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Não há concordância na literatura sobre a movimentação normal da patela e comparações entre estudos são sempre complexas de serem feitas devido às diferentes metodologias aplicadas (Katchburian, 2003; Laprade et al., 2005). Porém, visto que não há muitos estudos similares e considerando o objetivo deste projeto, alguns estudos foram selecionados com a finalidade de gerar referências para os dados reportados neste trabalho, para cada objetivo específico abordado, mesmo sob diferentes condições experimentais.

Definir a configuração do sistema de análise cinemática foi a primeira etapa deste estudo. De acordo com o melhor valor de exatidão da medida encontrado e o maior percentual obtido de rastreamento automático dos marcadores, foi definido um sistema com seis câmeras digitais, formando dois conjuntos. O conjunto inferior, com menor volume de enquadramento e valor de exatidão de 0.41 mm, foi responsável pelo rastreamento apenas das patelas. Já o superior enquadrava um maior volume devido à necessidade de rastrear todos os outros segmentos analisados e apresentou valor de exatidão de 0.44 mm. A frequência de aquisição usada foi 100 Hz.

Os valores de exatidão encontrados neste estudo se mostram comparáveis a outros trabalhos da literatura específica. Sharma e colaboradores (2012) reportaram um valor de 0.9 mm para a metodologia utilizada por eles, no caso, exames de imagem. Já um estudo feito a partir da análise em cadáveres com um sistema de aquisição ultrassônico relatou um valor de exatidão da medida de 1.0 mm (Lorenz et al., 2012). Sobre a frequência de aquisição, esta se mostrou suficiente para detectar movimentos da patela em relação ao fêmur.

Objetivando avaliar se o modelo proposto no presente estudo para a análise da cinemática 3D da AFP era capaz de obter resultados consistentes, a análise de confiabilidade dos dados foi realizada a partir do cálculo do coeficiente de correlação intraclasse, o ICC. Este teste foi aplicado nos dados obtidos de translação e rotação, tanto nos graus específicos de flexão do joelho quanto nos valores de range da AFP. Para tal, foram utilizados os dados do grupo controle, no intuito de evitar possíveis vieses relacionados à SFP. Os resultados indicaram que o método utilizado apresenta

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reprodutibilidade excelente em todas as variáveis analisadas, exceto na translação horizontal da AFP com o joelho a 0º de flexão que indicou nível satisfatório.

O modelo proposto no presente trabalho para a análise da cinemática 3D da articulação femoropatelar (AFP), partiu da definição da orientação dos segmentos envolvidos. Os sistemas de coordenadas da pelve, da coxa e da perna foram construídos de acordo com outros estudos da literatura. Já para a patela, primeiramente foi necessário criar um segmento adicional no software utilizado, para só então orientá-la.

Outra maneira de se avaliar a viabilidade do método proposto foi observar a deformação da pele sobre a patela a partir da análise do movimento relativo de marcadores externos a ela fixados, durante um salto vertical, no intuito de testar se haveria violação ao modelo de corpo rígido adotado para a patela. Assumindo que a patela fosse um objeto rígido, a hipótese formulada foi que qualquer variação das distâncias vertical e látero-lateral entre os marcadores, ocorreria devido ao deslizamento de pele.

Os resultados deste teste mostram que houve variações das distâncias vertical e látero-lateral entre marcadores sobre a patela associados às fases de movimento. Estes dados vão ao encontro dos resultados encontrados por Shultz e colaboradores (2011), os quais quantificaram o erro advindo dos artefatos dos tecidos moles para marcadores técnicos sobre os ossos calcâneo e navicular e associaram a um maior erro de medição na posição imediatamente após a propulsão na marcha (toe-off position). Em especial na fase de repouso (fase A), as oscilações encontradas nos valores da distancia entre os marcadores podem ser atribuídas às incertezas de medida do sistema, uma vez que não há movimento e devido à rigidez da montagem.

Comparando-se a magnitude da variação das distâncias vertical e látero-lateral, esta última aparentemente mostra-se menos influenciada pelos artefatos advindos da movimentação da pele. Esta deformação é maior na direção longitudinal da patela, provavelmente devido às maiores forças envolvidas, uma vez que esta é a principal direção do movimento estudado, a flexão/ extensão do joelho. Sendo assim, a variação da distância vertical, evidenciada na figura 8, está provavelmente associada à flexibilidade da pele. Os resultados também sugerem que este problema possivelmente não influencie de maneira tão importante a orientação da patela, devido à maneira como foi construído seu sistema de

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coordenadas (SC), uma vez que a principal deformação ocorre na mesma direção e sentido do vetor que define o primeiro eixo do SC deste segmento.

