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A Lagoa Bonita apresenta características de oligotrofia: baixas concentrações de nutrientes, principalmente fósforo, pH moderadamente ácido, baixas concentrações iônicas e baixos valores de biomassa.

Ambientes com características oligotróficas, como a lagoa em questão, são cada vez menos comuns em função do avanço do processo de eutrofização natural. Mesmo assim, características de oligotrofia foram registradas em outros ecossistemas brasileiros. Os seguintes trabalhos podem ser citados: Açude do Jacaré (Marinho, 1994) e Reservatório do IAG (Lopes et al., 2005), ambos no estado de São Paulo; (Moschini- Carlos & Pompêo (2001) em uma lagoa de duna no Maranhão.

Além disso, a Lagoa Bonita é uma lagoa rasa, dotada de circulação da coluna d’água e de transparência total da água, além de apresentar uma abundante flora de macrófitas sub-aquáticas, características que podem influenciar direta ou indiretamente a composição, a densidade e o biovolume da comunidade fitoplanctônica. A circulação, por exemplo, pode manter espécies relativamente pesadas, como as desmídias, na coluna d’água.

A relação de causa-efeito do vento sobre a biomassa fitoplanctônica pode ser indireta. Em função do vento, a coluna d’água pode interagir imediatamente com a camada superficial do sedimento especialmente em um lago raso (Becker & Motta Marques, 2004), além de dificultar a permanência das algas frouxamente aderidas ao perifíton, como é o caso das desmídias (Felisberto & Rodrigues, 2005).

Segundo Carrick et al. (1993), as mudanças na biomassa fitoplanctônica não

estão claras. Eventos de circulação podem provocar grandes aumentos na produção fitoplanctônica, além de modificar a composição da comunidade, devido à liberação de nutrientes para a coluna d’água ou através da ressuspensão do meroplâncton (organismos planctônicos que passam uma porção do seu ciclo de vida sobre os sedimentos) para a zona fótica.

Tais eventos, observadas na lagoa Bonita, podem explicar a estrutura da comunidade investigada, a qual foi marcada por espécies meroplanctônicas, especialmente desmídias. A influência do vento sobre a distribuição espaço-temporal do fitoplâncton foi observada também por Cardoso & Motta Marques (2004) no Lago Itapeva, uma lagoa costeira no sul do Brasil e por Marinho & Huszar (2002) na Lagoa

Juturnaíba, no estado do Rio de Janeiro, onde foi registrada elevada instabilidade na coluna d’água.

A vegetação submersa pode influenciar a comunidade fitoplanctônica, tanto em termos de composição quanto de biomassa. Em lagos rasos principalmente, essa vegetação tem um importante papel na formação de um estado de águas claras, dominado por macrófitas em vez de um estado de águas turvas, dominado pelo fitoplâncton (Scheffer, 1998, 2001; Scheffer & Van Nes, 2007). As macrófitas submersas evitam a ressuspensão do sedimento, retiram nutrientes da água e proporcionam um refúgio para zooplâncton contra a predação de peixes (Scheffer, 2001).

As macrófitas aquáticas, existentes na região litorânea da Lagoa Bonita podem, através da redução da turbulência nessa região, causar a sedimentação do material alóctone, além de funcionar como um importante filtro de cargas em suspensão e em solução drenadas do entorno. Isso explicaria as baixas concentrações iônicas e de nutrientes registradas na lagoa. Situação semelhante foi verificada por Marinho (1994) para o Açude do Jacaré em São Paulo. Além disso, a diferença na estrutura da comunidade fitoplanctônica entre os locais de amostragem na Lagoa Bonita é devida, em grande parte, à presença ou não dessas angiospermas aquáticas.

Os valores de clorofila a, densidade e biovolume da comunidade fitoplanctônica foram maiores nas regiões litorâneas do que na região pelágica, evidenciando a influência das macrófitas das margens na composição das espécies. Takamura et al. (2003) sugere que o gradiente ambiental resultante da presença ou ausência de macrófitas, influencia a composição das espécies fitoplanctônicas mais fortemente que o gradiente induzido pelo nível de nutrientes.

A partir da análise dos dados climáticos verificou-se a ocorrência de duas estações bem definidas: uma seca e fria, de maio a outubro/2005 e outra chuvosa e quente, de novembro/2005 a abril/2006. Essa variação climática induz mudanças físicas e químicas no sistema, influenciando assim a distribuição da biota aquática.

A comunidade apresentou um padrão sazonal de flutuação, com as maiores densidades, acima de 1500 ind.L-1 ocorrendo de setembro a novembro/2005, meses estes correspondentes ao período de seca e início de chuva. Os menores valores de densidade no período quente e chuvoso podem ser explicados pela diluição das águas da lagoa pelo efeito da chuva. Em termos de biovolume o fitoplâncton apresentou uma variação uniforme ao longo do ano. Contudo um pico de biovolume foi registrado em

outubro/2005, em função do aumento de grandes algas filamentosas, especialmente de

Spirogyra sp.

