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Neste capítulo, pretende-se discutir e responder as perguntas que nortearam este estudo, com base nos documentos estudados e com base na revisão bibliográfica feita nesta pesquisa. As obras e os projetos citados trouxeram conhecimentos relevantes que tornaram possível chegar a uma conclusão do objetivo principal deste texto que foi: Analisar se a leitura pode atuar como fortalecedora da cultura nas séries iniciais do EF. Logo, a seguir apresentam-se as principais perguntas e suas respectivas discussões.

1) O ensino de leitura nos anos iniciais pode, de fato, contribuir para o fortalecimento cultural?

Sim, por isso Cruvinel (2010) salienta que a escola precisa se apropriar da leitura como um objeto de cultura, a fim de tornar as crianças leitoras em diferentes situações sociais. Para isso, o ensino da leitura na EI e no EF precisa acontecer além do conhecimento das letras, seus respectivos sons e formações silábicas. Para existir leitura não é preciso conhecer fielmente toda composição gráfica do alfabeto, pois a criança lê uma imagem, uma embalagem que tem em casa, uma placa de trânsito, além de, com o tempo, fazer a associação das imagens com as palavras e é assim que ela vai se apropriando da própria cultura, além de também passar a conhecer

produções culturais de gerações antecedentes. Cruvinel (2010) também diz que é imprescindível que desde o início da escolarização a criança tenha acesso à leitura, pois dessa forma poderá compreender por que está lendo e utilizar essa atividade cultural de maneira não mecanizada.

A partir do momento que a criança se apaixona pelo ato de ler, sente essa necessidade de estar conectada com a leitura. Assim como nosso corpo anseia por comida, nossa mente anseia em se alimentar intelectualmente. No decorrer de cada leitura nos apropriamos de algo e, de acordo com Gomes (2010), ativamos nossa memória cultural. Muitas leituras são detalhistas, apresentam com exatidão as particularidades do ambiente, das vestimentas e até conseguem materializar aromas. É como se as palavras escritas tivessem o dom de atuar nos cinco sentidos do nosso corpo, mas tudo isso ocorre magicamente em nossa imaginação. Quando lemos algo lembramos da nossa história de vida, da nossa cultura. A criança com o tempo irá compreender que uma palavra é carregada de sentidos, principalmente porque poderá entendê-la conforme sua visão de mundo, que necessariamente não é igual ao das outras crianças. Por isso que uma palavra não é constituída apenas por letras, mas uma história cheia de significados.

O contato com a leitura, conforme Butlen (2015) nos leva a dialogar com outras manifestações culturais. Assim, a criança, além de ler a palavra ou a imagem, poderá automaticamente referenciá-la a uma característica da cultura na qual vivencia. Uma história lida por um professor na escola pode trazer em seu enredo a essência de uma música representante da identidade cultural das crianças, ou até mesmo ativar a lembrança de quando a criança viu uma foto antiga em sua casa e naquele momento da leitura pode compreender o que se passava na imagem. O ato de ler é um ato social e o contato com os diversos gêneros textuais fortificam ainda mais a interação cultural. Essa interação, como apresentada por Bakthin (2006) não é apenas presencial, mas entre autor e leitor. O diálogo em um texto expressa a interação dos sujeitos em uma discussão ativa e o discente, desde cedo, pode começar a entender isto, que quando lê é capaz de conversar mentalmente com quem escreveu a obra, discordando das suas ideias e até mesmo construindo novas. Os anos iniciais do Ensino Fundamental precisam ser uma etapa de ler para compreender e não memorizar e decodificar.

2) Se sim, como?

Através de uma leitura que, de acordo com Gonçalves (2013), seja significativa e contextualizada. A vivência e o conhecimento do aluno precisam ser levados em conta nesse processo de aprendizado da leitura. Por isso, é importante elaborar estratégias criativas para o momento de ler, como uma contação de uma história capaz de fazer o aluno imaginar-se dentro do conto de fadas, vendo tudo de pertinho. Ele verá que ler nos aproxima ainda mais da história e, por muitas vezes, pode se imaginar sendo o próprio personagem agindo ali naquele enredo.

