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A utilização de diferentes métodos dendrocronológicos, como shigômetro (Worbes, 1995), fitas dendrométricas (Schöngart, 2003), técnica de datação de anéis com 14C (Worbes & Junk, 1989; Dezzeo et al., 2003), observações da fenologia (Worbes, 1997; Schöngart et al. 2002), feridas do câmbio (janelas de Mariaux) (Worbes, 1988) e correlações entre índices de taxas de incremento médio nos anéis arbóreos com fatores climáticos como precipitação, influência do El Niño (Schöngart et al. 2004) e influência do pulso de inundação (Dezzeo et al. 2003; Schöngart et al. 2005) tem comprovado a existência de anéis anuais no lenho de espécies arbóreas em áreas alagáveis da Amazônia. Todos esses estudos indicam que o crescimento arbóreo, para as espécies nos ambientes alagáveis amazônicos, ocorre principalmente na fase terrestre, quando as plantas não estão sob regime de inundação (Schöngart et al. 2002).

Os resultados obtidos das séries temporais dos índices de largura dos anéis de crescimento, comparados com as séries temporais dos parâmetros hidrológicos da flutuação do nível do rio, indicam para as duas espécies (exceto em T. barbata na várzea), cronologias com alta sincronização (concordância > 60 %) com a duração da fase terrestre, indicando que o crescimento diamétrico para ambas, nas áreas alagáveis, é induzido predominantemente, pelo tempo de duração da fase terrestre. Essa evidência, da relação da largura dos anéis e o pulso de inundação indica a existência de anéis anuais, que permitem não só determinar as taxas de incremento e estimar a idade das árvores, mas também compreender os aspectos ecológicos influenciados pela dinâmica de inundação na Amazônia Central (Worbes, 1995, Schöngart et al. 2002, 2004, 2005).

Além da influência hidrológica, as características genéticas, associadas à vários fatores abióticos, como o clima, nutrientes no solo, topografia e exposição à luz, são determinantes no crescimento arbóreo. As populações de T. barbata e V. guianensis se desenvolvem em condições climáticas e hidrológicas similares; contudo, as condições nutricionais do solo diferem entre o igapó e a várzea.

No solo da várzea, a concentração em toneladas por hectare dos elementos químicos como P, K, Ca e Mg são de 5 a 15 vezes maiores do que as concentrações no solo do igapó, analisados em camadas de 30 cm de profundidade. Esta diferença nas condições químicas no solo tem reflexo na biomassa viva, com concentrações médias destes mesmos bioelementos quatro vezes maiores nas árvores do ambiente de várzea. As diferenças na razão solo/nutrientes da

vegetação entre várzea e igapó são bem menores que as diferenças no conteúdo mineral do solo, sugerindo que os dois sistemas diferem nas suas estratégias de uso dos nutrientes (Furch, 1997).

Os indivíduos arbóreos das duas espécies, comparados nas cotas de inundação similar em ambos ambientes, não apresentaram diferenças significativas para densidade da madeira. Em trabalho anterior, Parolin & Ferreira (1998) encontraram diferenças significativas para densidade da madeira em T. barbata entre várzea (0,65 ± 0,02 g/cm3) e igapó (0,75 ± 0,06 g/cm3). Esses autores compararam indivíduos arbóreos de T. barbata de um estágio maduro no igapó (n = 16), com indivíduos em estágio jovem na várzea (n = 5). As árvores no estágio jovem da sucessão na várzea possuem taxas elevadas de incremento, que resultam em baixa densidade da madeira (Worbes et al. 1992), quando comparadas com indivíduos em estágios maduros no igapó (Worbes, 1988), o que tornam comparações em estágios sucessionais diferentes problemáticas. Além do mais, esses autores coletaram amostras da madeira de indivíduos do igapó na cota baixa, situada de 21 a 25 m anm; e na várzea coletaram na cota alta, entre 25 e 28 m anm, conforme a classificação de cotas de inundação de Junk (1989). Esta diferença na altura do relevo entre as cotas dos pontos de coleta dos dois ambientes resulta em uma defasagem entre as fases terrestres dos dois pontos amostrais de, no mínimo dois meses (Dados do Porto de Manaus). Dessa maneira, as árvores que se encontram na cota baixa teriam um tempo consideravelmente menor para crescer, o que explica as diferenças de densidade da madeira encontradas pelos autores.

Schöngart et al. (2005) compararam árvores de Macrolobium acaciifolium de florestas maduras em cotas similares de inundação no igapó e na várzea, encontrando densidade da madeira significativamente mais baixa no ambiente de igapó (0,39 ± 0,05 g/cm3) do que na várzea (0,45 ± 0,03 g/cm3).

Mesmo que estágios sucessionais iguais e cotas similares de inundação sejam indispensáveis para se comparar parâmetros arbóreos para as espécies nas áreas alagáveis (Worbes et al., 1992), não existe uma conclusão para o padrão da densidade da madeira, pois algumas espécies possuem densidades diferentes entre igapó e várzea, e outras não indicam essas diferenças.

