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4) Integração: refere-se ao sentido global ou fio condutor dos vários elementos ou das histórias relatadas O narrador recorre à criatividade no sentido de integrar

3.2 Discussão dos resultados

A dificuldade do indivíduo em atribuir um sentido de coerência para as suas vivências promove a "impressão de um sentimento de estranheza e distanciamento face ao mundo e a si próprio" assim como dificulta a construção de um sentido de autoria (Gonçalves, 2000, p. 74)

Nesta parte final do trabalho, iremos procurar relacionar os nossos principais resultados com os dados recolhidos da literatura, bem como tentar dar resposta às questões colocadas inicialmente pela hipótese da investigação, ou seja, se existe relação entre a competência narrativa das crianças, os hábitos narrativos de alunos, docentes e encarregados de educação e as notas obtidas nos exames de aferição do 4º ano. Inicialmente, vamos reflectir acerca dos resultados da competência narrativa dos alunos, de acordo com os três tipos de narrativas recolhidas. De seguida, veremos se as variáveis sexo e nível socioeconómico do aluno estão correlacionadas com a competência narrativa e os hábitos narrativos. Por fim, iremos buscar relações entre estas dimensões e os resultados académicos dos alunos nos exames de aferição do 4º ano.

Na nossa amostra, a dimensão da estrutura narrativa é a mais elevada, com excepção das narrativas autobiográficas orais, o que vai de encontro ao esperado, pois esta é a dimensão que as crianças adquirem mais cedo no relato de acontecimentos (Mancuso, 1986, cit. in Antunes, 2005). Nas narrativas orais, a dimensão conteúdo assume um valor mais elevado, provavelmente devido ao estímulo apresentado (álbum fotográfico) que estimula maior diversidade de personagens, cenários, acontecimentos e temas, além de que na produção oral é habitual que a estrutura seja inferior à da expressão escrita, pois esta obriga a maior reflexão e antecipação do que se escreve e

como se escreve. O facto de a dimensão processo ser a que exibe resultados inferiores

nos três tipos de narrativas dever-se-á provavelmente às dificuldades, na faixa etária estudada, de se debruçarem sobre os aspectos motivacionais ou emocionais e metacognitivos dos acontecimentos (Peterson & McCabe, 1983; Umiker-Sebeok, 1979, cit. in Freitas, 2005). Esta dificuldade parece estar mais associada a questões que se prendem com o conhecimento escasso do mundo do que propriamente com a falta de competências narrativas. Brown (1975) afirma que a dificuldade das crianças quanto à utilização dos esquemas típicos dos contos deve-se à falta de competências relativas à utilização dos

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esquemas narrativos em desenvolvimento, mais do que a insuficientes capacidades

mnésicas ou competências comunicacionais. Segundo Gonçalves (2000), baixos níveis de processo narrativo podem encontrar-se associados a indiferenciação da experiência pela reduzida abertura à complexidade da experiência sensorial, emocional, cognitiva e de significado.

Comparando os nossos resultados relativos às narrativas de ficção com o estudo efectuado por Freitas (2005), com 122 crianças com idades compreendidas entre os 3 e os 10 anos de idade, especificamente com o grupo de alunos mais velho (9-10 anos), constatamos a existência de diferenças. Neste estudo, a dimensão mais elevada foi o conteúdo (M=37,51; DP=10,11), seguindo-se a estrutura (M=31,36; DP=13,14) e finalmente o processo (M=7,17; DP=3,84), ao contrário do nosso estudo em que a dimensão com resultados mais altos foi a estrutura (M=55,60; DP=17,56), seguida do conteúdo (M=35,6; DP=9,92) e depois o processo (M=19,4; DP=8,69).

Relativamente às sub-dimensões da estrutura narrativa (Orientação, Sequência estrutural, Comprometimento avaliativo, Integração), comparando os três tipos de narrativas, observa-se que os valores são superiores nas narrativas de ficção, seguindo- se as narrativas autobiográficas escritas e, com valores inferiores, as narrativas autobiográficas orais, excepto na sub-dimensão comprometimento avaliativo em que as narrativas orais se sobrepõem às escritas. A distribuição dos valores na nossa amostra pelos três tipos de narrativas parece significar que a existência de um estímulo mais estruturado, como o livro de imagens “Frog, where are you?”, possibilita às crianças organizarem de forma mais coerente a história que constroem. Apesar de o acto de escrever, em princípio, impor uma maior exigência estrutural relativamente à narrativa oral, na nossa amostra parece que as crianças conseguiram estabelecer um maior comprometimento dramático ou grau de envolvimento com as imagens do Álbum fotográfico, bem como descrever mais ricamente os seus estados de ânimo e exprimir a tonalidade emocional do seu relato, quando comparado com as produções escritas sobre acontecimentos pessoais.

