PARTE II: MONOGRAFIA – APLICAÇÕES CIRÚRGICAS DO LASER DE DIÓXIDO DE
B. Resseção do palate mole
3. DISCUSSÃO
Este caso permitiu confirmar as múltiplas vantagens descritas na literatura do LASER de dióxido de carbono. Embora na bibliografia esteja descrito que não existem diferenças no resultado clinico obtido na realização de resseções de palato com tesoura, LASER de dióxido de carbono ou dispositivos bipolares, verificou-se que o tempo cirúrgico foi mais rápido, com um sangramento mínimo e sem qualquer complicação no pós-operatório. Tendo sido a recuperação do animal confortável e com diminuição/extinção dos sinais clínicos.
Os procedimentos cirúrgicos tiveram o resultado final pretendido, no entanto, para um diagnóstico mais completo, deveriam ter sido realizadas radiografias cervical e torácica do Lee, e deveriam ainda ter sido sugeridas a realização de uma TAC cranial (para descartar a existências de outras alterações) e de um exame endoscópico ao trato respiratório superior. As radiografias são um procedimento simples e pouco dispendioso, e permitiriam ter uma noção mais segura do comprimento e espessura do palato mole, bem como descartar a existência de doenças concomitantes a nível pulmonar e/ou cardíaco, alterações estas que poderiam interferir com a decisão de seguir ou não para cirurgia. Além disso, estes meios complementares permitiriam avaliar a existência de colapso brônquico e/ou traqueal. Estas alterações podem ter um impacto relevante no prognóstico e na recuperação cirúrgica tendo sido observado num estudo com 40 cães braquicéfalos que 35 deles apresentavam estas alterações (124). A existência
destas alterações poderia levar a procedimentos cirúrgicos adicionais, como a colocação de stents traqueais ou brônquicos, de forma a potenciar o sucesso cirúrgico, visto que a eliminação da obstrução das vias aéreas superiores, trufa e palato, não iria resultar num maior afluxo de ar visto que continuaria a existir obstrução das vias aéreas a nível da traqueia e brônquios.
A resseção do palato mole teve uma duração de aproximadamente 32 segundos, sendo considerado, pela experiência do cirurgião, bastante mais rápida do que usando as técnicas convencionais (com tesoura ou bisturi). Esta redução do tempo de cirurgia deve-se ao facto do LASER de CO2 permitir um corte rápido e limpo, sem hemorragia (reduzindo o tempo que seria
necessário para proceder à hemóstase e limpeza do sangue) e sem que sejam necessárias suturas.
O tempo de duração da cirurgia não pode ser comparado com o descrito na literatura, pois não se sabe desde que momento o cronómetro começou a contar no caso dos procedimentos descritos e visto haver uma diferença significativa entre o tempo obtido e o descrito na literatura (cerca de 32 segundos no caso acima descrito e uma média de 309 segundos, num estudo de Davidson et al. (2001)(102)). No entanto, pode-se comprovar pela
literatura que as cirurgias de resseção de palato a LASER são bastante mais rápidas (média de 309 segundos) do que aquelas realizadas com as técnicas convencionais (média de 744 segundos) (102). Além de um tempo de cirurgia bastante mais curto, a resseção do palato com
LASER de CO2 permitiu um procedimento limpo, com hemorragia mínima ou inexistente, tal como
se encontra descrito por outros autores (102,119). Além disso, a recuperação do animal foi rápida e
sem complicações, não se verificou a formação de edema significativo nem de infeção, nem houve demonstrações de dor por parte do mesmo. Estes efeitos são fundamentados pela literatura, pois o LASER de CO2 sela terminações nervosas e vasos linfáticos, e ainda esteriliza
os tecidos à medida que corta (102); no entanto estes resultados foram também influenciados
pelos fármacos analgésicos e anti-inflamatórios administrados durante o período peri-operatório. Segundo Davidson et al. (2001), as complicações são mais comuns quando se recorre ao uso de técnicas convencionais, sendo que o edema e inchaço originado pode ser tão severo que cause obstrução respiratória e é devido a este facto que, por rotina, se administram corticosteroides aos animais (102).