Durante o período de seca, entre os meses de julho e setembro / 2005, observou- se um período de floração das macrófitas submersas na região pelágica, visualizado através de grandes hastes com inflorescências, lançadas do fundo à superfície. Observou-se ainda, por volta do mês de setembro o declínio dessas hastes, o que poderia provocar um aumento na decomposição da biomassa.

A despeito dos baixos valores de precipitação registrados para o mês de outubro/2005, verificou-se um aumento no nível da água da lagoa, em função de tempestades ocorridas no final do mês de setembro. Essa situação pode estar explicando o pico de biovolume fitoplanctônico observado em outubro, já que a chuva de setembro pode ter revolvido a biomassa, favorecendo a ciclagem de nutrientes na coluna d’água.

Padrões de flutuação temporal semelhantes foram registrados por Nogueira & Matsumura-Tundisi (1996), Fonseca (2005), para lagos (ou reservatórios) tropicais rasos. Padrões inversos foram observados por (Marinho, 1994) para ambientes semelhantes.

O fitoplâncton na Lagoa Bonita apresentou, entre abril/2005 e março/2006, 121 táxons, distribuídos em oito classes taxonômicas. Riqueza semelhante foi registrada por Leite (1990), que encontrou 102 táxons apenas de desmídias pertencentes a 20 diferentes gêneros.

As assembléias fitoplanctônicas da Lagoa Bonita foram dominadas por espécies microplanctônicas de Zygnemaphyceae (20-200µm), as quais foram abundantes em número de táxons bem como em biovolume, sendo Actinotaenium wollei, a espécie mais representativa. A Dinophyceae, Peridinium umbonatum, contribuiu com 19% do biovolume total. Segundo a revisão feita por Fonseca. (2005), de maneira geral, este grupo de algas prefere águas bem oxigenadas, tolerando ampla faixa de pH e condições luminosas, sendo consideradas típicas de ambientes oligotróficos.

A despeito do reduzido número de trabalhos realizados em lagoas naturais, alguns podem ser citados. Reynolds (1997) verificou um predomínio de desmídias em lagoas do Vale do Rio Doce (Minas Gerais). Moschini-Carlos & Pompêo (2001), também encontraram comunidades fitoplanctônicas com expressiva freqüência e densidade de Zygnemaphyceae em uma lagoa de Duna no Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses.

A atelomixia é tida como um fator-chave na evolução e permanência dessas algas na coluna d’água (Barbosa & Padisák, 2002; Tavera e Martinez-Almeida, 2005). A atelomixia (mistura diária), ligada à ecologia do fitoplâncton, é marcante sobretudo para diatomáceas e desmídias que não possuem estruturas de locomoção e apresentam elevado peso corporal dependendo assim, do movimento das correntes aquáticas para se manterem flutuando. Sendo assim, esse padrão de mistura explicaria a abundância de desmídias na Lagoa Bonita.

A dominância de desmídias é explicada também por sua adaptação a baixos níveis de nutrientes. Coesel (1996) em uma investigação sobre a biogeografia de desmídias mencionou vários atributos ecológicos destas algas unicelulares de água doce, como a forma de vida bentônica e o fato de ser este um grupo dominante de produtores primários nos trópicos devido a sua amplitude ótima a temperaturas na faixa de 25 a 35ºC. Além disso, ambientes ricos em desmidiáceas não são muito numerosos atualmente e se localizam em águas pouco mineralizadas e, ao mesmo tempo ácidas e relativamente pobres em nutrientes essenciais tais como o fósforo (Margalef, 1998).

Van Den Hoek et al. (1997) ressaltaram que a maioria das espécies é bentônica, podendo também estar associadas à macrófitas aquáticas ou ainda no metafíton. De acordo com Gerrath (2003), um número relativamente baixo de espécies de desmídeas é verdadeiramente planctônico, as quais são caracterizadas pela presença de longos processos (Staurastrum), longos espinhos (Staurodesmus), ou células muito longas (Triploceras). Representantes de cada um desses gêneros foram registrados na Lagoa Bonita durante o período de estudo.

Dentre as espécies de algas que descreveram o ambiente da Lagoa Bonita, a Zygnemaphyceae Actinotaenium wollei (West & West) Teiling e a Dinophyceae

Peridinium umbonatum Stein tiveram a maior representatividade, ocorrendo ao longo de

todo o ciclo sazonal. Entretanto, A. wollei esteve presente somente nos pontos localizados na região litorânea, estando ausente na zona pelágica. Já o dinoflagelado P.

umbonatum foi encontrado tanto na região litorânea quanto na pelágica.

A presença de certas espécies de desmídias, ainda que em baixas densidades, é considerada um bom indicador de condições levemente ácidas e oligotróficas (Coesel, 1983). Exemplos de tais indicadores (como Staurodesmus cuspidatus e S. triangularis) foram registrados na lagoa, o que reforça a idéia de oligotrofia da lagoa, visto que esse grupo está usualmente associado a ambientes de água doce oligotróficos a mesotróficos

(Gerrath, op. cit.). Essa oligotrofia da Lagoa Bonita já havia sido descrita por Leite (1990).

