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A caracterização macroscópica e microscópica das gônadas apresentou correspondência entre o desenvolvimento da gametogênese e as características morfológicas dos ovários e testículos de Cichla piquiti, relatados também em Chellappa et al. (2003) ao estudar ovários de espécimes de Cichla monoculus e Câmara (2004), que analisou testículos e ovários do ciclídeo ornamental acará disco (Symphysodon discus). Entretanto, constatou-se a ausência de tucunarés esvaziados durante as coletas, situação não relatada por outros trabalhos com o gênero Cichla, mas que possivelmente está relacionada a desova parcelada, dificultando, desta forma encontrar fêmeas desovadas ou mesmo caracterizar este estágio.

Para evidenciar os alvéolos corticais e a zona radiata, assim como testar a composição das estruturas celulares, os ovários foram submetidos a reação histoquímica para glicoproteínas ácidas Alcian- Blue pH 2,5, a qual expressou fraca reatividade em gônadas imaturas, que possuem apenas ovócitos primários e pré- vitelogênicos, mas forte reatividade em ovários em maturação e maduros, devido a presença de ovócitos com vesícula cortical e vitelogênicos. Demonstrando assim, que estas estruturas apresentam grande quantidade de glicoproteínas ácidas, localizadas nos alvéolos corticais (vesículas corticais) e na zona radiata. Rocha et al. (2011) obtiveram resultados diferentes, ao submeter ovários de Poecila vivipara (guaru) a técnica de Alcian- Blue pH 2,5, ocorrendo reatividade desde os ovócitos iniciais até os vitelogênicos, conforme escala microscópica utilizada no estudo. De acordo com Hibiya (1982), a quantidade de vesículas de vitelo, sua composição e o tempo de aparecimento no citoplasma diferem de acordo com a espécie, fato este, relacionado com a variedade de estratégias reprodutivas dos peixes (VAZZOLER, 1996).

O comprimento em que 50% da população apresentou a primeira maturação e o comprimento em que 100% da população está apta a reprodução, estimado em 30,5 e 36 cm, respectivamente, para machos e fêmeas foram superiores ao L 50 e L100 encontrados por Luiz (2010) para o Cichla piquiti introduzido no reservatório de Cachoeira Dourada - Rio Paranaíba (MG/GO). Este trabalho estimou o comprimento padrão de primeira maturação para ambos os sexos em 22,5 cm e o L 100 em 28,4 cm para as fêmeas e 26,4 cm para os machos. Os valores descritos para o C. piquiti no lago de Serra da Mesa foram intermediários aos demais relatados na literatura. Na Venezuela, Winemiller et al. (1997), Jepsen et al. (1999) e Winemiller (2001) registraram comprimento padrão de primeira maturação que variou conforme a espécie: 24,6 cm para Cichla intermedia; 27 cm para C. orinocenses e

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32,5 cm para C. temensis. No Panamá, Zaret (1980) estimou que o processo reprodutivo de machos e fêmeas de C. ocellaris inicia-se com 33,2 e 32,2 cm, respectivamente. Chellappa et al. (2003), estudando o Açude Campo Grande, no Rio Grande do Norte, obteveram um L 50 de 26,2 e 21,4 cm para machos e fêmeas de C. monoculus. O L50 e o L100 do C. kelberi, introduzido em um lago artificial do estado de São Paulo, foram de 19,2 e 23,5 cm (L50) para machos e fêmeas, respectivamente e 29 cm (L100) para ambos os sexos (GOMIERO, 2009).

Os valores variam tanto entre as espécies, como entre machos e fêmeas da mesma espécie. As diferenças no comprimento médio de primeira maturação podem ser atribuídas ao método de determinação do tamanho de primeira maturação, as diferenças específicas e à adaptação ao ambiente, seja artificial (reservatórios) ou natural (SOUZA et al., 2008). Branco et al. (2005), Santos (2006) e Robert et al. (2007) constataram diferenças no tamanho médio de maturação gonadal entre indivíduos da mesma espécie, as quais podem ser atribuídas principalmente às táticas reprodutivas que estão relacionadas ao crescimento e desta forma, podem apresentar variações espaciais e temporais relacionadas às condições ambientais bióticas e abióticas (VAZZOLER,1996). Segundo Machado-Allison (1990), em áreas tropicais ou de menores latitudes, o aumento do comprimento é mais rápido do que em sistemas de clima temperado ou latitudes elevadas. Isso pode ser explicado pelas altas temperaturas que aceleram o metabolismo e a maturação.