No procedimento de alaplastia a principal vantagem do uso do LASER de CO2 foi a
diminuição significativa da hemorragia, bem como a diminuição de dor no pós-operatório. O tempo de cirurgia parece estar também reduzido, não entanto não tão significativamente pois foi necessária a colocação de suturas, tal como nas técnicas convencionais.
Nos primeiros dias após a alta do animal, a tutora do mesmo pronunciou-se acerca das significativas melhorias nos sintomas do seu cão, referindo a diminuição dos “roncos” e a melhoria na qualidade respiratória geral do mesmo. Comprovou-se assim que as cirurgias cumpriram o seu objetivo principal de diminuir as obstruções à entrada de ar. A autora não tem conhecimento dos resultados a longo prazo, uma vez que, após o término do estágio curricular, não obteve mais informações acerca do mesmo (excetuando a receção da fotografia das narinas do Lee, sete meses após a cirurgia – figura 15 – e do relato de que, até esta data, a tutora não tinha presenciado a recorrência dos sinais clínicos anteriormente presentes). Contudo, está descrito na literatura que há recorrência dos sinais clínicos a longo prazo em praticamente 100% dos casos, podendo ser necessário a realização de cirurgias adicionais (124). Os estudos
realizados em medicina veterinária, relativamente ao prognostico da síndrome do braquicéfalo, estão também sujeitos a várias dificuldades. Grande parte dos estudos são retrospetivos e envolvem diferentes populações de cães, de várias raças e conformações, além do fato destas populações terem sofrido várias combinações de tratamentos, em diferentes idades e usando várias técnicas e instrumentos, o que torna difícil tirar conclusões (124). No entanto, segundo
Dunié-Mérigot et al. (2010), a recuperação é melhor quando se utiliza o LASER de dióxido de carbono; no seu estudo, 63% dos cães que foram operados com o LASER de CO2 não
apresentavam sinais residuais ao fim de seis meses (119). Apesar de não haver radiografias
cervicais e torácicas, provavelmente não haveria colapso traqueal nem brônquico, visto que a recuperação pós-cirúrgica e a médio prazo foram favoráveis, com diminuição dos sinais clínicos do Lee.
Neste caso não se verificou a presença de alterações a nível laríngeo, o qual teria também um papel determinante no prognóstico a longo termo. O colapso laríngeo, quando presente e causador de sinais de obstrução respiratória, resulta num prognóstico mais reservado, independentemente das eventuais cirurgias para alivio de outras zonas de obstrução das vias aéreas (124). Além disso, os tecidos orofaríngeos pareceram normais aos olhos do cirurgião, não
se verificando a descrita hiperplasia dos mesmos, fator este que também contribuiu para o resultado positivo do procedimento cirúrgico.
Nos cães braquicefálicos, é também comum, devido ao aumento crónico das pressões negativas e da turbulência de ar na faringe, a ocorrência de inflamação e espessamento das tonsilas palatinas, pelo que está recomendada a sua excisão quando estas parecem contribuir para a obstrução faríngea (124). No entanto, neste caso não foram detetadas alterações
significativas ao nível das tonsilas palatinas, pelo que não se procedeu à sua remoção.
A técnica escolhida para a resseção do palato (técnica convencional) parece ser a mais vantajosa para o uso do LASER de CO2, pois é aquela que permite a não colocação de suturas
e apresenta resultados desejáveis; a técnica alargada também apresentaria esta vantagem, contudo está descrito que esta técnica pode originar refluxo nasofaríngeo devido a uma resseção excessiva do palato (102). No entanto, não se poderá afirmar que esta técnica foi a escolha mais
vantajosa para o prognóstico do animal, uma vez que não foram realizadas radiografias para determinar o espessamento do palato mole. A maioria dos cães braquicefálicos têm algum grau de espessamento do palato mole (124), pelo que, em alguns casos, poderá ser mais benéfica a
realização da técnica de palatoplastia em aba dobrada (131), onde o LASER de CO2 se
apresentaria igualmente vantajoso, apesar de já ser necessária a colocação de suturas. Todavia, não se verificaram (até aos sete meses após cirurgia) complicações nem recorrência dos sinais clínicos respiratórios, pelo que se conclui que a técnica convencional teve o resultado desejado. Não houve registo de ocorrência de regurgitações no pós-cirúrgico nem após a alta do animal, até sete meses após a cirurgia, sugerindo que a técnica convencional, cujo corte deve ser realizado ao nível da porção caudal das tonsilas, não resultou em remoção excessiva do palato mole. Segundo a literatura, um encurtamento excessivo do palato mole pode resultar em regurgitação, pelo que é preferível deixar o palato demasiado longo do que demasiado curto (124).
