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Parte II- Parte prática Inquérito sobre cães de cães de assistência

4- Discussão dos resultados

Apesar das aprendizagens base serem semelhantes nos 3 tipos de cães de assistência, as aprendizagens posteriores são diferenciadas relacionando-se as dificuldades e as necessidades de cada tipo de utilizador. Um cão-guia precisa ser os “olhos” do seu utente, o cão para surdos precisa ser os seus “ouvidos” e o cão de serviço precisa principalmente de ser as “mãos e as pernas” do seu utilizador.

A ÂNIMAS até agora teve 100% de sucesso, também devido a ainda terem entregue apenas 6 cães de assistência (1 para surdos e 5 de serviço). Por outro lado a ABAADV, que entrega 12 cães-guia por ano, já entregou até à data da entrevista, cerca de 125 cães. Como já foi

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referido, a Bocalán Portugal sendo uma associação recente, apesar de já bem estruturada ainda não doou cães de assistência.

Dos 31 cães de assistência em estudo, 3 deles vieram do estrangeiro (2 dos Estados Unidos da América e o outro de França), e logo os comandos dados ao cão de assistência são em língua inglesa e em língua francesa, respetivamente. A aquisição de cães de assistência em Portugal além de permitir uma curta distância até aos utilizadores permite também que os comandos sejam em língua portuguesa, o que será mais fácil para os utentes. Estes factos poderão justificar a pouca aquisição dos cães de assistência noutros países e a lista de espera de utilizadores nestas associações, por cães de assistência (ABAADV e ÂNIMAS).

Em relação ao número de utilizadores que já tiveram mais de um cão de assistência, ter sido apenas um para além do atual, deve-se à existência relativamente recente destas associações em Portugal (ABAADV treina cães desde 1999, a ÂNIMAS desde 2002 e a Bocalán Portugal desde 2012). Há países como os Estados Unidos da América ou a França que possuem escolas de cães-guia há mais de 60 anos. Assim, a resposta à questão 6 da parte I, “Há quantos anos possui cães de assistência”, o tempo mais longo foi apenas 14 anos.

Apesar da maioria dos cães de assistência serem fêmeas, a ABAADV reconheceu que não tem preferência, e que cada vez mais, a tendência é usar tanto machos como fêmeas. Já a ÂNIMAS e a Bocalán Portugal referiram que preferem usar fêmeas por serem mais concentradas, além dos utilizadores preferirem fêmeas no geral.

Apenas a Bocalán Portugal referiu dar importância à cor do pelo, principalmente no cão de serviço, dando preferência a cores claras (branco ou amarelo). Isto porque a cor escura tem tendência a estar ligado com o obscuro e a noite (cães de cor escura podem ser mais assustadores para as pessoas do que os cães de pelo claro), além de haver uma maior dificuldade de ser visto à noite, por exemplo.

Apesar de o cão para surdos existente neste estudo ser uma fêmea da raça Pequinois, este tipo de cão de assistência pode ser de qualquer raça, desde que tenha as caraterísticas já referidas no tópico “Os tipos de cães de assistência”.

No questionário 2 confirmou-se que 100% dos cães de assistência são esterilizados, sendo um requisito nestes cães. Isto permite que os animais tenham um temperamento mais calmo, principalmente devido à não existência de cio ou atividade sexual.

Também a vacinação se verificou em 100% do cães de assistência, de modo que se verifica que os utilizadores dão importância à prevenção da saúde do cão, tanto pelo seu bem-estar para estar apto a trabalhar como para prevenir maiores despesas no futuro.

O facto de apenas a vacina da raiva ser a única dada em 100% dos casos, a parvovirose, esgana, hepatite canina e leptospirose também se aproximaram desse valor. No entanto, como

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alguns utilizadores não tinham a certeza de todas as vacinas que o seu cão tinha, a resposta dada como “não” pode ser dúbia.

A frequência da desparasitação externa tem uma variação menor que a desparasitação interna, sendo que também variam com a época do ano. Alguns utilizadores referiram que no inverno espaçavam mais a administração do desparasitante externo, relativamente ao verão, seguindo as recomendações do médico veterinário.

Apesar da prevalência da ida ao médico veterinário ser mais de 3 vezes por ano, os utentes referiram que é uma média e que depende da saúde do seu animal. Mas muitos utilizadores referiram que vão com mais frequência para verificarem se está tudo bem com a saúde do seu cão de assistência.

Quanto ao facto da maioria dos cães de assistência comerem 2 vezes ao dia, o único utilizador que referiu dar a alimentação apenas uma vez por dia (à tarde), destacou que lhe dá de uma só vez a quantidade de alimento que deveria dar em 2 vezes ao dia, dando uma pera de manhã por vezes. Destacou ainda que esta opção foi feita pelo médico veterinário para regularizar o intestino do animal.

Os utilizadores referiram que a cama do seu cão geralmente se localiza ou no seu quarto ou na sala, sendo os que dormem no quarto dos utentes o fazem por estes se aperceberem que o seu cão prefere estar próximo.

