilserina (esta pode ou não estar presente) e condensação da cromatina em larga escala estão ausentes (TAIT & GREEN, 2008). Neste tipo de morte, outras proteases como calpaínas, catepsinas, endonucleases e AIF (apoptosis-inducing factor) podem induzir morte celular programada, sendo que outras organelas celulares, além das mitocôndrias, podem dirigir a morte celular, como retículo endoplasmático e lisossomos (BROKER et al., 2005).

Não há relatos na literatura sobre a ação da maitenina na ativação de caspase-3. Estudos com o celastrol (triterpeno quinonametídeo extraído da planta Tripterygium wilfordii) sustentam a hipótese que a morte celular por membros desta classe de substância possa acontecer independentemente de caspases. BORIDY et al., 2014 avaliaram a atividade da enzima caspase-3 em células de glioblastoma expostas ao celastrol e observaram que não houve ativação da enzima após o tratamento, sugerindo que a morte celular é independente de caspase-3. Em outro estudo, YANG et al., 2011 avaliaram a atividade de caspase-7,8 e 9 em células MCF-7 (câncer de mama) expostas ao celastrol e observaram que o tratamento promoveu a ativação dessas enzimas sugerindo que a morte celular é dependente de caspases. No entanto, também avaliaram a liberação da proteína AIF (apoptosis-inducing factor) que está envolvida na morte independente de caspases e verificaram que celastrol induziu liberação da proteína AIF das mitocôndrias para o citosol, sugerindo que a morte celular de células MCF-7 expostas ao celastrol pode se dar também por uma via independente de caspases. Concluíram então, que o mecanismo de apoptose mediado por celastrol pode se dar através de ambas as vias: dependentes e independentes de caspases.

Outro estudo, utilizando as linhagens SiHa e C-33 A e extratos contendo moléculas de outras classes, mostrou a presença de apoptose sem ativação de caspases, através de um mecanismo dependente da endonuclease G, uma proteína que se transloca da mitocôndria para o núcleo e é capaz de induzir a fragmentação de DNA (MUKHERJEE et al., 2015). Estes dados sugerem que a morte celular possa ocorrer por um mecanismo independente de caspases nas células SiHa e C-33 A, corroborando com os dados obtidos para a maitenina neste trabalho. Estudos mais aprofundados com relação à participação de outras proteínas associadas a este tipo de morte celular são necessários afim de se determinar a ação da maitenina na apoptose em células de carcinoma cervical. O conhecimento das vias de morte celular independentes de caspases para a oncologia é de extrema importância, uma vez que pode potencialmente ser manipulada para o desenvolvimento de novas terapias anticâncer (BROKER et al., 2005).

Em contrapartida, a linhagem HaCaT demonstrou ativação de caspase-3 logo nas primeiras 6 horas após o tratamento com maitenina, o que revelou que nesta linhagem a apoptose ocorre pela via ativação de caspases. Segundo ZHOU et al., 2011, o celastrol induz ativação de caspase-3 em queratinócitos humanos imortalizados (HaCaT) e esta ativação diminui após tratamento com um inibidor de caspase-3, o que apoia que na linhagem HaCaT ocorre ativação de caspase-3 por moléculas da classe dos triterpenos quinonametídeos.

Para investigar se a morte celular promovida pela maitenina decorre de uma possível ação genotóxica, avaliamos a dinâmica do ciclo celular e a presença de quebras na dupla-fita do DNA das células tratadas com a maitenina. Foi observado que a linhagem SiHa (infectada com HPV-16) sofre parada de ciclo celular na fase G2/M, a linhagem C-33 A nas fases S e G2/M e a linhagem HaCaT na fase S e que as três linhagens apresentam maior quantidade de quebras no DNA após o tratamento com maitenina. Estes resultados indicam que a maitenina tem uma ação genotóxica, promovendo quebras no DNA de maneira associada a atividade replicativa e ao ponto de checagem de entrada em M. Segundo CAMPANELLI et al., 1980, a maitenina tem uma estrutura favorável à interação com o DNA, o que poderia explicar sua atividade antitumoral. Segundo os autores, o tamanho e a forma da molécula são favoráveis à sua inclusão no sulco estreito da molécula de DNA e, além disso, podem ser formadas pontes de hidrogênio entre o grupo hidroxila da maitenina e o grupo fosfato do DNA. Os dados obtidos no presente estudo, sugerem que esta potencial interação provoque quebras na dupla fita de DNA.

Embora estes resultados indiquem que a maitenina atue de maneira dependente da atividade replicativa, não podemos descartar um possível efeito na fase G1, pois células que tem p53 não funcional, não conseguem ativar adequadamente o ponto de checagem de G1 quando sofrem um dano ao DNA (KESSIS et al., 1993). As três linhagens em estudo apresentam deficiência na função de p53, seja pela degradação através da ação da proteína E6 do HPV (SiHa) ou pela presença de mutações (C-33 A e HaCaT), o que sugere que estas células possam passar por G1 sem perceber potenciais danos. Um estudo com as linhagens SiHa, C-33 A e queratinócitos imortalizados com as oncoproteínas E6/E7 do HPV-16, demonstrou que estas células não conseguem inibir otimamente a síntese de DNA após a indução de danos com actinomicina D (KESSIES et al., 1993), o que corrobora os dados obtidos no presente estudo.

