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O CV é um antagonista adrenérgico prescrito para o tratamento da hipertensão e insuficiência cardíaca congestiva. Porém, nos dias de hoje pesquisadores têm mostrado que este fármaco também é capaz de modular a resposta imune, interferindo na produção sérica de alguns marcadores inflamatórios (Pauschigueret et al., 2004; Nessler et al., 2008). No presente estudo, demonstramos que o CV administrado diariamente em concomitância com a infecção pelo T. cruzi em camundongos C57BL6 foi capaz, num período inferior a 30 dias, de elevar o nível de parasitos circulantes e da produção plasmática de quimiocinas inflamatórias, como CCL2 e CCL5, bem como o recrutamento leucocitário para o sítio cardíaco. Por outro lado, a intervenção reduziu sobrevida dos animais tratados e a produção plasmática do TNF, citocina inflamatória com papel relevante para o processo inflamatório inicial.

Há inúmeros relatos dos benefícios gerados pelo uso em longo prazo desse fármaco, porém, o tratamento inicial com este betabloqueador requer cautela devido aos efeitos prejudiciais relacionados à sua dosagem, sendo necessário iniciar o tratamento com dosagens menores, e aumentar gradualmente ao longo do tempo (Taneva et al., 2016). Neste trabalho, utilizamos a dose de 25mg, dosagem alvo demonstrada na literatura e recomendada para tratamentos de hipertensão essencial, angina de peito e insuficiência cardíaca, com resultados satisfatórios em humanos (Frishman, 1998; Weiss et al., 1998). Esta mesma dosagem, é relatada para avaliação do efeito imunomodulatório em modelo experimental (cães e ratos) em cardiopatias de diferentes etiologias (Wendt, 2007; Mctavish et al., 2012).

Existem poucos trabalhos na literatura envolvendo a administração de CV no tratamento de modelos experimentais. Pimentel et al (2012), já retrataram que o tratamento com este fármaco é capaz de aumentar a sobrevida de hamsters sírio,

infectados pela cepa Y do T. cruzi, em fase aguda de infecção; estudos utilizando outros betabloqueadores (ex. atenolol e propranolol) também já denotaram um aumento na sobrevida de animais alusivos à linhagem Swiss e Balb/c, infectados pelas cepas Y e CA-1 respectivamente, do T. cruzi, além de exibirem redução do parasitismo no tecido muscular cardíaco (Fernández et al., 1998; Sterin- Borda et al., 1999). Um grande número de citocinas pró- inflamatórias estão aumentadas em indivíduos cardiopatas (Matsumura et al., 2002). Neste contexto, o CV, também demonstra atuar na redução sérica dessas citocinas, como TNF e IL-6, sugerindo melhoras no prognóstico clínico em modelos experimentais portadores de disfunções cardíacas de diferentes etiologias e em ratos com colite ulcerativa (Mizuochi etal., 2007; Li et al., 2005; Kurum et al., 2007; Tatli et al., 2008; Fatani et al., 2015); um estudo de Botoni et al (2007), já evidenciou os efeitos pleiotrópicos desse fármaco quando administrado em pacientes portadores de CCC, onde uma redução na concentração sérica do TNF e da quimiocina CCL5, sugeriu melhoras na fração de ejeção do ventrículo esquerdo nesses pacientes.

Desse modo, ao avaliar a concentração sérica do TNF neste estudo, notou-se uma redução no grupo que recebeu o tratamento com o CV, quando comparado às outras intervenções terapêuticas. Este dado, corrobora com achados de outros trabalhos que avaliaram a sua concentração plasmática frente à cardiopatias de diferentes etiologias. Por outro lado, sabe-se que durante a fase inicial da infecção pelo T. cruzi, a resposta inflamatória gerada é imprescindível para definir o prognóstico clínico/patológico do hospedeiro infectado. Assim, é sabido que tanto o TNF, quanto IFN-gama e IL-12, são essenciais para o controle da replicação desse protozoário, principalmente via ativação de células mononucleares produtoras de óxido nítrico (Vespa et al., 1994; Aliberti et al., 1996; Talvani et al., 2000). Estudos em camundongos TNF KO, demonstraram que estes animais se tornaram extremamente susceptíveis à