As taxas de incremento médio foram menores no ambiente alagável de igapó para ambas as espécies. Taxas de incremento médio menores no ambiente alagável de igapó também foram encontradas para um conjunto de espécies por Worbes (1997) nas áreas alagáveis amazônicas das cercanias de Manaus, com um incremento médio de 1,7 mm/ano no igapó, e um incremento médio de 3,5 mm/ano na várzea. Essa diferença em incremento anual, com menores valores no igapó, é indicada também por Parolin & Ferreira (1998), para um conjunto de 12 espécies. Para

M. acaciifolium, o mesmo padrão foi observado, tendo a espécie apresentado no igapó incremento médio anual de 1,52 mm, e na várzea um valor bem superior, de 2,66 mm (Schöngart et al. 2005).

Estudando quatro espécies nas áreas alagáveis do rio Mapire (tributário do rio Orinoco), na Venezuela, Dezzeo et al. (2003) encontraram taxas baixas de incremento para todas as espécies, correspondentes às características oligotróficas do sistema, já que as espécies nessa floresta recebem um pulso de inundação de um rio de águas pretas. Todas estas diferenças no IRM entre os ambientes de igapó e várzea sugerem que o tipo de área alagável e o regime hidrológico afetam diretamente o crescimento arbóreo para a maioria das espécies (Worbes, 1988; Parolin & Ferreira 1998; Schöngart et al., 2005). As taxas de incremento maiores nas árvores de várzea se deve ao fato de que o solo deste ambiente apresenta maior concentração de nutrientes disponíveis, já que estas áreas alagáveis recebem um pulso de sedimentos oriundo dos Andes e encostas Pré-Andinas (Furch, 1997, 2000).

Os abundantes recursos madeireiros na Amazônia têm sido sistematicamente sub valorizados, o que é mais problemático ainda, dado a falta de uma abordagem criteriosa para seu adequado manejo (Uhl et al. 1998). As normas de ciclo de corte e diâmetro mínimo de derrubada são estabelecidas com base em estimativas ou experiências, carecendo de dados empíricos, fundamentados em pesquisa científica. A maioria dos modelos de crescimento são baseados em métodos indiretos de medidas repetidas do diâmetro, realizadas em intervalos curtos de tempo em parcelas permanentes (Nebel et al. 2001).

A dendrocronologia é uma ferramenta poderosa para se determinar as taxas de incremento, considerando toda história de vida de uma espécie (análise retrospectiva) (Worbes et al. 2003). Essas análises permitem reconstruir o crescimento cumulativo das espécies arbóreas e, baseado nisso, a definição de critérios para manejar os recursos madeireiros que considerem as diferenças entre as espécies e ambientes, como elaborado para o ciclo de corte estimado para Ficus insipida em uma floresta de várzea na Amazônia Central (Schöngart et al. 2007).

As estimativas do incremento pela medição da largura dos anéis de crescimento dão resultados confiavéis para o manejo florestal em florestas tropicais (Worbes, 2002). Como as árvores do dossel são freqüentemente cortadas para uso de madeira, o conhecimento da idade das árvores adultas também é essencial para um manejo florestal, já que sua idade representa um indicador para ciclo de corte.

Compreende-se por manejo florestal sustentável a administração da floresta para a obtenção de benefícios econômicos e sociais, respeitando-se os mecanismos de sustentação do

ecossistema (IN: n°15, de 31/08/2001 - IBAMA). Neste aspecto, dados sobre a dinâmica florestal e crescimento das espécies madeireiras são essenciais para garantir a sustentabilidade do ecossistema. Considerando que os sistemas de manejo em florestas maduras focam espécies com alta produtividade, alta qualidade da madeira, o Manejo Florestal Comunitário realizado na reserva Mamirauá explora espécies com ampla distribuição, estoque suficiente da espécie madeireira para manejo sustentável e utiliza o DAP mínimo de corte 50 cm. Ambas as espécies estudadas neste trabalho possuem ampla distribuição pela Bacia Amazônica (Wittmann et al. 2006), apresentando alto potencial econômico e de utilização, principalmente T. barbata, já que V. guianensis é comercializada legalmente na RDSM, desde o ano de 2001.

Considerando uma floresta madura em estágio clímax no ambiente da floresta alagável de várzea, rica em nutrientes, e com as condições ambientais do sítio da RDSM, a espécie T. barbata (densidade da madeira média de 0,80 g/cm3) alcança o diâmetro mínino de corte em 117 anos, e para V. guianensis (densidade da madeira média de 0,65 g/cm3) a idade de 70 anos. No igapó da RDSA, este tempo médio seria de 278 e 162 anos, respectivamente. O mesmo padrão observado entre T. barbata e V. guianensis, em que uma espécie com maior densidade da madeira necessita de um tempo maior para alcançar o diâmetro mínimo de corte, também foi observado por Schöngart et al. (2003) para Pseudobombax munguba (0,23 g/cm3) e Piranhea trifoliata (0,94 g/cm3), que demandam de 30 a 55 anos (dap de 45 a 65 cm), e de 200 a 300 anos (dap > 60 cm), respectivamente. Altas densidades da madeira associadas a taxas de incremento baixas são freqüentemente encontradas em árvores maduras em estágio clímax (Worbes et al. 1992, Dezzeo et al. 2003).