Ademais, vale ressaltar que as pressões ambientais diferem, assim com a resposta das espécies a ela. Gomiero et al. (2009) sustentam que a super população e o completo desenvolvimento em tamanhos reduzidos de tucunarés, ocorrem por falta de predadores naturais e grande disponibilidade de alimento. Contudo, há espécies que iniciam o processo reprodutivo precocemente como estratégica de sobrevivência, quando existe alguma forma de pressão sobre a população. Esta interação entre condições ambientais e comprimento, que acarreta conseqüências a reprodução, deve-se ao fato de o tamanho determinar o início de maturação nos peixes, de forma que, o tamanho e a idade estão relacionados a longevidade (NIKOLSKY, 1963). Geralmente, sob condições ambientais favoráveis, quando há abundância de recursos, a idade de maturação diminui, mas o comprimento permanece inalterado (WOOTON, 1990).

O padrão de distribuição do Fator de Condição para fêmeas e machos nos estágios de maturação foi diferente do registrado por Chellappa et al. (2003) ao estudar C. monoculus, no qual machos e fêmeas possuiam valores altos no estágio imaturo, seguido de um declínio no

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estágio em maturação, elevando-se novamente nos espécimes maduros. Os maiores valores de K foram constatados nas fêmeas em maturação e maduras, e em machos maduros. Isto deve-se, predominantemente, ao maior acúmulo de reservas energéticas (gorduras) para o desenvolvimento das gônadas, além do próprio peso dos ovários quando estão maduros (GOMIERO et al., 2008). É importante ressaltar, que o declínio dos machos no estágio em maturação foi uma situação não observada em outros estudos sobre o gênero Cichla.

Quanto ao Índice Gonadossomático, os maiores valores foram apresentados pelas fêmeas maduras, de maneira, que o aumento do IGS em fêmeas maduras é muito maior do que em machos . Esta diferença geralmente é mais pronunciada nas fêmeas, ocorrendo em menor escala em machos, devido a pouca representatividade em peso dos testículos quando comparados aos ovários (GOMIERO et al., 2008).

Machos e fêmeas apresentaram valores elevados de Índice Gonadossomático e Fator de Condição em todos os estágios de maturação, situação também descrita para o Cichla monoculus por Chellappa et al. (2003), exceto pelo fato de haver um aumento do K das fêmeas em maturação do Cichla piquiti, enquanto os valores do K reduziram em machos e fêmeas do C. monoculus no mesmo estágio. Resultados discordantes foram relatados para machos e fêmeas de Astyanax fasciatus, que apresentou aumento de IGS no mesmo trimestre em que houve redução de K (GURGEL, 2004). De acordo com Vazzoler (1996), no período reprodutivo ocorre a transferência de reservas energéticas dos peixes para suprir o desenvolvimento das gônadas, o que pode explicar o fato de peixes de desova total possuírem valores opostos entre K e IGS. Entretanto, na desova parcelada provavelmente a transferência de reservas energéticas ocorre em menor intensidade ou seja compensada por algum outro processo fisiológico, pois afinal este tipo de desova representa um custo energético elevado, determinando queda ou interrupção do crescimento durante o período em que os ovócitos são produzidos, podendo, também, aumentar a taxa de mortalidade.

A média da fecundidade total foi estimada em 19.000 ovócitos, que provavelmente, corresponde aos 3.100 ovócitos da fecundidade por lote registrada por Chellappa et al.(2003) para C. monoculus. Souza et al. (2008) constataram para o C. kelberi uma fecundidade absoluta média de 6.072 ovócitos, valor muito baixo em relação ao encontrado neste trabalho, o qual pode estar relacionado as características reprodutivas da espécie ou mesmo a uma redução da fecundidade em decorrência de pequenos comprimentos na população. A presença

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de variados tamanhos de ovócitos demonstra o desenvolvimento ovocitário assincrônico, característico da desova parcelada (VAZZOLER, 1996).

