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O presente estudo procurou explorar e descrever a forma como os psicoterapeutas portugueses integram intervenções de diversos modelos psicoterapêuticos. O seu objectivo geral foi investigar se a integração era feita de forma sistemática, responsiva às características dos pacientes, e baseada na evidência empírica.

Em primeiro lugar, os dados revelam que a orientação teórica dos psicoterapeutas foi bastante diversa, encontrando-se de um modo geral uma semelhança entre a orientação indicada no início da prática clínica e na experiência profissional actual. Contudo, a orientação comportamental foi a única orientação teórica que revelou um decréscimo no número de participantes, entre a utilização do modelo teórico comportamental no passado e no presente. Evidenciou-se também que, de todas as orientações teóricas, o modelo integrativo/ecléctico foi o que se apresentou como sendo mais utilizado actualmente pelos psicoterapeutas do nosso estudo, seguido dos modelos psicodinâmico e cognitivo. Estes resultados encontram-se genericamente em consonância com o estudo de Vasco, Santos e Silva (2003), à excepção do facto de que, no nosso estudo, foi a orientação integrativa/ecléctica a mais frequente. Os psicoterapeutas dinâmicos/psicanalíticos foram os que revelaram fazer menos o uso de técnicas de intervenção de outros modelos teóricos. Os psicoterapeutas de orientação comportamental, cognitiva, humanista e sistémica revelaram utilizar significativamente técnicas dos outros modelos. Estes dados são igualmente consistentes com os resultados do estudo de Vasco (1992), no qual este autor concluiu que “tomados em conjunto, os dados portugueses relativos às combinações e tipo de eclectismo revelam que a amplitude do eclectismo português é bastante limitada, dado que as combinações mais frequentes são constituídas por perspectivas aparentadas” (Vasco, 1992, p. 267).

Os psicoterapeutas humanistas e os integrativos tenderam a ser mais responsivos às características do paciente, tal como foi avaliado pela escala do presente questionário. Por seu lado, a identificação com a orientação dinâmica ou analítica, comportamental, cognitiva, e sistémica não se revelaram associadas de forma significativa com a responsividade. Por outras palavras, os psicoterapeutas que utilizam técnicas destas últimas orientações apresentam uma grande variabilidade no que diz respeito à forma como adequam as suas intervenções a cada paciente, existindo aqueles que fazem um

ajustamento responsivo às características dos pacientes e aqueles que não o fazem de forma habitual.

Neste estudo revelou-se que a maioria dos psicoterapeutas referiu que o tipo de integração das várias técnicas terapêuticas depende do tipo de problemática e dos pacientes, e que o fazem mantendo-se na mesma linha teórica. Uma percentagem menor de terapeutas referiu que a escolha das diferentes técnicas depende do tipo de problemática dos pacientes, integrando técnicas de modelos de orientação teórica diferente, momento a momento em terapia. Este tipo de integração é consistente com o “modelo de complementaridade paradigmática” já apresentado anteriormente. (Vasco & Conceição, s.d.)

Retomamos a proposta teórica de Alonso et al. (2006), a qual distinguia o integracionismo (crença na teoria, procura por um acordo entre teorias, desenvolvimento de melhores abordagens e a legitimação externa através do método científico) de eclecticismo (o primado da funcionalidade, o fim dos grandes modelos, o “deve-se aplicar o que resulta”, e a legitimação feita através das necessidades clínicas). Estes autores defendiam que os psicoterapeutas se distinguiam por uma atitude moderna (integracionismo) ou pós-moderna (eclecticismo). Utilizando esta linguagem, os resultados parecem indicar que os psicoterapeutas portugueses ainda não são eclécticos, nem apresentam uma atitude psicoterapêutica pós-moderna. De outro modo, a maioria afirmou integrar técnicas dentro de um mesmo território teórico, mantendo-se na “narrativa” da sua formação inicial. Aqueles que integram a utilização de técnicas de orientações diversas fazem-no muitas vezes sem atender às evidências empíricas sobre “o que resulta”, patentes na literatura.

De facto, tendo como referente os princípios de mudança em psicoterapia baseados no modelo integrativo de selecção sistemática propostos por Beutler e Harwood (2000), foram poucos os psicoterapeutas que mostraram fundamentar a escolha das suas técnicas de intervenção em princípios validados por dados empíricos.

Assim, relativamente à rede de apoio social, salienta-se que a maior parte dos psicoterapeutas referiu que “a rede social traz benefícios para o trabalho terapêutico”, sem que explicassem de que forma. Como Beutler e Harwood (2000) referiram, o prognóstico encontra-se positivamente relacionado com o apoio social, e negativamente associado ao défice funcional.

De outro modo, também em relação à complexidade/cronicidade, nenhum terapeuta referiu que a probabilidade ou magnitude de mudança podem ser aumentadas

pela utilização de múltiplos indivíduos (grupo, família, casal), sendo que apenas alguns psicoterapeutas revelaram que esta variável pode ser utilizada como preditor de mudança.

Por outro lado, relativamente ao défice funcional, pode-se afirmar que a maior parte dos psicoterapeutas estão em parte em consonância com Beutler e Harwood (2000), pois afirmaram que utilizavam o défice funcional para determinar a escolha das técnicas de intervenção, integrando modelos teóricos diferentes. De facto, estes autores afirmaram que os pacientes com maior défice funcional beneficiam de intervenções mais intensas e com mais modalidades de intervenção.