No que se refere às sub-dimensões do processo narrativo, apenas na Objectivação se observam valores moderados (próximas da cotação 3), enquanto os alunos apresentam resultados entre o “muito pouco” e o “pouco” (entre os valores 1 e 2)

53 nas restantes três dimensões do processo: Subjectivação emocional, Subjectivação cognitiva e Metaforização. Constata-se, então, que os alunos parecem capazes de apresentar alguns elementos de experiência sensorial nas suas narrativas, mas constroem narrativas generalizadamente muito pobres em termos da expressão das variáveis internas, isto é, da descrição da diversidade de emoções, diversidade de cognições e diversidade de significados.

No que concerne às sub-dimensões do conteúdo narrativo, destaca-se a existência de valores muito baixos nas narrativas de ficção e nas autobiográficas escritas ao nível do Tema, provavelmente porque este é estabelecido, a priori, pelos próprios estímulos, mas que nas narrativas autobiográficas orais assume-se como uma sub- dimensão mais rica, possivelmente pelo facto de que as crianças é que o atribuem à história. A parca diversidade de temas narrativos poderia ser indicadora de uma limitação temática, encontrando-se o indivíduo preso à redundância de um só tema, emergindo então a “monotonia discursiva” (Gonçalves, 2000). Contudo, este não parece ser o caso, pois os valores das restantes sub-dimensões estão no nível moderado (entre 2 e 3). Relativamente a estas (Personagens, Acontecimentos e Cenários), os valores mais elevados surgem nas narrativas de ficção, muito provavelmente porque o estímulo do livro de imagens é suficientemente complexo para suscitar a construção de uma narrativa rica em contextos, interacções e personagens.

Se compararmos com a investigação levada a cabo por Freitas (2005), relativamente às sub-dimensões, a nível da estrutura da narrativa todos os valores obtidos pelo nosso grupo de participantes (Orientação: M=4,00; DP=1,18; Sequência estrutural: M=4,20; DP=0.87; Comprometimento avaliativo: M=3,10; DP=0,94; Integração: M=3,90; DP=0,94) são superiores ao do estudo de Freitas (O: M=2,80;

DP=0,87; SE: M=2,78; DP=0,72; CA: M=2,36; DP=0,88; I: M=2,14; DP=0.96),

observando-se ainda diferenças relativamente às sub-dimensões que obtiveram maior cotação. Quanto ao processo da narrativa, mais uma vez, todos os valores obtidos pelo nosso grupo de alunos (Objectivação: M=2,60; DP=0,80; Subjectivação emocional:

M=1,50; DP=0,67; Subjectivação cognitiva: M=2,20; DP=0,87; Metaforização: M=1,30; DP=0,46) são superiores ao do estudo realizado por Freitas (O: M=2,17; DP=0,62; SE: M=1,12; DP=0,33; SC: M=1,00; DP=0,00; M: M=1,00; DP=0,00).

54 superiores no nosso estudo (Cenários: M=2,70; DP=0,90; C: M=2,24; DP=0,85;

Acontecimentos: M=3,10; DP=0,54; A: M=2,87; DP=0.78), enquanto noutras duas sub-

dimensões se verificam valores inferiores na nossa amostra (Personagens: M=3,60;

DP=0,49; P: M=4,14; DP=0,82; Temas: M=1,70; DP=0,46; T: M=2,00; DP=0,31). A

dimensão do grupo de participantes utilizado no nosso estudo não permite estabelecer comparações quantitativas com segurança, mas revela-se possível extrair indícios ou provocações para futuras investigações. Assim, poderia ser interessante realizar um estudo

alargado a uma amostra significativa da população portuguesa, com o objectivo de obter

dados normativos e desenvolver um protocolo de avaliação narrativa, como um instrumento de avaliação do desenvolvimento infantil.