infecção pelo T. cruzi, reforçando a importância da produção desse marcador inflamatório para o controle de parasitos na circulação (Campos & Gazzinelli 2004; Dutra et al., 2014). Sendo assim, a utilização do fármaco CV no início do processo inflamatório induzido pelo T. cruzi, em modelo animal, fosse mais promissora numa etapa tardia da infecção visto que esta citocina está intimamente associada ao desenvolvimento de lesões cardíacas em pacientes portadores de CCC, com uma produção periférica predominante deste marcador quando comparado à pacientes indeterminados ou assintomáticos da doença (Talvani & Teixeira et al., 2011; Keating et al., 2015). Por outro lado, não se poderia desmerecer seu potencial papel na fase inicial da infecção por este protozoário onde os principais eventos inflamatórios estão ocorrendo em concomitância à sua acelerada replicação. Ainda que no presente estudo tenhamos visto uma resposta pró-inflamatória intensificada em presença da terapia aguda com o CV, desconhecemos o curso clínico destes animais após 90 ou 100 dias de vida. E ainda, não podemos ignorar que as variabilidades por trás da genética do hospedeiro utilizado ou mesmo do parasito empregado neste estudo podem atuar como fatores determinantes para os resultados encontrados.

Levando em consideração esta nova gama de fatores direcionadores da evolução da infecção, observou-se que a taxa de mortalidade do grupo que recebeu o CV também se apresentou maior, contrário ao observado em outros trabalhos que relataram uma melhora na sobrevida de animais tratados com este fármaco em fase aguda (Pimentel et al., 2012). Sabe-se, que o T. cruzi apresenta uma alta variabilidade genética, sendo classificado em 6 diferentes DTU‟s (Discrete typing Units), denominados TcI- TcVI (Zingales et al., 2009; Zingales et al., 2011). A cepa Colombiana, utilizada nesse trabalho, pertence ao grupo T. cruzi I (DTU I), resistente ao fármaco de escolha para o tratamento da doença de Chagas (BZ) e apresentando tropismo cardíaco. Possivelmente

estas características genéticas intrínsecas ao parasito aliadas à resposta imune do hospedeiro (roedor) exerceu enorme influência sobre o curso da infecção. Sendo assim, a ausência de fatores regulatórios, ou a persistência do estímulo induzido pelo aumento de parasitos circulantes em animais infectados e tratados com o betabloqueador, podem ter culminado no aumento das quimiocinas inflamatórias CCL2 e CCL5 e na não alteração da citocina regulatória IL-10. As quimiocinas se inserem neste contexto apresentado papel essencial no recrutamento celular para o sítio inflamatório, sendo comumente associadas à infecção pelo T. cruzi (Talvani et al., 2000). A CCL2, além de secretada por uma grande variedade celular, torna-se essencial para o recrutamento de monócitos em diversos tecidos, especialmente o cardíaco (Talvani et al., 2004; Paiva et al., 2009). Porém, em altas concentrações foi previamente evidenciada no plasma de indivíduos chagásicos, correlacionada com diferentes graus de disfunção cardíaca (Talvani et al. 2004a). Dito isso, o aumento no número de parasitos circulantes associados ao grupo tratado com o CV talvez atue como estímulo para maior produção da quimiocina CCL2, objetivando maior recrutamento leucocitário, no intuito de eliminar o protozoário. Outro aspecto interessante, é que sua alta concentração plasmática foi correlacionada com indícios de disfunção miocárdica, tornando-se responsável pela geração de miocardites, através da retenção de leucócitos no sítio de infecção, o que posteriormente pôde conduzir à destruição tecidual (Paiva et al., 2009). Desta forma, sua alta produção neste grupo, paradoxalmente pode, também, estar associada à maior mortalidade observada.

Da mesma forma, a quimiocina CCL5/RANTES também possui participação reconhecida no processo de recrutamento leucocitário para os sítios de inflamação (Sullivan et al., 2011). Botoni e colaboradores (2007) demonstraram que a associação dos inibidores da ECA (enalapril) seguida de betabloqueadores adrenérgicos (CV)

apresentou uma redução sérica dessa quimiocina (CCL5) e do peptídeo natriurético (BNP) em indivíduos com cardiopatia chagásica crônica, sugerindo melhora na função cardíaca e no status clínico dos avaliados. Em contrapartida ao estudo clínico mencionado, em nosso estudo observamos que a monoterapia com o betabloqueador não foi capaz de reduzir a concentração plasmática da CCL5, mantendo-a elevada com concentração sérica semelhante à observada nos animais pertencentes ao grupo controle infectado que não recebeu nenhuma das intervenções terapêuticas propostas nesse estudo. Apesar de contribuir para o controle da replicação parasitária em fase recente de infecção, esta quimiocina também está associada a processos de disfunção cardíaca em modelos experimentais de infecção pelo T. cruzi (Talvani et al. 2004b). Vale ressaltar que neste trabalho a terapia com o benznidazol foi utilizada como tratamento controle positivo por ser considerado o único fármaco disponível para tratamento da doença de Chagas em países da América latina. Assim, os resultados obtidos através de sua utilização corroboram com outros estudos do nosso grupo e de outros grupos de pesquisa que demonstraram uma redução do processo inflamatório associado à terapia do BZ em modelo experimental, sendo capaz de igualar todos os parâmetros avaliados aos animais não infectados. Em particular, a cepa Colombiana utilizada nesse estudo apresenta resistência a este fármaco, mas seu papel como modulador parcial das vias inflamatórias têm ganhado notório conhecimento nos últimos anos, fato que justificaria a redução da concentração plasmática dos marcadores inflamatórios avaliados e uma consequente preservação do tecido cardíaco (Penitente et al., 2015).