Quando comparamos as linhagens de carcinoma de colo uterino SiHa e C-33 A, detectamos parada nas fases S e G2/M para C-33 A e parada apenas em G2/M para SiHa. Além disso, observamos maior taxa de proliferação e quantidade de danos para as células C-

33 A do que para SiHa. Estes resultados sugerem que o efeito mais acentuado da maitenina nas células C-33 A esteja correlacionado com um maior estresse replicativo, que seria decorrente da maior taxa de proliferação destas células. Consequentemente, haveria uma interrupção mais precoce no ciclo celular, justificando assim a parada detectada na fase S para as células C-33 A. Em um estudo com as linhagens SiHa, C-33 A e CasKi, observou-se que a linhagem C-33 A tem uma taxa de proliferação maior que as linhagens SiHa e CasKi (HPV positivas) (CARDEAL, 2006), o que apoia nossos achados. Conjuntamente, estes dados indicam que, apesar da linhagem C-33 A não expressar as oncogenes E6 e E7, ela apresenta maior taxa de proliferação, provavelmente devido ao acúmulo de mutações em genes que controlam o ciclo celular como p53 e pRB.

Com relação à linhagem HaCaT, embora ela tenha apresentado taxas de proliferação semelhantes à linhagem SiHa, ela se comportou de modo semelhante às células C-33A, porém apresentou uma acentuada parada em fase S e uma grande quantidade de danos no DNA. Portanto, podemos sugerir que as linhagens HaCaT e C-33A apresentam maior eficiência no reconhecimento das lesões provocadas pela maitenina e ativação dos mecanismos de parada do ciclo celular. Esta interpretação é apoiada pelos resultados de quantificação de apoptose, que evidenciaram menores níveis de morte para estas células. Segundo BRUNTON et al., 2012 agentes citotóxicos que atuam sobre fase S do ciclo celular precisam de uma exposição prolongada das células à concentrações do fármaco acima de um limiar mínimo para otimizar sua eficiência terapêutica, pois necessitam da síntese contínua de DNA para sua citotoxicidade. Talvez isso explique o fato das linhagens C-33 A e HaCaT, que pararam em fase S, apresentarem uma taxa menor de morte celular no tempo de tratamento de 12 horas.

Outra possibilidade para explicar as diferenças observadas no ensaio de ciclo celular entre a linhagem SiHa, que não sofreu parada em fase S, das linhagens C-33 A e HaCaT, que apresentaram parada em fase S, pode estar associada com a infecção pelo HPV em células SiHa. Estudos da literatura indicam que as células cervicais cancerosas positivas para HPV expressam diferencialmente um conjunto significativo de genes em relação à células HPV negativas, incluindo reguladores do reparo de DNA e replicação, o que traz implicações diagnósticas e terapêuticas (AHN et al., 2005; MUKHERJEE et al., 2015)

Não há dados na literatura sobre a genotoxicidade da maitenina e ações sobre o ciclo celular, no entanto existem resultados sobre outros compostos da classe dos triterpenos quinonametídeos. De acordo com XU et al., 2013, celastrol (C29H3804), extraído da planta Tripterygium wilfordii, induz danos ao DNA e parada de ciclo celular na fase G2/M em fibroblastos sinoviais reumatóides. Segundo WANG et al., 2012, celastrol também induz

parada de ciclo celular na fase G2/M em células HeLa (carcinoma cervical infectada por HPV-18). CHEN et al., 2011 também avaliaram alterações no ciclo celular causado por celastrol em células H1299 (carcinoma de pulmão) e HepG2 (carcinoma hepatocelular humano), e também observaram parada de ciclo celular em G2/M para ambas as linhagens. Segundo WANG et al., 2012, pristimerina, outro triterpeno quinonametídeo, induz parada de ciclo celular em G1/S em linhagens de carcinoma de pulmão (BxPC-3, PANC-1 e AsPC-1) de maneira dose-dependente. Portanto, os dados obtidos no presente estudo corroboram com resultados obtidos em outros trabalhos para membros da classe dos triterpenos quinonametídeos.

A capacidade de promover parada do ciclo celular é uma característica importante para um candidato a antitumoral, pois pode levar as células a morte. Quando ocorre um evento genotóxico, os pontos de controle do ciclo celular são ativados com o objetivo de reparar o dano. Se os danos puderem ser reparados o ciclo celular continuará normalmente. Se o dano for grave demais e a célula não conseguir repará-lo o destino da célula pode ser a apoptose e/ou necrose (WANG, 2015). Embora a maitenina tenha mostrado um agente genotóxico com capacidade de contribuir para a redução da viabilidade celular, ela não se mostrou mutagênica em nenhuma das condições avaliadas para nenhuma das três linhagens, sugerindo portanto que poderia ser segura para uso terapêutico. Sendo assim, o presente estudo aponta para a importância da maitenina como um potencial produto natural para o tratamento do câncer de colo uterino dentro da classe emergente dos triperpenos quinonametídeos.

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