A segunda etapa da verificação da viabilidade do sistema proposto de análise cinemática 3D da AFP, foi a avaliação das variáveis de translação e rotação da patela em relação ao fêmur. Para isso, antes foi necessário caracterizar a tarefa na qual o método havia sido aplicado, o salto vertical com contramovimento.

Os dados obtidos em ambos os grupos avaliados de rotação do joelho foram coerentes entre os MMII. Foi observado um sinal claro de flexão/ extensão desta articulação durante toda a execução do salto, permitindo que as variáveis referentes à AFP pudessem ser descritas em função do ângulo de flexão do joelho. Já em relação aos ângulos de adução/ abdução e rotação interna/ externa reportados, nota-se maior variabilidade dos valores, porém ainda assim permitem a identificação de um padrão de movimento nestes eixos de rotação da tíbia em relação ao fêmur. Estes últimos dados não foram utilizados por não interferirem na análise da cinemática 3D femoropatelar, foco do presente estudo.

Foi possível observar que a fase da aterrissagem apresenta menores valores se comparada à decolagem. Este dado se mostra coerente, uma vez que a amplitude de flexão do joelho atingida na primeira fase foi superior à reportada na aterrissagem. Dada tal ausência de diferença do padrão de movimentação do joelho e da AFP entre as fases do salto, os dados referentes à AFP foram analisados apenas durante a fase de decolagem, devido às maiores amplitudes de movimento atingidas.

Objetivando facilitar a compreensão da comparação dos dados reportados nos itens 3.4 a 3.6 com a literatura, os trabalhos selecionados para este fim estão resumidos na tabela 10.

Os gráficos apresentados nos itens 3.4 e 3.5 possibilitaram avaliar o padrão de movimento da AFP durante o salto vertical em cada grupo estudado, separadamente. Já as tabelas referentes ao item 3.6 apresentaram uma análise quantitativa comparativa das variáveis cinemáticas da AFP entre os grupos controle e SFP em ângulos específicos de flexão do joelho entre 0º e 60º, durante o agachamento da fase de decolagem do salto vertical. Foram também reportados os valores máximos, mínimos e de range de movimento atingido de translação e rotação da patela em relação ao fêmur.

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Para ambos os grupos, pode-se observar que ao longo do agachamento (flexão do joelho) ocorreu deslocamento medial da origem do SC da patela em relação à origem do SC do fêmur, ocorrendo o inverso durante a extensão do joelho. Porém, a análise comparativa mostra que o grupo SFP apresentou menores valores de deslocamento medial em 15º, 45º e 60º de flexão do joelho, maior valor atingido de deslocamento lateral, menor valor atingido de deslocamento medial e menor range de deslocamento medial durante a flexão do joelho de 0º a 60º.

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ESTUDO SUJEITOS CT SFP TAREFA

ANALISADA METODOLOGIA VARIÁVEIS Translação horizontal Translação ântero- posterior Translação longitudinal Flexão/ extensão Adução/ abdução Rotação interna/ externa Schutzer et al., 1986 Voluntários 10 20 Flexão de joelho

de 0º a 30º. Tomografia computadorizada Menor DM no grupo SFP --- --- --- --- Constante no grupo CT Witonski et al., 1999 Voluntários 10 10 Joelho a 0º, 10º, 20º e 30º de flexão. Ressonância magnética DM no grupo controle --- --- --- --- ---

Laprade et al., 2005 Voluntários 40 --- Flexão de joelho de 0º a 60º. Molde termoplástico DM até 60º em parte da amostra (12.8mm) DP (16.1mm) DI (32.5mm) --- --- ---

Felício et al., 2011 Voluntários 20 19 Joelho a 15º, 30º e 45º de flexão. Ressonância magnética Maior DL no grupo SFP --- --- --- --- Constante e sem diferença Phillipot et al., 2012 Cadáveres 6 --- Flexão de joelho

de 0º a 30º.