Os utilizadores que deram cotação 4 (da escala de 1 a 5), do ponto de vista de utilidade, referiram que este valor prende-se principalmente com o facto de quererem enfatizar que não sentem que são totalmente dependentes do seu cão de assistência. Isto é, destacaram a importância do cão para a sua vida, mas que sem ele também têm capacidade de se orientar e fazer o seu dia-a-dia, dentro das suas limitações.

O tempo diário para brincar é diferente se for ao fim de semana, em que alguns utilizadores referiram que é nesta altura que os seus cães têm mais tempo para descansar e brincar. A variação do tempo para brincar diariamente deve-se principalmente ao facto de alguns utentes terem empregos que ocupam mais tempo que outros. Os que referiram que o seu cão tinha apenas entre 10 a 30 minutos por dia destacaram, apesar de tudo, que este tempo para o seu cão é importante e que as suas condições de trabalho não o permitiam, mas que ao fim de semana davam mais descanso ao seu cão.

Relativamente à recompensa, o facto de a maioria a dar imediatamente a seguir ao trabalho bem efetuado, prende-se com a facilidade com que o cão percebe o que fez bem e que repita esse comportamento. A maioria dos utilizadores referiu dar de recompensa um biscoito por ser mais fácil e ser um “prémio” bastante apetecível para o cão. Aqueles que referiram não dar alimentos como recompensa, consideram um mau hábito e que assim também faziam um

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melhor controlo da dose diária de alimentação. Estes utilizadores preferem outros tipos de recompensa, como demonstração de carinho através de palavras ou gestos carinhosos.

Muitos dos utentes referiram que nenhum cão é uma máquina e que é normal desobedecerem, principalmente no início, quando a dupla ainda se está a conhecer. A desobediência inteligente é aqui referida, não se tratando exatamente de uma desobediência (principalmente negativa) mas sim de algo aprendido juntamente com o inato. Exemplos deste tipo de desobediência são as 2 experiências a seguir referidas:

- Uma utilizadora de cão-guia referiu um acontecimento em que insistiu para que a cadela avançasse, mas esta não o fazia acabando por deitar-se aos seus pés. Uns momentos depois alguém a avisou de que estava um carro a recuar na sua direção e a cadela simplesmente não a deixou avançar na direção do carro.

- Outra utente referiu que se encontrava num piso superior de um centro comercial e pediu “busca escadas” ao seu cão-guia, mas este insistia em levá-la para junto do que ela considerava uma parede. Ao fim de algumas tentativas sempre com o mesmo resultado, alguém lhe referiu que aquele piso não tinha escadas para o piso inferior e que o seu cão de assistência estava a colocá-la em frente a uma porta de elevador.

O modo como é feita a resolução destas desobediências varia de acordo com o tipo de insubordinação. A recompensa é apenas atribuída na desobediência inteligente, já que no geral as desobediências são consideradas negativas e que não se pretende que sejam repetidas. O cão de assistência, apesar de ser um cão treinado, distrai-se por vezes com outras pessoas ou animais, sendo necessário chamar-lhe novamente a sua atenção através do parar, sentar para captar a sua atenção e dar então novamente a ordem. O zangar e o castigo mostrou ser uma resolução apenas quando o cão teima em não obedecer aos comandos do utilizador, ou outra situação na qual o cão não está a cumprir o seu trabalho.

O facto de o cão de assistência pertencer sempre à associação que o doou, implica que no fim da sua vida útil de trabalho o seu destino seja a devolução à mesma, para fins de adoção. Porém, se o utilizador quiser ficar com o cão, como animal de companhia, as associações geralmente facilitam. Se não for esse o caso, as famílias de acolhimento são a primeira linha de adoção. A maioria dos utentes quer ficar com o seu cão de assistência atual, sendo que aqueles que já tiveram mais de um cão de assistência ficaram na sua maioria com eles. Também os cães de assistência anteriores, que morreram por doença, foram referidos como pretendidos para ficar com os seus utilizadores. Aqueles que foram adotados pelas famílias de acolhimento deveu-se principalmente ao facto dos utentes não poderem sustentar mais do que um cão, já que tinham um novo cão de assistência ou estavam à espera de um.

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Todos os cães-guia utilizam transportes, sendo que a maioria anda nos transportes públicos como o autocarro, o metro ou comboio. Foram referidos outros transportes para além dos enunciados no questionário, destacando-se o elétrico e ainda um utilizador referiu que o seu cão chegou a deslocar-se nos cestos que descem uma rua na Madeira. Pode-se assim reconhecer que o cão de assistência se adapta até ao transporte menos comum.

O reconhecimento de palavras por todos os cães de assistência é muito importante, já que é o principal modo de comunicação e funcionamento da dupla. É através das palavras que os utilizadores dão os comandos aos seus cães e estes percebem como devem agir. Muitas ordens são iniciadas com a palavra “buscar/busca”. Exemplos dessas palavras são: busca linhas (passadeira para peões), busca escadas, busca porta, busca passeio, busca multibanco, busca café, entre outros. Reconhecem ainda nomes de locais, nomes de familiares ou amigos e nome dos objetos mais comuns no dia-a-dia do cão, tanto da habitação como fora dela.