É importante ler para as crianças diferentes tipos de livros como fábulas, contos, histórias em quadrinhos, livros pop-up que trazem surpresas em sua apresentação, além de revistas e jornais, para que assim a leitura da criança não se reduza à apenas os fragmentos de histórias contidos no livro didático. A cada história a criança irá pensar seu próprio mundo e estabelecer comunicações. Por muitas vezes ficará tão apaixonada pelos acontecimentos que irá pensar se tudo isto poderia acontecer na vida real, como no caso da existência das fadas. Mas, ela também pode ler momentos históricos de sua cultura e perceber que a essência deles ainda existe, podendo lembrar-se das histórias que os mais velhos contam e perceber que realmente são fatos reais.

Vale ressaltar que, para ocorrer uma leitura de qualidade, capaz de criar tantas ligações entre a história e a realidade é preciso utilizar-se de estratégias de leitura, que como Solé (1998) apresenta, fornece maneiras para compreender e também questionar o que se lê, tais como fazer inferências, explorar as informações visuais e escritas da capa do livro, trazer questionamentos no decorrer da história e formulações de hipóteses para ir construindo o sentido da leitura. Todas essas estratégias precisam ser ensinadas e estimuladas pelos professores, a fim de que o aluno reflita a leitura e a entenda como uma prática social que viabiliza a construção da identidade e da cidadania.

É com o acesso à leitura, à informação que o aluno irá compartilhar sua cultura, defender seu ponto de vista e criar novos saberes. Para isso, é muito importante que

o professor atue como leitor e mediador, pois de acordo com Rauen (2010) o gosto pela leitura é influenciado pelo próprio entusiasmo do professor, por isso, é essencial que o professor se sinta atraído pelo ato de ler para assim ter facilidade de ensiná-lo, pois de nada adianta ensinar algo que não tem prazer, o aluno facilmente consegue perceber isso. O professor precisa se apresentar como leitor, como alguém encantado pela leitura, que sempre está atualizado com as informações. Assim, ele poderá lecionar até mesmo leituras mais complexas e orientar o diálogo para elas.

Para que a leitura seja também uma prática de fortalecimento cultural, Candau (2002) ressalta que a escola precisa compreender que é multicultural. Dentro dela há alunos que representam diversas culturas, por isso, a escola precisa repensar a cultura da própria sala de aula, deixando de privilegiar apenas conhecimentos consagrados como acadêmicos e diminuir a distância entre os conhecimentos culturais ali apresentados. Desta maneira, todos os estudantes podem se tornar participantes do processo de ensino-aprendizagem e fazer inter-relações com suas práticas culturais.

É importante lembrar que o ensino da leitura necessariamente não se apresenta apenas com auxílio do material impresso, mas também por meio dos livros digitais. A própria tecnologia auxilia nesta atividade, podendo atuar como local de produção e compartilhamento cultural. Heinsfeld e Pischitela (2017) afirmam que assim irá expandir a circulação e a troca cultural, ou seja, o texto digital irá além de auxiliar a prática pedagógica, expandir os conhecimentos culturais produzidos no ambiente escolar e também contribuir para adquirir os conhecimentos já disponibilizados.

Outra maneira da leitura colaborar no fortalecimento da cultura é por meio de projetos de leitura que podem ser desenvolvidos em diversos lugares, tanto nas escolas e nas bibliotecas públicas, como nos lares. Os projetos precisam ser criativos e terem a preocupação de, além de proporcionar o prazer da leitura, estimular a compreensão e a formulação de questionamentos sobre o que se leu, também despertar o contato com a essência da identidade cultural do leitor.

3) Quais são as propostas já existentes, no âmbito nacional, de ensino de leitura que visam ao fortalecimento cultural?

Projetos sociais que acontecem por meio de práticas de leitura podem ajudar na construção da cidadania e no fortalecimento cultural, como apresenta a pesquisa de Cançado (2010) ao mostrar os projetos de leitura desempenhados em escolas, bibliotecas e de iniciativa civil realizados em Brasília. A pesquisadora não explicou o funcionamento de cada um, mas trouxe os resultados quanto ao público, material mais utilizado, locais de atuação e opiniões dos participantes.