No que concerne ao estilo de coping, Beutler e Harwood (2000) afirmaram que “a mudança é maior quando o equilíbrio relativo das intervenções favorece o uso de técnicas dirigidas à eliminação de sintomas ou aprendizagem de competências com clientes externalizadores, ou, favorece o uso de técnicas dirigidas para o insight e para a relação terapêutica com internalizadores.” No nosso estudo, a maioria dos psicoterapeutas encontra-se alinhada com este princípio, embora não na totalidade, pois refere a utilização dos estilos de coping apenas para fazer o levantamento das estratégias adequadas que o paciente usa, no sentido de as validar ou promover (ou no seu inverso, no sentido da invalidação ou eliminação).

Em relação à variável resistência, alguns participantes no nosso estudo indicaram a utilização desta variável para ajustar a postura do terapeuta, o que se coaduna com o princípio de mudança que refere que a mudança terapêutica é maior quando a directividade do terapeuta e das intervenções está inversamente relacionada com o nível de reactância do cliente (Beutler & Harwood, 2000).

No que respeita ao sofrimento subjectivo, Beutler e Harwood (2000) referem “que a probabilidade de mudança terapêutica é maior quando o nível de desconforto emocional do cliente é moderado, isto é, não é nem excessivamente elevado, nem excessivamente baixo. Decorre deste princípio que deve ser feito o uso de intervenções ou técnicas que promovam a diminuição da activação e/ou desconforto emocional com clientes cuja activação é muito elevada, e o aumento da experiência emocional com aqueles que denotam pouca ou nenhuma activação.” Dos participantes da nossa investigação, salienta-se que uma parte significativa referiu utilizar esta variável para determinar as técnicas de intervenção, integrando modelos teóricos distintos, embora não tenha referido que tipo de técnicas, nem de que forma.

Segundo Meyer e Pilkonis (2002, citados por Moleiro, 2005), os pacientes com vinculações seguras beneficiam mais da psicoterapia, sendo que os dismissivos podem necessitar de intervenções mais activas na promoção da expressão emocional e os preocupados podem precisar de maior contenção afectiva. De acordo com o nosso estudo, alguns terapeutas revelaram utilizar o estilo de vinculação para perceber o padrão de vinculação do paciente e para que o mesmo fosse interpretado na relação psicoterapêutica. Todavia, não explicaram de que forma fazem uso dessa “interpretação”. Castonguay e Beutler (2006) referiram que uma vinculação segura do terapeuta pode ser facilitadora do processo terapêutico, chamando a atenção para as características do terapeuta em psicoterapia. No entanto, no presente estudo nenhum dos participantes referiu levar em conta o tipo de vinculação do terapeuta.

No que concerne à utilização do estádio de mudança, salientamos o facto de alguns psicoterapeutas terem referido a utilização desta variável para chegarem à fase de acção, embora nenhum dos participantes tenha explicado de que forma. Assim, neste estudo, nenhum dos psicoterapeutas referiu a utilização de intervenções dinâmicas, cognitivas ou experienciais para os primeiros dois estádios de mudança (pré- contemplação e contemplação), como postulado pelo modelo transteórico (Prochaska & Norcross, 2002). De igual modo, os participantes não referiram o uso preferencial de técnicas comportamentais e existenciais com pacientes nos estádios de acção e manutenção (Prochaska & Norcross, 2002).

É de referir que o presente estudo levanta questões de implicações éticas, práticas, e de formação dos psicoterapeutas portugueses. Ao nível ético, são diversos os códigos deontológicos em psicologia que defendem que os psicólogos devem basear o seu trabalho no conhecimento científico e profissional estabelecido na disciplina, esforçando-se por garantir níveis altos de competência no seu trabalho (APA, 2002; FEAP, 1995). A necessidade de formação contínua e de tomar conhecimento de avanços críticos ao nível teórico e metodológico encontra-se intrinsecamente associada ao princípio da competência e à definição de boas práticas. Deste modo, parece-nos importante salientar a relevância de uma prática ética em psicoterapia.

Considera-se de vital importância que os psicoterapeutas se mantenham criticamente atentos à investigação e inovações em psicoterapia, para que desta forma possam suportar as suas decisões psicoterapêuticas, momento a momento em psicoterapia, em dados empíricos fundamentados. Como afirmou Vasco (1992, p. 310), “os futuros terapeutas deveriam ser encorajados a dar um peso significativo à sua

filosofia e valores pessoais na escolha de orientação teórica, sem esquecer, obviamente, a eficácia diferencial dos diferentes tipos de intervenção”. Este movimento, já referido anteriormente, tem-se traduzido num crescimento das práticas baseadas na evidência (Chambless et al, 1996; Nathan & Gorman, 2002; Roth & Fonagy, 2006). Tendo este movimento começado dentro do território da medicina, este movimento tem marcado de forma significativa a prática da psicologia clínica e da psicoterapia, particularmente nos países anglo-saxónicos.

As limitações do nosso estudo sugerem que a futura exploração e análise das variáveis tratadas deve efectuar-se com amostras de maior dimensão. Refere-se também que seria interessante fazer estudos com metodologias longitudinais no sentido de explorar a forma como os terapeutas desenvolvem ao longo do tempo a integração de diversas técnicas na sua prática clínica. Para além disso, o instrumento utilizado foi baseado em medidas de auto-preenchimento, o que se encontram sempre sujeitas a distorções e a enviesamentos associados à desejabilidade social. Salienta-se também como limitação o facto da análise qualitativa dos dados ser realizada pelo investigador, que não é cego às hipóteses da investigação, não tendo sido possível a codificação por um juiz independente para verificar o consenso entre juízes.

Consideramos importante este estudo ser replicado com uma amostra maior, tendo por objectivo a extensão da representatividade dos resultados e consequente caracterização da prática clínica dos psicoterapeutas portugueses. Estudos futuros de variáveis pessoais e profissionais dos psicoterapeutas constituem o caminho mais promissor para a compreensão da figura do psicoterapeuta e para o desenvolvimento epistemológico desta classe.

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