Um meio adicional utilizado para caracterizar a estrutura da comunidade fitoplanctônica, além da composição taxonômica, riqueza e diversidade de espécies, é a classificação dos organismos de acordo com seu tamanho (Becker & Motta, 2004). O tamanho, forma, razão superfície/volume afetam a sedimentação das algas na coluna d’água e, consequentemente, a sua habilidade para permanecer na zona eufótica. Assim, para reduzir essa taxa, várias estratégias foram desenvolvidas por várias espécies: tamanho microscópico (adaptação mais disseminada) e, em algas maiores, corpo alongado, presença de processos, espinhos, protuberâncias, dentre outras estruturas.

Essa segunda estratégia é a mais comum entre as algas que compõem a comunidade fitoplanctônica da Lagoa Bonita, já que em sua maioria são algas unicelulares não flageladas e microplanctônicas.

A separação das algas com base em sua morfologia coincide substancialmente com as distribuições dessas mesmas espécies entre diferentes tipos de habitats, os quais são diferenciados com base na acessibilidade à luz e a todos os recursos nutritivos levando ao conceito das associações (Reynolds, 1984, 1997).

Para Kruk et al. (2002) as associações são baseadas nos atributos fisiológicos,

morfológicos e ecológicos das espécies que podem potencialmente dominar ou co- dominar o sistema. Contudo, a ocorrência de determinadas espécies fitoplanctônicas dominantes em lagos depende de uma complexa e, principalmente, imprevisível combinação de fatores, como a concentração de nutrientes e a transparência da água.

De acordo com Reynolds et al. (2002), os grupos funcionais N e P, que predominaram na Lagoa Bonita entre abril/2005 e março/2006, envolvem diatomáceas, que estão também associados a latitudes menores, requerendo uma contínua ou semi- contínua camada de mistura de 2 a 3 m de profundidade. Tanto N quanto P podem estar representados em lagos rasos onde a profundidade média é da mesma ordem citada ou maior que 2-3 m, bem como no epilímnio de lagos estratificados quando o critério de circulação é satisfeito.

Ainda segundo os mesmo autores, ambos os grupos estão associados com a presença de desmídias, situação que ocorre na lagoa em estudo. Espécies dos gêneros

Closterium e Staurastrum são membros do grupo P, enquanto as afinidades das espécies

pelos grupos N e P. No caso da Lagoa Bonita há um predomínio de desmídeas em termos de biovolume. Grupos funcionais N e P dominados por desmídeas foram registrados também em outros lagos tropicais como o Lago Batata na Amazônia (Barbosa & Padisák, 2002).

Lo refere-se de acordo com Reynolds à associação de Peridinium-Woronichinia

de lagos estratificados e mesotróficos (Reynolds et al., 2002), o que não condiz com as condições da Lagoa Bonita. Contudo este grupo é usado para acomodar assembléias de ambientes mais ácidos envolvendo o gênero Peridinium. Os valores de pH verificados na Lagoa Bonita (5,1 a 6,9) favorecem a ocorrência dessas assembléias. A Análise de correspondência canônica mostrou alta correlação entre o grupo funcional Lo e a temperatura da água. Esse grupo foi também registrado como dominante por Fonseca (2005) em um reservatório oligo-mesotrófico no município de São Paulo e por Nabout (2006) em um lago de vale bloqueado (lago de inundação que apresenta menor grau de conectividade com o rio principal) no estado de Goiás.

Em ambientes mais permanentemente misturados nos quais a luz é um fator limitante, algas filamentosas mostram-se bem adaptadas. Essas algas foram agrupadas por Reynolds (1997) dentro da associação T. Essa associação foi verificada na Lagoa Bonita nos meses de outubro e novembro, tendo sido Spirogyra sp. a alga filamentosa mais abundante nesse período. Isso pode ser resultado do revolvimento do plâncton após as tempestades que ocorreram no final de setembro, o que promoveu uma maior circulação da coluna d’água, aumentando a ciclagem de nutrientes. Esse grupo mostrou correlação positiva com o nitrato, de acordo com os resultados na Análise de Correspondência Canônica (ACC).

Em relação aos atributos morfo-funcionais da comunidade fitoplanctônica, as associações foram identificadas com base na taxonomia e características ecológicas/adaptativas das espécies dominantes, sendo que os grupos funcionais dominantes foram condizentes com as condições ambientais da lagoa.

De acordo com Reynolds et al. (2002), as associações funcionais P e N são

encontradas em ambientes rasos, com vegetação submersa ou outro aporte de matéria orgânica e com alta demanda de oxigênio dissolvido no sistema, além de estarem associadas à presença de desmídias. No caso do grupo funcional Lo, este é composto por algas adaptadas a ambientes bem oxigenados e tolerantes a uma grande amplitude de pH e luminosidade.

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