Marcadores

externos DM (3.3mm) --- --- ---

Adução

(1.2º) RI (2º) Sharma et al., 2012 Voluntários 3 ---

Joelho a 0º, 15º, 30º, 45º, 60º, 75º e 90º de flexão. Radiografia biplanar DM entre 0º e 15º DP DI Flexão --- --- Von Eisenhart-Rothe et al., 2012 Voluntários 20 --- Joelho a 0º, 30º, e 90º de flexão. Ressonância magnética DL entre 30º e 90º --- --- Flexão --- RI entre 30º e 90º Hamai et al., 2013 Voluntários 9 --- Flexão de joelho

de 0º a 165º. Radiografia ---

DA inicial, seguido por

DP

--- --- --- ---

Regalado et al., 2013 Voluntários 10 29

Joelho a 0º, 10º, 20º e 30º de flexão. Ressonância magnética Maior DL no grupo SFP --- --- --- --- Maior RE no grupo SFP Tabela 10: Descrição dos estudos utilizados para comparação dos dados com a literatura. ADM = amplitude de movimento, CT = controle, DI = deslocamento inferior, DL =

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Em concordância com o presente estudo, alguns trabalhos da literatura, apesar dos diferentes valores de range de movimento apresentados em cada um, reportaram deslocamento medial da AFP durante a flexão do joelho em joelhos saudáveis (Witonski et al., 1999; Laprade et al., 2005; Phillipot et al., 2012). Em concordância parcial, Sharma e colaboradores (2012) reportaram que em sujeitos com a AFP saudável ocorre deslocamento medial desta articulação somente entre 0º e 15º de flexão do joelho. Porém, Von Eisenhart- Rothe e colaboradores (2012) identificaram deslocamento lateral da AFP em sujeitos controle entre 30º e 90º de flexão de joelho. Comparando grupos de sujeitos controle e com SFP, outros estudos apontam para um maior deslocamento lateral em indivíduos com SFP (Felício et al., 2011; Regalado et al., 2013). Shutzer e colaboradores (1986) obtiveram maior valor de deslocamento lateral da AFP em sujeitos com SFP com o joelho em extensão e, ao longo da flexão do joelho até 30º, identificaram progressivo deslocamento medial, corroborando os dados apresentados no presente estudo. Além disso, identificaram menor deslocamento lateral da AFP do grupo controle durante a extensão do joelho de 30º a 0º. Em termos de padrão de movimentação, os dados reportados em relação à translação horizontal da AFP estão de acordo entre grande parte dos estudos encontrados. O fato de indivíduos com SFP apresentarem menor deslocamento medial (ou maior deslocamento lateral) é condizente com a fraqueza do vasto medial oblíquo encontrada neste grupo, sendo este músculo o principal estabilizador dinâmico da patela (Sacco et al., 2006).

Os gráficos referentes à translação da AFP no eixo ântero-posterior, em ambos os grupos, mostram que no início do agachamento a patela manteve-se a uma distância constante do fêmur e então deslocou-se posteriormente até o fim da flexão do joelho. Porém, a análise comparativa reportou menor range de deslocamento posterior no grupo SFP. Corroborando os dados referentes ao grupo controle, dois estudos reportaram deslocamento posterior da AFP durante toda a flexão do joelho em indivíduos saudáveis (Laprade et al., 2005; Sharma et al., 2012), enquanto outro relatou um deslocamento em arco da AFP, de início anterior, nos primeiros graus de flexão do joelho, e então deslocamento posterior até o final do movimento (Hamai et al., 2013). Nenhum trabalho foi encontrado sobre a translação ântero-posterior da AFP em indivíduos com SFP, porém o menor valor de range desta variável reportado para o grupo SFP no presente estudo pode

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ser explicada pelos menores valores de range de flexão e de deslocamento inferior da AFP encontrados neste grupo. Tais dados, em conjunto, sugerem uma possível limitação na mobilidade articular femoropatelar no plano sagital e no eixo de rotação transversal, nos sujeitos avaliados com SFP. Além disso, estes dados podem estar vinculados à condição de patela alta, uma alteração do posicionamento da patela sobre a tróclea femoral, descrita como um dos fatores predisponentes ao surgimento da SFP (Phillipot et al., 2012; Pal et al., 2013; Regalado et al., 2013).