Relativamente às variáveis sexo do participante e nível sócio-económico, os resultados da nossa investigação revelam, tal como verificado noutras investigações, quer com crianças e adolescentes da população normal (Freitas, 2005; Rocha, 2005), quer com crianças de populações clínicas (Jorge, 2007), a inexistência de diferenças estatisticamente significativas entre os grupos. Os estudos com adultos (Kemper e colaboradores, 1999; Breager & McAdams, 1999; Ferreira, 2007) também não encontraram diferenças significativas entre o sexo feminino e masculino quanto à estrutura das narrativas, apesar de se observarem diferenças estatisticamente significativas quanto ao nível socioeconómico no estudo de Ferreira (2007). Assim, poderá concluir-se que a influência destas características sócio-demográficas não parece relevante para o desenvolvimento narrativo das crianças, embora possa haver influência do nível socioeconómico, em indivíduos adultos.

Os resultados dos questionários de hábitos narrativos apresentaram o dado interessante de que os alunos parecem ser os elementos menos motivados para as actividades de desenvolvimento narrativo da tríade estudada: alunos, professores e encarregados de educação. Na maior parte dos alunos (8 em 10), os encarregados de educação apresentam os resultados mais elevados, mas em dois casos revelam os resultados mais baixos, indiciando possivelmente constrangimentos na relação com as crianças. Tendo em conta que, de acordo com a literatura (Larrea, 1994; Peterson e

McCabe, 1994), o contexto das interacções familiares é mais importante no

desenvolvimento da construção narrativa do que a escolarização, os alunos participantes no presente estudo poderão ter ambientes ricos em hábitos narrativos que lhes permitiram

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desenvolver a competência narrativa de forma superior, por exemplo, às crianças que participaram no estudo de Freitas (2005).

Ao procurar correlacionar, no nosso grupo de participantes, as dimensões da narrativa com os hábitos narrativos de alunos, pais e encarregados de educação e com as notas nos exames de língua Portuguesa e Matemática, encontraram-se alguns resultados interessantes que passamos a assinalar e reflectir.

Os hábitos narrativos dos alunos não revelam correlação estatisticamente significativa com qualquer variável estudada, porém observam-se valores elevados, de sinal negativo, com a nota no exame de Língua Portuguesa. Esta ligação apresenta-se pouco credível, atribuindo-se ao número reduzido de alunos na amostra, pois, caso contrário, significaria que os alunos que mais frequentemente têm comportamentos narrativos, obteriam resultados inferiores a nível da Língua Portuguesa.

Relativamente às dimensões médias dos três tipos de narrativas, observam-se correlações estatisticamente significativas entre Processo narrativo e Nota no exame de Matemática (r=0,695, p<0.05) e entre o Conteúdo narrativo e a Expressão Escrita (r=0,645, p<0.05). Por um lado, estas correlações apontam para uma relação significativa entre o raciocínio lógico-abstracto, subjacente à Matemática, e as dimensões de objectivação, subjectivação e metaforização das narrativas. Por outro lado, a capacidade de expressão escrita aparece correlacionada com a riqueza e diversidade de personagens, cenários, acontecimentos e temas presentes nas narrativas.

Quando observamos estas correlações, distinguindo o tipo de narrativas (ficção, autobiográficas orais e escritas), constatamos que as narrativas autobiográficas orais são as únicas que permitem estabelecer correlação com as três dimensões da narrativa. Assim, a nota no exame de Matemática apresenta correlação estatisticamente significativa com a Estrutura da narrativa (r=0,638, p<0.05), o Processo narrativo (r=0,645, p<0.05) e com o Conteúdo (r=0,668, p<0.05). Além disso, neste tipo de narrativas, o Processo relaciona-se significativamente com a competência de Expressão Escrita dos alunos (r=0,647, p<0.05). Estes resultados parecem indicar que a utilização do Álbum Fotográfico como estímulo para a tarefa narrativa influiu os alunos a colocarem em acção o seu raciocínio lógico-abstracto. Nas narrativas de ficção, a dimensão do Processo de construção narrativa surge correlacionado negativamente com

56 a competência de conhecimento explícito da Língua (r = –0,754, p<0.05), o que significa que, neste grupo de participantes, os alunos com melhores competências no conhecimento do funcionamento da língua cotam menos no processo de construção narrativa. Quanto às narrativas autobiográficas escritas, observa-se a ocorrência de uma correlação estatisticamente significativa entre a dimensão do Conteúdo narrativo e a competência de Expressão Escrita (r=0,672, p<0.05). Este dado poderá dever-se à coincidência entre a diversidade de personagens, acontecimentos, cenários e temas introduzidos numa construção narrativa e o facto de que os alunos são instruídos a colocar estes elementos em qualquer composição/produção escritas que realizem.