Percebe-se que estes projetos foram criados a partir das necessidades cotidianas de cada realidade, na qual viabilizam os livros até mesmo em Braile para que pessoas com necessidades específicas tenham acesso a esse tipo de saber. Importante lembrar que os profissionais que estão à frente dos projetos estão ali por gosto, paixão e prazer pela leitura. São pessoas que acreditam na educação e tem a certeza de que a leitura contribui muito para formar cidadãos críticos, capazes de questionar e vivenciar com maestria o ato de ler, além de proporcionar à comunidade acesso ao acervo cultural registrado por meio da escrita.

Esses 25 projetos são ideias criativas que, além de terem o texto como material principal, utilizam-se de atividades diferenciadas que ajudam no estímulo à leitura.

Dessa maneira, o ensino da leitura passa a ser mais atraente e proporciona momentos diversos de acesso ao saber historicamente acumulado. Crianças e adultos têm acesso liberado para vivenciar esta prática conforme seus anseios, conforme sua realidade. Assim, podem constantemente interagir com o autor e, ao mesmo tempo, com os participantes dos projetos, construindo através do diálogo novos conhecimentos e estimulando as práticas culturais.

Outro projeto que buscou esse fortalecimento cultural foi o da Paschoal (2009). Ele foi realizado através de uma mala de leitura que, com o tempo, cativou as crianças e adolescentes do abrigo. O projeto não ficou apenas em uma localidade, mas visitou diversos lugares da cidade, principalmente a biblioteca municipal que é um centro cultural. A pesquisa foi muito importante e chamou a atenção por proporcionar questionamentos sobre como ficaria o fortalecimento cultural daquelas crianças sendo que o laço familiar foi cortado.

Mesmo diante de tal situação, percebe-se que ainda longe do seio familiar, cada uma possuía uma identidade cultural, cheia de subjetividades, mas que não era estática, assim como nenhuma é. Uma identidade está em constante construção e vai de acordo com os anseios do indivíduo. As leituras realizadas pelas crianças com certeza, além de construir o prazer pela prática de ler, trouxeram lembranças de sua história de vida, pois a leitura estimula a memória cultural e, dessa maneira, vai mantendo viva dentro de nós a essência da cultura.

Já o projeto encontrado no site da BNCC “Pequenos autores: navegando entre mitos e lendas das ilhas que bailam” mostra claramente que, mesmo com dificuldades financeiras dentro do ambiente escolar, é possível realizar momentos diferenciados de leitura e fortalecimento cultural. Outro aspecto importante é que o professor encontrou em uma das aulas um problema, ao ver que seus alunos não estavam interessados naquele tipo de leitura. Porém, com o tempo, o que parecia apenas um impasse se tornou uma grande oportunidade de conhecimento e produção cultural.

Os alunos passaram a conhecer a história das famílias, dos agricultores, comerciantes e diversos outros atores sociais e, com isto, puderam ter acesso ao acervo imaterial de cultura, contido na memória dos mais velhos e por meio do registro, eternizar a essência cultural daquela localidade.

Os projetos apresentados acima mostram que o ato de ler está ligado a muitas características, mas, principalmente, mesmo sem perceber, ao fortalecimento da cultura dos indivíduos. Cada criança participante pode, além de imaginar, fantasiar, criar e desfrutar da leitura, também vivenciar momentos reflexivos sobre seu mundo, sua realidade, sua identidade cultural e estabelecer diálogo entre o que se leu e o que vivencia diariamente. Cada palavra de um texto possui tantos significados que, ao final de uma leitura, estamos completamente cheios de saber cultural.

4) Existem projetos de leitura que podem auxiliar a prática didático-pedagógica do professor contribuindo para uma maior percepção e engajamento das crianças em relação à sua cultura?

Sim e muitos desses projetos também se encontram no site da BNCC como iniciativa de professores. O “Projeto Livros: diferentes obras em diferentes espaços,

encantando e desenvolvendo potencialidades” atuou com diversas atividades em vários locais da escola, como o Cantinho da Leitura, feito na sala de aula, sendo um local reservado para realizar leituras diversas como contos, gibis e fábulas. Além de ser um local relaxante, também proporciona uma leitura óptica pelos alunos que, mesmo um pouco distantes do cantinho, conseguem visualizar os livros e até mesmo se lembrar das histórias contadas pela professora, o que faz com que sintam o desejo de ter acesso novamente a esse material.

