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PARTE 2: SONS FRICATIVOS CORONAIS NA SUA PERSPECTIVA HISTÓRICA:

2.8 Discussão

As análises no PRAAT mostram a existência das fricativas pré-dorsais [6] e [&], das fricativas apicais [›] e [‡] , além das africadas [ts] e [dz]. Em Viseu e Guarda é mais comum aparecerem as fricativas apicais, enquanto que, em Viana do Castelo, destacam-se as fricativas pré-dorsais.

A coexistência das pré-dorsais em oposição às apicais reveladas historicamente na distinção gráfica das letras destacadas em: paÇo, coZer ([s] e [z]) e paSSo coSer ([›] e [‡]) e que atestaram momentos de estabilidade e instabilidade ortográfica, trazem determinadas diferenças acústicas entre si.

A presente apreciação acústica dos dados, utilizando o PRAAT, objetiva apenas mostrar, no nível gráfico expresso pelos espectrogramas gerados, as diferenças mais salientes entre as fricativas pré-dorsais e as apicais. Para fazer uma análise mais apurada dos dados seria necessário fazer gravações com isolamento acústico, já que o ruído externo altera os valores de frequência. Poder-se-ia utilizar o recurso do PRAAT que elimina ruídos, mas como o som fricativo é um ruído, a aplicação desse recurso também iria afetar a gravação original.

Os parâmetros de análise acústica de sons fricativos mais comuns na literatura (JESUS, 1999) e que podem ser identificados pelo PRAAT são os picos espectrais e a duração dos segmentos. O estudo da duração ajuda a distinguir fricativas surdas e sonoras. Os valores da frequência caracterizam as fricativas quanto ao ponto de articulação.

Entretanto, a duração e a frequência podem variar dependendo do contexto, de fatores prosódicos e da posição que o segmento ocupa na cadeia da fala (JESUS, 1999). Para o estudo dos sons fricativos, há que se considerar a observação de Jesus (1999, p.166), quando afirma que “o estudo de sons fricativos do Português constitui um campo de pesquisa complexo e desafiante, ainda pouco explorado”.

Os parâmetros utilizados para analisar os dados da presente pesquisa por meio do PRAAT são a visualização do espectrograma e os valores da frequência.

O segmento [t], grafado ch, como em chave e achar, já descrita por Cintra (1971) e mencionada nas primeiras gramáticas e tratados de ortografia da língua portuguesa não foi encontrado nas gravações, como pode ser notado nos espectrogramas que seguem.

Quanto aos valores de frequência, as apicais realizam-se numa frequência que oscila entre 3000Hz a 5000Hz. Nesse caso, os maiores valores estão associados aos grafemas <z> e

<ç>, enquanto <s> e <ss> apresentam frequências mais baixas. Do mesmo modo, ocorre com os grafemas representativos das dorsais. A única diferença é que essas últimas oscilam de 5000Hz a 8000Hz.

Essa conclusão pode ser vista no esquema a seguir:

• As apicais [‡] e [›] variam de 3000Hz a 5000Hz

• As dorsais [6] e [&] variam de 5000Hz a 8000Hz

2.8.1 Presença de elemento africado nas gravações

Para falar da presença do elemento africado nos segmentos ts e dz, vale recordar que a literatura já abordada anteriormente revela que tais segmentos podem ser provenientes do latim no seu processo de transformação nas línguas vernáculas.

A principal discussão sobre esse assunto tem sido precisar quando o elemento africado deixou de ser realizado na língua portuguesa ou se ele realmente chegou a existir (MATEUS, 1984; MAIA, 1986; TEYSSIER, 1997; MATTOS E SILVA, 2006).

A pesquisa não encontrou trabalhos que discutem a existência desses elementos africados na atualidade na Região Norte de Portugal. Mas, discute-se que uma oclusiva, como [t] e [d] em “ts” e “dz” pode representar um tipo de consoante oclusiva que tende a ser realizada como uma fricativa. Nesse sentido, Jesus (1999, p.166) diz “There have been many studies of the phonetics and phonology of Portuguese, which have shown some interesting features of the language; it is unusually rich in instances of vowel reduction, consonant

<s>, <ss> apresentam menores valores <z>, <ç> apresentam valores maiores <s>, <ss> apresentam menores valores <z>, <ç> apresentam valores maiores

clusters, and plosives that are realized as fricatives (JESUS, 1999, p.166, grifos nossos)110.”

No início da pesquisa não se cogitou a possibilidade de estudar as africadas “ts” e “dz”, pois não sabíamos que elas poderiam existir na atualidade. Entretanto, o contato com falantes de diferentes cidades da Região Norte de Portugal demonstrou que há muitas variações nos falares, com isso, segmentos fonéticos inesperados surgiam à medida que se ia tendo contato com os falantes. Nas gravações, chegou-se, por exemplo, a identificar (para mais de seis falantes de diferentes regiões) a realização da palavra quinze como [kujnz], além disso, palavra nasci é como [nai], na verdade, essa sequência <sc> geralmente pronuncia-se como [], nos locais em que as entrevistas foram feitas.

Além dessa diversidade, uma característica dialetal considerada própria de uma cidade, (pelos falantes e pelos estudos dialetais) como as fricativas dentais de Viana do Castelo e as ápico-alveolares de Viseu foram encontradas em outras cidades (os falantes entrevistados eram nascidos nos locais onde as gravações foram feitas). Lindley Cintra (1973) já havia considerado esta questão na sua Nova proposta de classificação dos

dialectos galego- portugueses.

Alguns elementos africados foram mostrados para a Doutora Clarinda de Azevedo Maia, em 2010, na cidade de Coimbra, local onde fui gentilmente recebida pela especialista. O olhar dela sobre os dados foi muito importante para a pesquisa. Em primeiro lugar, a pesquisadora considerou que tenho poucos dados para afirmar que esse tipo de elemento africado se realiza entre os falantes da Região Norte de Portugal, mas, ela não descartou a possibilidade de esses sons existirem naquela região.

Pretende-se utilizar os dados da pesquisa para investigações futuras, divulgando assim, o material coletado. Além disso, almeja-se ampliar determinados pontos da pesquisa, sobretudo, a investigação da existência das africadas mencionadas anteriormente.



110 Há muitos estudos sobre fonética e fonologia da Língua Portuguesa, que mostram algumas características

interessantes da língua; é surpreendentemente rica em casos de redução de vogais, agrupamentos de consoantes e plosivas que são realizadas como fricativas (JESUS, 1999, p.166, tradução nossa).