Os sons são importantes para a maioria dos cães-guia e fundamental para os cães para surdos, já que são os sons que os seus utilizadores não conseguem captar (sendo essencialmente os que ocorrem na habitação como: telefone/telemóvel, campainha ou bater à porta, alguém a chamar pelo nome do utilizador).

Os gestos são importantes para a maioria dos utilizadores de cães de assistência pois são usados como uma forma de complementar palavras, principalmente as de orientação (direita, esquerda, em frente, avança) ou de ordens (senta, deita, pára). Deste modo facilita-se a compreensão do cão e melhora-se a execução das suas tarefas.

Os percursos são referidos apenas nos cães-guia, pois são a sua principal função, a de guiar uma pessoa cega através de caminhos importantes para ela. O percurso casa-trabalho é o mais reconhecido, sendo que no caso de um estudante, o percurso é casa-faculdade. Outros percursos importantes são os da rotina de qualquer pessoa, como as utilidades (banco, segurança social, correios, finanças, farmácia, etc) ou de lazer (café, restaurante, praia, shopping).

Os utilizadores que referiram outro, na questão “O que reconhece o seu cão de assistência?” referiram que também reconhecem pessoas, locais ou objetos que o utilizador deixa cair. O cão para surdos quando ouve um som que seja importante para o seu utilizador, pode chamar a atenção deste, de várias formas. Além dos sons que aprendeu a destacar, a cadela em questão desenvolveu, de forma autónoma, capacidade de destacar e alertar o utilizador para outros sons, como o de uma trovoada ou o de uma chuva mais intensa. No caso da cadela para surdos que existe em Portugal, esta faz uma sequência de comportamentos, sendo que primeiro salta, depois toca no joelho dos utentes e depois corre para a fonte do som (ou então para o local mais próximo possível). Esta sequência, por vezes, é encurtada pois quando a

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cadela vê que o utilizador está a olhar para ela, apenas corre para o local de onde vem o som, sem saltar ou lhe tocar. Sendo então de destacar, que o tocar e o saltar serve apenas para chamar a atenção do utilizador e só então se desloca para a fonte do som. Se o utilizador já está a olhar para ela, por exemplo porque estava deitada e de repente se levantou, a cadela como já tem a sua atenção, apenas corre para a fonte sonora. De destacar que esta cadela tem 2 utilizadores, uma vez que, tanto o utilizador que respondeu ao questionário como a sua esposa são surdos. Esta cadela é também um meio de comunicação entre eles, nomeadamente quando um utilizador chama o outro. Além disso, sendo um cão para surdos, entende palavras tanto em língua oral como gestual, de modo que os seus utilizadores possam comunicar com ela.

4.1- A opinião dos utilizadores de cães de assistência

A maioria dos utilizadores de cães de assistência, que responderam ao questionário, referiu que o cão fornece companhia, amor incondicional, menos stresse na rua, maior segurança, independência, confiança e mobilidade (permite fazer um percurso em menos tempo), integração e interação social. Apesar de tudo isto, não é só importante o cão, como também é o próprio utilizador que permita que tal aconteça. Possibilitam deste modo uma maior autonomia na vida do utilizador e uma relação de companheirismo que leva ao trabalho da dupla “perfeita”. Alguns utilizadores consideram o seu cão de assistência como pertencente à família.

É de destacar que os utentes têm em conta que o seu cão de assistência é um ser vivo com necessidades, que além de virtudes também têm falhas e que é importante o seu bem-estar. São cães com boa memória e bons pontos de referência, sendo uma “ferramenta” ideal de trabalho e uma mais-valia.

Os aspetos negativos que os utilizadores assinalaram, foram que, apesar de tudo, é mais um encargo, mais uma responsabilidade e o facto de, apesar de a lei o permitir, não serem bem- vindos em alguns estabelecimentos públicos. Enfatizaram no entanto, que estes aspetos valiam a pena serem suportados, perante a grande quantidade de aspetos positivos.

A utilizadora do cão de serviço, que integrou neste estudo, referiu que ainda há muitas pessoas que confundem o cão de serviço com o cão-guia, talvez porque este último existe há mais tempo no nosso país. As pessoas concluem assim que a utilizadora é cega, ainda que se desloque numa cadeira de rodas (por exemplo: avisam a utilizadora que o semáforo dos peões está verde). Por isto, e muitas outras situações, os utentes alertam para que a sociedade tenha menos preconceitos e que sejam feitas mais campanhas de sensibilização à sociedade em

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geral, para que além dos estabelecimentos conhecerem melhor a lei, as pessoas não distraiam o cão de assistência quando este está em trabalho.

Entende-se que o objetivo principal dos utilizadores ao possuírem os cães de assistência, é a possibilidade de uma melhor qualidade de vida.

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