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Este estudo teve três objetivos principais: (i) conhecer as relações existentes no desempenho desportivo no decatlo entre as diferentes provas e grupos de provas; (ii) descrever as frequências genotípicas e dos alelos R e X do gene da ACTN3 em decatletas Brasileiros de elevado nível desportivo; (iii) analisar as diferenças no desempenho desportivo destes atletas de acordo com o genótipo do ACTN3.

No que se refere o primeiro objetivo, os nossos resultados evidenciam uma relação moderada e forte no desempenho desportivo entre diferentes provas que compõe o decatlo. A exceção remete-se à prova de meio fundo (1500m), que apenas evidencia uma correlação baixa e significativa com a prova de 100m. Não obstante as particularidades técnicas e físicas (em particular) que são exigíveis em cada prova, este resultados são esperados dado que vários estudos já demonstraram fortes associações entre o desempenho em sprint e diversas habilidades motoras com forte recurso na força e na potência muscular, tais como o salto vertical (e.g. Cronin e Hansen, 2004; Habibi et al., 2010; Marques et al., 2011). As correlações fortes que se verificam entre as provas de salto, arremesso e lançamentos são igualmente condizentes com a literatura, nomeadamente no que se refere à exigência de elevados níveis de potência muscular (Silvestre, 2012). A taxa de desenvolvimento da força parece ser um dos parâmetros que melhor explica essa relação no desempenho atlético em diferentes atividades motoras expressamente explosivas (González-Badillo e Marques, 2010). Este parâmetro é determinado, em parte, pelas qualidades inatas do sistema neuromuscular (Marques et al., 2011), em particular as propriedades bioquímicas e contráteis das fibras musculares (Vescovi e McGuigan, 2008).

No que se refere ao desempenho desportivo da amostra em estudo, será importante ainda referir que nos diferentes conjuntos de provas, os eventos de velocidade (100m, 400m e 110m com barreira) atingiram as pontuações totais mais elevadas (total de 2.418 pontos; media de 806,0 pontos), seguida pelos eventos de saltos (salto em distancia, salto em altura e salto com vara) (total de 2.188 pontos; media de 729,0 pontos) e de arremesso e lançamentos (arremesso de peso, lançamento do disco e lançamento dardo) (total de 1.932 pontos; média de 644 pontos). Nos 1500m, considerado uma prova de potência aeróbica, a média pontual foi de 633,0 pontos, a menor de todas as outras provas. Tais dados levam a afirmar que os participantes deste estudo serão fundamentalmente decatletas velocistas.

Quando analisamos a distribuição do polimorfismo R577X do gene da ACTN3 dos 31 decatletas estudados, identificamos uma frequência genotípica de 51,6% para indivíduos classificados com o genótipo RR, e de 48,4% de heterozigotos RX, com nenhuma ocorrência para o genótipo XX (0%). Em consequência, a amostra apresenta um excesso significativo do alelo R (0.76; p<.001). O nosso estudo não integra um grupo de controlo especificamente para efeitos de comparativos da frequência genotípica e alélica, o que pode ser considerado uma limitação do mesmo. Com efeito, não nos é possível confirmar a variabilidade das frequências observadas relativamente à população não praticante da mesma idade e sexo. Mesmo assim, os nossos resultados parecem de algum modo concordantes com os dados reportados por vários outros estudos (Niemi e Majamaa, 2005; Druzhevskaya et al., 2008; Papadimitriou et al., 2008; Holdys et al., 2011), que identificaram um excesso do alelo R com as atividades de força/potência e, do alelo X com as atividades de resistência.