Com relação ao infiltrado inflamatório, destaca-se a infiltração maciça de células inflamatórias no tecido muscular cardíaco em animais tratados em monoterapia com CV, quando comparado ao grupo de animais do grupo controle infectado. Esses resultados se justificam, uma vez que a cepa Colombiana apresenta tropismo cardíaco e

de musculatura esquelética, exibindo grande inflamação tecidual, capaz de conduzir o hospedeiro vertebrado a altas taxas de mortalidade (Talvani et al, 2000; Paula-Costa et al, 2010). Borges e colaboradores (2009) demonstram resultados semelhantes ao analisar o infiltrado inflamatório de camundongos C57BL/6 infectados com esta cepa, quando comparando a outras estirpes do T. cruzi presentes no mesmo estudo, mostrando através de seus resultados uma inflamação de maior intensidade e maior taxa de mortalidade nos animais infectados com a Colombiana; com processo inflamatório mais intenso relatado no 20°, 23° e 30 dias de infecção (Magalhães et al., 1991). Além disso, o estudo de Borges e al (2009) já mostrou que uma alta concentração sérica de CCL2 pode estar correlacionada a um aumento de infiltrado inflamatório do tipo focal no tecido muscular cardíaco, corroborando com os achado observado neste estudo no grupo que recebeu a intervenção com betabloqueador. Desta maneira, a utilização desta cepa, aliada à alta produção plasmática de quimiocinas no grupo tratado com o betabloqueador, podem ter conduzido a um aumento do infiltrado inflamatório observado no grupo tratado com CV.

Finalmente, o estresse oxidativo, encontra-se envolvido no desenvolvimento de uma série de doenças inflamatórias (Pérez- Fuentes et al., 2002), e embora não esteja ainda elucidado, estudos têm mostrado que o fármaco CV possui propriedades antioxidantes, e isso se dá principalmente à sua estrutura carbazol, e metabólitos hidroxilados presentes em sua molécula; esses metabólitos gerados conferem a ele capacidade antioxidante ainda maior quando comparados ao próprio CV (Budni et al., 2009).No presente estudo, observamos que o TBARS, um marcador de dano oxidativo, apresentou-se reduzido no grupo que recebeu o tratamento com o fármaco CV, igualando-se aos grupos que receberam tratamento com benznidazol e/ou associação e ao grupo controle não infectado. O potencial antioxidante desse fármaco pode estar

associado à sua capacidade de se ligar ao Fe (III) e Cu (II), impedindo a oxidação de lipídios e proteínas mediada por esses metais de transição, o que poderia explicar a diminuição dos biomarcadores de danos em lipídios (TBARS) (Budni et al., 2009), no entanto não demonstrou atuar sobre as concentrações dos marcadores de danos a proteínas. Este fármaco também não demonstrou atuar sobre a produção das enzimas antioxidantes SOD e Catalase, contrapondo-se à trabalhos como o de Budni et al (2009), onde o CV foi capaz de aumentar a produção desses antioxidantes mediante a infecção pelo T. cruzi, e por consequência a proteção celular. Dessa maneira, o CV administrado durante a fase aguda da infecção pelo T. cruzi, não se demonstrou eficaz em atenuar o estresse oxidativo gerado.

Sumarizando, a monoterapia com o fármaco CV, demonstrou atuar sobre a resposta inflamatória de animais C57BL/6 infectados com a cepa Colombiana, porém a intervenção sugere prejuízos ao hospedeiro, não se demonstrando efetiva na redução do parasitismo sanguíneo. Além disso, a redução do marcador plasmático TNF, concomitante ao aumento das quimiocinas CCL2 e CCL5, parece ter contribuído para o aumento do recrutamento leucocitário para o tecido muscular cardíaco, bem como uma atuação não eficaz nos marcadores de danos oxidativos e produção de enzimas antioxidantes durante a faseaguda da infecção experimental por este protozoário.

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