A técnica escolhida para a correção das narinas estenóticas foi a mais comum – alaplastia em cunha vertical. Esta técnica cumpre o objetivo a que é proposto, no entanto é necessária a colocação de suturas, aumentando o tempo de cirurgia bem como o desconforto pós-operatório do animal. De modo a evitar as suturas, e fazendo melhor uso das vantagens do LASER de CO2, poderia se ter optado pela técnica de Trader (134), uma vez que estão descritos
resultados vantajosos e se trata de um procedimento cuja ferida cirúrgica é deixada fechar por segunda intenção; no entanto, esta técnica apenas se encontra descrita para realização em gatos pequenos (77).
O LASER de dióxido de carbono foi escolhido por ser considerado o mais vantajoso para este tipo de procedimentos (119), sendo ideal para incisão e vaporização destes tecidos graças à
elevada percentagem de água na sua constituição. O LASER de díodo é também indicado para a cirurgia de tecidos moles em veterinária, no entanto num estudo de Dunié-Mérigot et al. (2010) este verificou-se menos vantajoso do que o LASER de CO2 (119).
É importante ter em atenção que, apesar das técnicas e métodos escolhidos, é claro que a maior parte dos cães que sofrem da síndrome obstrutiva respiratória do braquicefálico beneficiam de intervenção cirúrgica (124). Mais de 90% dos cães melhoram significativamente
após as cirurgias, e, além disso, segundo estudos recentes, a mortalidade perioperativa é de menos de 4%. É ainda de salientar que as melhorias dos sinais clínicos são mais frequentemente observadas imediatamente após a cirurgia (124).
CONCLUSÃO GERAL
O estágio curricular no Alma Veterinária constituiu uma parte bastante importante do percurso académico da autora, permitindo-lhe solidificar e pôr em prática os conhecimentos adquiridos ao longo dos cinco anos na Universidade de Évora. A estagiária assistiu e participou nos mais variados procedimentos da clínica e cirurgia veterinária, podendo assim crescer tanto a nível académico e profissional como a nível pessoal. A escrita deste relatório teve também uma grande importância na evolução das capacidades da autora, permitindo-lhe rever e aprofundar conhecimentos sobre diversas áreas da medicina veterinária.
O uso do LASER de dióxido de carbono em cirurgia de pequenos animais apresenta vantagens significativas e está, por isso, a ser cada vez mais utilizado por vários médicos veterinários no nosso país. A escolha deste tema, centrado principalmente nas cirurgias corretivas da síndrome respiratória obstrutiva do braquicefálico, baseou-se no interesse da autora pela área de cirurgia de tecidos moles, bem como no saber que esta é uma síndrome com elevado peso no dia-a-dia da clínica, visto que as raças braquicefálicas são cada vez mais apreciadas pelas famílias portuguesas. Através deste relatório foi possível verificar que existem ainda várias áreas na cirurgia de pequenos animais cujos estudos com LASER são ainda escassos, pelo que a autora considera importante investir neste instrumento cirúrgico, de forma a que as suas vantagens possam ser aproveitadas nas mais diversas áreas da medicina veterinária.
Concluindo, considera-se que foram cumpridos os objetivos propostos para esta etapa curricular, e a estagiária sente-se agora mais preparada para exercer a sua profissão, numa sociedade que, felizmente, cada vez exige mais e melhor para os seus animais.