Desde as primeiras evidências científicas que o gene ACTN3 parece influenciar significativamente fenótipos associados ao desempenho físico. Num dos primeiros estudos neste domínio, Yang et al. (2003) demonstraram em atletas de velocidade uma menor frequência (p<0.05) do genótipo XX (8%) em comparação com atletas especialistas em eventos de modalidades de longa duração (24%) ou relativamente à população de controlo (18%). Resultados convergentes foram sendo confirmados por estudos posteriores, em particular pelo estudo de Niemi e Majamaa (2005), em atletas finlandeses de força e potência, e inclusive pelo estudo de Moran et al. (2007) em adolescentes gregos. Mais recentemente Cieszczyk et al. (2011) mostraram que nadadores velocistas, corredores velocistas e levantadores apresentam uma frequência alélica significativamente superior para o alelo R quando comparados com o grupo controle. Porém alguns resultados conflitantes surgem também na literatura, em particular a não diferenciação na frequência genotípica e alélica da amostra de atletas em relação a grupos de controlo (e.g., Ribas, 2014) ou relativamente ao status desportivo (Rodriguez-Romo et al., 2013), pelo menos em atletas praticantes de Judô espanhois. Haverá que considerar que o desempenho desportivo raramente é suportado por manifestações puras de força e potência. Para além disso o sucesso na identificação de polimorfismos que controlam traços poligenéticos é sempre muito limitado (Altmuller et al., 2001). Do nosso ponto de vista, estas duas razões parecem justificar a ausência de variações nas frequências alélicas e genotipicas do gene da ACTN3 entre atletas de diferente status, relativamente às populações de controlo estudadas e, no caso do presente estudo, a ausência de diferenças no desempenho desportivo entre os grupos genotípicos (RR vs. RX).

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É válido ainda ressaltar que indivíduos que possuem ambos os alelos polimórficos (genótipo XX) apresentam ausência total de α-actinina-3. Já indivíduos heterozigotos (genótipo RX), ou que possuem um alelo funcional (alelo R) e um alelo polimórfico (alelo X), apresentam uma redução na quantidade de α-actinina-3 sintetizada no músculo-esquelético (Pasqua, 2011). Esse excesso do alelo R parece estar relacionado a fatores neuromusculares, como a produção de elevados níveis de força e velocidade (Harrinson; Keane; Coglan, 2004; Miguel; Reis, 2004). Segundo Vincent et al. (2007), este polimorfismo estaria associado também à proporção de fibras do tipo II (rápida) e tipo I (lenta) nos indivíduos; essa pesquisa apresentou uma relação para um maior percentual de fibras tipo II (rápida) em homozigotos do alelo R (RR). Com efeito, considerando que a α-actinina-3 é encontrada apenas nas fibras musculares do tipo II, seria plausível esperar diferenças no funcionamento do músculo esquelético entre indivíduos que apresentem diferentes expressões dessa proteína. Aliás, muito recentemente foi demostrado que os atletas homogigótipos para o alelo X apresentam maior suscetibilidade à lesão muscular e maior actividade catabólica na resposta aguda à carga de treino (Pimenta et al., 2011). Contudo, nem todos os estudos confluem para mesmos resultados (e.g. Nornam et al., 2009). A variabilidade metodológica entre estudos, as diferenças na experiência desportiva prévia e inclusive na rácio de fibras tipo I e II entre atletas poderá explicar também a ambiguidade de resultados entre estudos, pelo que se justificam mais pesquisas nesta temática.

Este estudo, apesar da sua originalidade e relevância apresenta algumas limitações. Em primeiro lugar não contempla o estudo da frequência genotípica e alélica de um grupo de controlo efectuamente constituído para o efeito, composto por indivíduos Brasileiros de idade semelhante, não praticantes de decatlo e não relacionados com a amostra. Em segundo lugar o estudo recorre a uma amostra de atletas praticantes de decatlo com experiência desportiva equiparável mas com um largo espetro de idades (entre os 18 e os 50 anos). Isso determinou a necessidade em estimar retrospetivamente o desempenho desportivo dos atletas participantes, considerando as melhores pontuações reais obtidas em competição ao longo da sua carreira, pelo que as condições das mesmas não foram controladas no estudo (e.g. local, momento da época e idade no qual foram obtidas).

Apesar destas limitações, o estudo contém importantes méritos, nomeadamente o acesso a atletas de nível desportivo elevado. Adicionalmente, do nosso conhecimento, este é o primeiro estudo que apresenta dados da frequência genotípica e alélica para o polimorfismo R577X do gene da ACTN3 em atletas de elite Brasileiros de decatlo na sua relação com o desempenho desportivo.

CONCLUSÃO

O POLIMORFISMO R577X DO

GENE DA α-ACTITINA 3 (ACTN3)

EM ATLETAS DE ELITE

BRASILEIROS DE DECATLO

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