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Conclusões

Terminado mais um percurso de investigação exploratória e no anseio de que tudo o que foi estudado e reflectido se enquadrará noutros percursos vindouros, neste momento do trabalho, teceremos algumas conclusões, bem como explanaremos as principais limitações e daremos um olhar sobre o futuro.

Entendemos a narrativa enquanto uma forma privilegiada de relação com os outros e o mundo, e se as relações privilegiadas se estabelecem nos contextos familiar e escolar, tendo um papel crucial no desenvolvimento da criança, também a construção narrativa encontra no seio das relações que a criança estabelece com os adultos de referência que têm uma influência determinante na qualidade do seu desenvolvimento, pelo que tomámos em consideração o acontecer da interacção narrativa nestes dois contextos.

Globalmente, os dados apontam no sentido de uma tendência de evolução positiva na forma como a coerência da Estrutura, a complexidade do Processo e a multiplicidade do Conteúdo são articuladas desde os três anos de idade até à idade adulta, muito embora o Conteúdo pareça não se distinguir na sua riqueza quando comparamos os adolescentes com os adultos, sendo a dimensão cuja evolução ao longo do desenvolvimento parece ser menos vincada. Mais especificamente, a Estrutura parece ser a dimensão cuja evolução é mais evidente: se até aos 10-11 anos esta dimensão se apresenta em segundo lugar de destaque, com vantagem para o Conteúdo, (Freitas, 2005), a partir dos 11-12 anos de idade, tanto adolescentes (Freitas, 2005) como adultos apresentam valores mais elevados ao nível da Estrutura, seguida do Conteúdo e por fim do Processo.

Temos de ter em consideração a natureza da tarefa de indução narrativa utilizada, na narrativa de indução, pois pode também constituir uma limitação ao estudo. Berman (2001) reflecte sobre o viés que a existência de um livro de imagens aberto diante do observador e da criança pode introduzir. Uma vez que a criança pode assumir que o conhecimento é partilhado por ambos, poderá não se deter em detalhes em torno da exploração do cenário, da descrição do protagonista e da exploração da sequência de acontecimentos o que terá implicações em todas as dimensões da matriz narrativa. Autores como Pellegrini e Galda (1990, cit in Freitas, 2005, p.87) acrescentam que as

58 definições do adulto e da criança para a mesma tarefa são muitas vezes diferentes, explicando que quando um adulto dá a uma criança a instrução “conta uma história acerca desta figura” a criança muitas vezes interpreta as instruções do adulto como um pedido para descrever a imagem. Este é um facto que temos de tomar em consideração, dado que pode ter contribuído para um maior desenvolvimento da dimensão referente ao conteúdo, que apela à descrição dos cenários e personagens, prejudicando as dimensões com enfoque na exploração de significados, emoções e coerência narrativa.

Em suma, relativamente à hipótese de investigação diríamos que foi parcialmente confirmada, pois observam-se correlações estatisticamente significativas entre Processo narrativo e Nota no exame de Matemática e entre o Conteúdo narrativo e a Expressão Escrita. Por um lado, estas correlações apontam para uma relação significativa entre o raciocínio lógico-abstracto, subjacente à Matemática, e as dimensões de objectivação, subjectivação e metaforização das narrativas. Por outro lado, a capacidade de expressão escrita aparece correlacionada com a riqueza e diversidade de personagens, cenários, acontecimentos e temas presentes nas narrativas.

Por fim, importa salientar outros aspectos que foram alvo de análise e que poderão, igualmente, trazer novas perspectivas de investigação. A análise de variáveis como o Sexo e o Nível Sócioeconómico nas crianças, comparando com os estudos realizados com adolescentes e adultos permitiu-nos considerar os seguintes aspectos: a riqueza das narrativas das crianças não parece variar em função do sexo (Freitas, 2005) embora valores mais elevados nas raparigas, adivinhem as diferenças significativas que se vêm a encontrar entre rapazes e raparigas na adolescência (Rocha, 2005), com maior destaque para a Estrutura. Já nos adultos, verificámos valores dos homens ligeiramente superiores aos das mulheres, embora sem qualquer relevância estatística (Ferreira, 2007). Estes resultados vão ao encontro das investigações que realçam as diferenças encontradas por sexo, na produção narrativa de crianças e de adolescentes e que tendem a ser explicadas como resultado da tendência dos pais para contarem as histórias do passado de forma distinta consoante o façam a crianças do sexo feminino ou do sexo masculino (e.g., Fivush, 1994; Mackeough e Generaux, 2003) e, ainda, de outras que referem que a variável sexo não determina diferenças na organização narrativa dos adultos, nomeadamente ao nível da coerência (e.g., Kemper e colaboradores, 1999;