Já no eixo longitudinal, o padrão de translação da AFP durante o agachamento parece ser diferente entre os grupos. No grupo controle a AFP apresentou deslocamento inferior no início do movimento, até manter valores constantes no final desta fase, enquanto que no grupo SFP a patela desloca inferiormente até atingir aproximadamente 60º de flexão do joelho, deslocando superiormente a partir de então, até o fim do agachamento. Já no início da impulsão do salto os valores são constantes, ocorrendo então deslocamento superior da AFP no restante da extensão do joelho, em ambos os grupos. De acordo com a análise comparativa, os sujeitos com SFP apresentaram menores valores de deslocamento inferior em 15º e 60º de flexão de joelho e em termos de range de movimento. Corroborando os dados referentes ao grupo controle, estudos reportaram deslocamento inferior da AFP durante toda a flexão do joelho em indivíduos saudáveis, apesar da diferença no valor de range de movimento apresentado em um deles dois (Laprade et al., 2005; Sharma et al., 2012). Nenhum trabalho foi encontrado sobre a translação longitudinal da AFP em indivíduos com SFP, porém o menor valor de range desta variável reportado para o grupo SFP no presente estudo pode estar associada, conforme descrito anteriormente, aos menores valores de range de flexão e translação posterior também apresentados.

Concomitante à flexão do joelho, ambos os grupos apresentaram flexão da AFP, ocorrendo o inverso durante a extensão do joelho. Porém, conforme análise comparativa, o grupo SFP apresentou menores valores de flexão da AFP em 15º, 30º, 45º e 60º de flexão do joelho, maior valor atingido de extensão e menor range de flexão durante a flexão do joelho de 0 a 60º. Corroborando os dados referentes ao grupo controle, estudos reportaram flexão da AFP durante toda a flexão do joelho em indivíduos saudáveis (Von

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Eisenhart-Rothe et al., 2012; Sharma et al., 2012). Nenhum trabalho foi encontrado sobre a flexão da AFP em indivíduos com SFP, porém o menor valor de range desta variável reportado para o grupo SFP no presente estudo pode estar associada, conforme descrito anteriormente, aos menores valores apresentados de translação no plano sagital, relacionado a este eixo de rotação.

Os gráficos referentes à rotação da AFP no eixo ântero-posterior apresentaram baixa amplitude de movimento de adução/ abdução, associada à alta variabilidade destes dados, impossibilitando a realização de inferências sobre a cinemática patelar neste grau de liberdade em ambos os grupos. Apenas em 15º de flexão do joelho os sujeitos com SFP apresentaram menor valor de adução da AFP em comparação ao grupo controle. Dos estudos encontrados na literatura, apenas um, realizado em joelhos de cadáveres, foi capaz de detectar adução de 1.2º da AFP durante a flexão de joelho de 0º a 30º em cadáveres (Phillipot et al., 2012).

Com maior evidencia no grupo SFP, o gráfico e a tabela correspondentes sugerem que no início do agachamento haja rotação interna da patela, até aproximadamente 45º de flexão do joelho, seguida por rotação externa até o fim da flexão do joelho. Já com maior intensidade no grupo controle, aparentemente ocorreu rotação interna da AFP no início da impulsão (extensão do joelho), seguida por rotação externa ao final desta fase. Na análise comparativa foram reportados maiores valores de rotação interna em 30º e em 45º de flexão de joelho e maior valor atingido de rotação externa para o grupo SFP. Dois trabalhos investigaram esta variável durante a flexão do joelho de 0º a 30º em indivíduos saudáveis, um reportou valores constantes (Schultzer et al., 1986) enquanto o outro detectou 2º de rotação interna da AFP (Phillipot et al., 2012). Já durante toda a amplitude de flexão do joelho de 30º a 90º do grupo controle, Von Eisenhart-Rothe e colaboradores (2012) reportaram rotação interna da AFP. Dos estudos comparando esta variável em sujeitos saudáveis e com SFP, um não identificou diferença entre os grupos na flexão do joelho de 15º a 45º (Felício et al., 2011), enquanto outro reportou maior rotação externa no grupo com SFP na flexão do joelho de 0º a 30º (Regalado et al., 2013).

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Katchburian e colaboradores em 2003 avaliaram os estudos presentes na literatura até então sobre análises da cinemática patelar, evidenciando as variações metodológicas existentes em todos os aspectos.

Sendo assim, a não concordância entre os estudos de algumas variáveis analisadas provavelmente tenham ocorrido devido às diferenças metodológicas encontradas. Em alguns casos a patela não sofreu tração muscular, o que pode deixá-la mais móvel na tróclea femoral. Além disso, em situações estáticas a tensão da pele também tende a ser diferente de uma situação dinâmica como o salto vertical com contramovimento. A forma de construção do SC de cada segmento e a sequencia de rotação escolhida para o cálculo das variáveis cinemáticas são outras fontes importantes de diferenças encontradas não só na identificação dos padrões de movimento da AFP, como também nos valores reportados.

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