Outras atividades desse projeto são a Árvore da Leitura e o Varal da Leitura que acontecem no horário do recreio e oferecem uma leitura confortável, estimulam a criatividade, as emoções, aumentam os laços pessoas e culturais. Outras características desses projetos é que eles formam sujeitos do conhecimento, aumentam o gosto pelas diversidades textuais e desenvolvem a oralidade dos alunos.

Aconteceram também momentos na biblioteca escolar, que é um centro de cultura material. O Projeto Aconchego realizado em casa, com o auxílio dos pais, pode estreitar os laços familiares, já o Piquenique Literário é capaz de ampliar a diversão e o envolvimento com a leitura em um ambiente aberto e prazeroso.

O seguinte Projeto a mencionar é o “Recitando e encantando: poesias infantis” que vivenciou momentos de rodas de leitura de poesias com os alunos para construir o conhecimento da criança enquanto leitora dessa linguagem poética, que possibilita o despertar da imaginação e da criatividade, a ludicidade pedagógica e o sentido crítico da realidade. Como dito no subcapítulo 4.5, esse projeto visava uma apresentação ao Sarau Literário da escola, que é um momento na qual as pessoas se encontram para se manifestarem artisticamente, neste caso, por meio da poesia.

Nesses momentos de leitura e memorização das poesias, com certeza, as crianças foram compreendendo a estrutura, a linguagem e percebendo que ela nos enriquece com palavras ao mesmo tempo em que brincamos com elas. As poesias transmitem descontração, emoção, acalmam, instigam interpretações e por muitas vezes, refletem nosso próprio eu. As que foram utilizadas nesse projeto retratam a cultura poética brasileira, de autores que pensaram no público infantil.

Para finalizar, o Projeto “De pequeno passei a ser grande: Literatura e a formação de valores” utilizou um livro que possui a essência de uma obra infantil que é o Pequeno Príncipe, com uma história que demonstra o sentido da vida, da amizade, do amor, da solidão e da perda. A professora atuou com o exercício de antecipação com o auxílio de objetos e imagens que instigavam a imaginação sobre o assunto de cada capítulo.

Esse método de antecipar é uma estratégia criativa que aguça a curiosidade da criança e a vontade de ler para descobrir se suas hipóteses mentalmente criadas estão certas ou não, além de querer conhecer na palma das mãos o enredo de toda a história. Outra característica importante do projeto é a metodologia “Fabricando Histórias” capaz de motivar a produção escrita, libertar as ideias e a imaginação mostrando seus anseios heroicos mais subjetivos, demonstrando o que lhe agrada, o que lhe dá prazer e o que estava todo tempo guardado na memória.

As atividades dos projetos acima são práticas pedagógicas auxiliares que visam primordialmente a aquisição da leitura e o prazer pela mesma, fatores de grande relevância para favorecer a construção da cidadania, do sujeito crítico e do leitor de mundo. Não dá para ensinar a leitura focando apenas na gramática das palavras ou no preenchimento de fichas. É preciso libertar a criatividade que há em cada mente, quebrar esse ciclo de métodos tradicionais e trazer propostas inovadoras para a educação.

Embora o foco dos projetos mencionados não foi a preservação e o fortalecimento da cultura, vale lembrar que todos essas ações podem ter os objetivos culturais, mas é preciso que o professor esteja à frente para estabelecer diálogo a partir das leituras, pois elas automaticamente proporcionarão leituras constantes do mundo das próprias crianças, suas vivências em família e nos outros diversos momentos culturais. O diálogo entre os envolvidos irá favorecer a construção do saber coletivo e o conhecimento de outras manifestações culturais.

Portanto, por meio destas quatro perguntas norteadoras foi possível perceber que sim, é possível fortalecer a cultura das crianças dentro do próprio ambiente escolar. No entanto, a escola precisa tomar essa posição, precisa olhar para o aluno e reconhecer suas potencialidades. Muitos projetos existem, mas nem todos trazem a temática

cultural como objetivo, no entanto, como citado acima, a metodologia dos projetos pode ser facilmente flexibilizada para, além de contribuir no ensino da leitura, também intensificar o diálogo dos envolvidos a fim de exporem seus saberes culturais e fortalecê-los.

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