59 Breager e McAdams, 1999). Estudos ulteriores talvez nos permitam perceber o que conduz a que esta tendência se acentue na adolescência e se esbata na vida adulta.

Quanto à outra variável estudada, NSC, os resultados também não foram consistentes ao longo do desenvolvimento e parece encontrar-se mais do que uma tendência nas investigações. O NSC revelou não produzir um efeito significativo na produção das dimensões da matriz narrativa das crianças (Freitas, 2005) e dos adolescentes (Rocha, 2005), no entanto, manifestou influenciar a produção narrativa dos adultos, sendo que, no geral, os sujeitos dos níveis médio e alto revelaram narrativas mais ricas do os de nível baixo (Ferreira, 2007). Outros estudos que tiveram em conta o número de anos de estudos dos adultos encontraram relações entre um maior número de anos de educação formal e de maior riqueza de vocabulário com a produção de frases maiores e de narrativas com um maior número de ideias integradas (Kemper e colaboradores, 1999) e, ainda, com uma maior coerência da história de vida (Breager e McAdams, 1999). Neste ponto, importa referir que, o facto de alguns estudos, nomeadamente os que acabámos de referir realizados com crianças e adolescentes operacionalizarem o NSC através da escolaridade dos pais, enquanto que outros o fazerem através do nível de escolaridade ou anos de estudo dos próprios sujeitos, poderá determinar resultados diferentes dos encontrados para aquelas faixas etárias. Por outro lado, o facto de ser difícil encontrar crianças da mesma idade com níveis de escolaridade distintas sem que entrem em jogo outro tipo de variáveis (tais como dificuldades de aprendizagem, deficiência mental, ou outras que adivinhem trajectórias de desenvolvimento difíceis) dificulta perceber se as diferenças se devem ou não à forma como a variável NSC foi operacionalizada. Ainda assim, estudos que avaliaram a produção narrativa em crianças entre os 6-7 anos de idade (Spinillo e Martins, cit. in Fabíola Gonçalves & Dias, 2003) e em adultos (Fabíola Gonçalves e Dias, 2003) com níveis de escolarização distinta, corroboram a ideia de que os sujeitos menos alfabetizados revelaram maior dificuldade em relacionar e integrar o desfecho da história com os eventos anteriormente narrados. No entanto, como defendem as autoras, o facto de as narrativas orais dos jovens e adultos sem escolarização se situarem em níveis mais elaborados de coerência do que as narrativas orais das crianças, mesmo as mais escolarizadas, parece indicar que, para além da escolaridade, outros factores, como o conhecimento do mundo, o conhecimento partilhado, factores pragmáticos, etc.,

60 influenciam a produção de narrativas mais coerentes. Para além disso, é ainda de salientar o facto das competências narrativas das crianças ao nível do pré-escolar serem excelentes preditores do futuro sucesso escolar (Peterson, Josso, e McCabe, cit. in Freitas, 2005) facto que poderá, em parte, condicionar o ingresso em níveis de escolarização média ou superior daqueles sujeitos que apresentam, à partida, uma maior riqueza narrativa. Desta forma, consideramos a influência da escolarização na organização narrativa ainda um tema ambíguo, almejando que futuros estudos possibilitem novas conceptualizações.

Relativamente a sugestões para estudos futuros, consideramos que um estudo longitudinal poderia trazer à luz um outro olhar sobre o desenvolvimento da autoria ao longo do tempo, comparando as narrativas de um mesmo sujeito em diferentes fases do seu crescimento. Por fim, comparar estes resultados com os de uma população clínica enriqueceria o nosso entendimento sobre as diferenças possíveis entre a construção narrativa de crianças com um percurso desenvolvimental normal e de crianças com trajectórias desenvolvimentalmente inadaptativas.

Seria ainda interessante estudar em que medida a estimulação das diferentes Dimensões em distintas formas de prototipia narrativa contribui para uma melhoria do estado emocional.

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