Por meio das diferenças de tempo necessário para que cada espécie em cada local alcance o DAP mínimo de 50 cm, torna-se evidente a necessidade de que critérios de manejo diferenciados sejam aplicados para as espécies que ocorrem tanto na várzea quanto no igapó. Os resultados deste trabalho sustentam que o manejo nas florestas alagáveis deve considerar as diferenças no comportamento de crescimento das espécies arbóreas (Schöngart et al. 2003), a especificidade de cada sítio, o estágio sucessional e o relevo em que as plantas se encontram (Schöngart, 2003; Schöngart et al. 2007). Ciclos de corte avaliados pelo tempo médio para a passagem de uma classe de DAP de 10 cm (Schöngart et al. 2007), estimam para T. barbata 23,4 anos na várzea e 55,6 anos no igapó. Para V. guianensis esses valores são de 14 anos na várzea e 32,4 anos no igapó (Fig. 9).

0 10 20 30 40 50 60 0,5 0,6 0,7 0,8 0,9 1 Densidade da madeira (g/cm3)T. barbata Igapó Várzea Ciclo de corte de 25 anosV. guianensis 0 10 20 30 40 50 60 0,5 0,6 0,7 0,8 0,9 1 Densidade da madeira (g/cm3)T. barbata Igapó Várzea Ciclo de corte de 25 anosV. guianensis C icl o de cor te ( an o s)

Figura 9. Ciclo de corte para T. barbata e V. guianensis, relacionado com a densidade da madeira. Estão

indicadas no igapó pela linha contínua, e na várzea pela linha tracejada. A linha pontilhada horizontalmente indica o ciclo mínimo de corte de 25 anos estabelecidos por restrições legais e instrução normativa do IBAMA.

As diferenças encontradas para o IRM, entre as espécies dos dois ambientes indicam que, quando comparados diâmetros iguais para T. barbata e V. guianensis, essas espécies necessitam em média, respectivamente, de 2,4 e 2,3 vezes mais tempo para se estabelecerem nas florestas de igapó do que nas florestas de várzea. Assim, as florestas de igapó, dada a sua pobreza nutricional, apresentam uma fragilidade maior à alteração humana, com resiliência ambiental inferior quando comparadas às florestas de várzea, ricas em nutrientes, o que torna as florestas de igapó um ambiente prioritário para conservação.

Há muitos anos, a alta fertilidade do solo e a constante renovação causada pelo aporte de nutrientes das águas brancas fazem das várzeas regiões de excepcional importância econômica para a população e um dos ambientes mais produtivos da Amazônia (Santos, 1996). Por esses motivos essas são as regiões rurais mais densamente povoadas da Amazônia (IBGE, 2000). O aumento constante na densidade populacional tem causado a destruição destas áreas e muitas espécies arbóreas comercialmente usadas estão ameaçadas nas vizinhanças das cidades, o que torna cada vez mais difícil encontrar florestas intactas nas áreas alagadas na Amazônia (Nepstad et al. 1999).

Segundo o mais novo relatório do Painel Inter governamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC (em inglês); 02/02/2007), elaborado por 2,5 mil pesquisadores de 130 países, ficou claro que o aquecimento global e as mudanças climáticas da Terra estão ocorrendo devido à ação do

homem sobre o meio ambiente. Na Amazônia, cenários futuros nada promissores são apontados principalmente pela ineficiência na utilização dos recursos naturais, por desconsiderarem a sustentabilidade, e pela falta de políticas públicas eficazes que conciliem desenvolvimento econômico e preservação ambiental (Soares-Filho et al. 2006). Dessa maneira, fica evidente a necessidade do estabelecimento e da utilização de manejos sustentáveis dos recursos naturais. A dendrocronologia é um instrumento poderoso para fornecer estes dados, tanto para estudar as relações clima-crescimento arbóreo, quanto para definir critérios de manejo para florestas tropicais.

Estudos que objetivem a criação de alternativas para uso sustentável dos recursos naturais e que apresentem informações sobre a dinâmica de crescimento da floresta amazônica com critérios de uso sustentável, poderão contribuir para a redução da pressão de desmatamento sobre florestas ainda nativas, e auxiliar na busca de estratégias para soluções que promovam a preservação florestal, juntamente com o desenvolvimento socioeconômico da região amazônica.

No documento Sinomar Ferreira da Fonseca Júnior (páginas 29-34)

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