A significativa relação de regressão estabelecida entre o peso, comprimento total e quantidade de ovócitos evidencia o quanto a reprodução dos peixes é influenciada pelo tamanho e peso dos espécimes, bem como pela disponibilidade de recursos, principalmente alimentares. Ademais, Vazzoler (1996) relata que nos peixes, além das células germinativas, há uma fonte renovável e contínua de novos ovócitos a partir de células do epitélio folicular, o que explica o aumento dos valores absolutos da fecundidade com o crescimento, pois após cada desova, permanece nos ovários um número maior de células foliculares que aquele de ovócitos ovulados, aumentando o estoque de ovócitos neoformados.

O aumento exponencial do número de ovos ocorreu apenas pela presença de dois pontos, que são correspondentes as duas maiores fêmeas, e sem as duas com certeza uma reta seria ajustadas aos dados. Entretanto, vale ressaltar que apesar da baixa quantidade de fêmeas maiores e mais pesadas na análise de regressão entre a quantidade de ovos e o peso e comprimento total, muitos trabalhos demonstram o aumento exponencial da fecundidade com o aumento do comprimento e do peso, o que mantem a consistência deste resultado.

Diversos estudos comprovam que há diferença na qualidade de ovos e larvas produzidos pelos peixes de uma população. Por exemplo, as larvas produzidas por fêmeas mais velhas da espécie Sebastes melanops cresceram 3 vezes mais rápido e resistiram a privação de alimento por um período de tempo 2 vezes mais longo do que larvas produzidas por fêmeas jovens. Esta situação evidencia que larvas de fêmeas mais velhas possuem maior viabilidade mesmo em condições adversas, a qual é explicada por fêmeas mais velhas possuírem maiores reservas energéticas e assim investirem mais energia em cada prole (BERKELEY, 2004 b; O’ FARRELL & BOTSFORD, 2006).

Segundo Berkeley et al. (2004 a), a alometria positiva das reservas e condições corporais dos peixes indica que espécimes maiores podem ter melhores contribuições reprodutivas do que peixes menores, e que também podem ser capazes de sobreviver à reprodução sob maior variação de condições ambientais.

A pesca ao promover a retirada de indivíduos de idades e tamanhos diferentes ocasiona mudanças nos padrões reprodutivos das espécies interferindo desta forma, na estrutura de toda comunidade (JOBLING, 1996). A pressão seletiva da pesca sobre os

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espécimes maiores ocorre não apenas porque os pescadores procuram extrair os maiores indivíduos, mas também devido a regulamentação pesqueira que normalmente institui somente o tamanho mínimo ou a restrição de equipamentos de pesca que garantem a coleta seletiva dos maiores. Esta circunstância tem causado rápida evolução de reduzidos tamanhos corporais e conseqüentemente, menor fecundidade das fêmeas (CONOVER & MUNCH, 2002; TAYLOR, 2008).

A redução de produtividade das populações, devido ao favorecimento de genótipos com crescimento mais lento e menor idade de primeira maturação, torna-se notável com a diminuição do comprimento da espécie e redução da captura da mesma. Berkeley et al. (2004a / 2004b) e Bobko & Berkeley (2004) indicam que espécimes maiores e mais velhos são cruciais na manutenção dos estoques de recursos.

Inicialmente, a pesca pode gerar alterações na idade e no tamanho à maturação, as quais são reversíveis a curto prazo de tempo, entretanto a perturbação contínua da população, por um período de várias gerações, pode acarretar mudanças genéticas progressivas de caráter permanente. Ademais, as mudanças genéticas causadas pela captura seletiva podem ser irreversíveis e a interrupção da retirada não garante uma seleção reversa para o estado original (JOBLING, 1996).

Desta forma, os planos de manejo para produção sustentável devem levar em consideração as conseqüências da pesca seletiva (CONOVER & MUNCH, 2002). Tendo em vista, as contribuições dos espécimes maiores no habitat e que guias de pesca, donos de pousadas e pescadores locais e esportivos já relataram a redução de ocorrência de peixes maiores no lago de Serra da Mesa, faz-se necessário a reavaliação do tamanho mínimo de captura do Cichla piquiti no reservatório, bem como a implementação do tamanho máximo de captura. A adoção de limites entre tamanhos mínimo e máximo de captura podem possibilitar a sobrevivência de maior quantidade de espécimes grandes e assim, a manutenção da variabilidade genética intrapopulacional.

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