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Discussões sobre a origem e relação entre a história da pesquisa e da pós graduação no Brasil

1 A PÓS-GRADUAÇÃO COMO PROBLEMA HISTÓRICO E HISTORIOGRÁFICO

1.1 Discussões sobre a origem e relação entre a história da pesquisa e da pós graduação no Brasil

Voltando aos pontos de problematização levantados com a revisão da literatura sobre pesquisa e pós-graduação no Brasil, a primeira questão que nos inquietou se refere às discussões que buscam refletir sobre as possíveis origens e relações entre a pesquisa e a pós-graduação em nosso país. De modo geral, esta questão é tratada na literatura de maneira muito diversa nas análises, mas nas leituras realizadas conseguimos identificar basicamente quatro posicionamentos.

O primeiro deles é uma análise feita por Ferraro que considera uma anomalia congênita a relação entre pesquisa e pós-graduação no Brasil:

Entendo que ela espelha a condição anômala do surgimento, se não de toda, pelo menos da maior parte da pós-graduação no Brasil. [...] A pós-graduação precedeu, pois, a pesquisa no Brasil. O que a partir dos últimos anos da década de 1960 era verdade para a universidade brasileira em geral, era-o com maior força para todos os campos do conhecimento hoje reunidos sob os nomes de ciências humanas e ciências sociais aplicadas, que haviam sempre disputado com desvantagem, em relação às demais áreas do conhecimento, os escassos recursos destinados pelos poderes públicos à pesquisa no país (FERRARO, 2005, p. 48, 49).

Sem afirmar ser uma relação anômala como Ferraro, mas Gatti também assume o ponto de vista que pesquisa e pós-graduação se originaram de forma desarticulada em nosso país.

Mestrados e doutorados em nosso país originaram-se então, não do desenvolvimento da pesquisa científica nas universidades ou outras instituições, mas de uma política deliberada de organismos estatais, no final da década de 1960 e inícios de 1970. No ensino superior, à época, pouca pesquisa se desenvolvia, vez que sua vocação era dirigida, sobretudo à formação de profissionais liberais. As universidades nasceram da agregação de cursos e pouquíssimas tinham a pesquisa como parte integrante do trabalho de seus docentes (GATTI, 2001b, p. 109).

O segundo posicionamento diz respeito às análises, que afirmam que as origens da pós-graduação podem ser buscadas nas primeiras experiências de titulação, por meio dos cursos de doutorado na universidade a partir de 1931 e no sistema de cátedras então instituído. É interessante notar que essa posição dá um salto argumentativo para apresentar o desenvolvimento da pesquisa nas décadas de 1940, 1950 e 1960 com a

criação de organismos estatais de incentivo à pesquisa e formação de pesquisadores tais como INEP, CNPq, CAPES, CBPE e CRPE e depois retorna para o processo de criação das universidades que hoje conhecemos como UFMG, USP e UnB.

A primeira fase da pós-graduação brasileira compreende o período de 1931 a 1965 e caracteriza-se pela coexistência de modelos diferenciados de pós- graduação no país, bem como pela falta de centralização, controle e orientação por parte do governo em relação a esse nível de ensino (SILVA, 2013, p. 55).

As origens da pós-graduação podem ser buscadas no modelo das cátedras adotadas nas primeiras universidades brasileiras nos anos de 1930 (BALBACHEVSKY, 2005, p. 276).

Mas, para aí se chegar, um longo processo deveria ser trilhado. E o primeiro marco específico desse itinerário situa-se nos anos trinta do século passado. Em 1931, Francisco Campos, à época ministro da Educação e Saúde Pública do Governo Provisório de Getúlio Vargas, por meio do decreto nº 19.851, de abril de 1931 (apud Fávero, 2000a), impunha a “investigação científica em quaisquer domínios dos conhecimentos humanos” (art. 1o) como finalidade do ensino universitário. Esse decreto institucionaliza também cursos de aperfeiçoamento e de especialização como forma de aprofundamento de conhecimentos profissionais e científicos. No art. 32 diz-se que “nos institutos universitários será atendido a um tempo o duplo objetivo de ministrar o ensino eficiente dos conhecimentos humanos adquiridos e de estimular o espírito de investigação original, indispensável ao progresso das ciências [...] O título de doutor, expresso no art. 90, devia se apoiar em uma tese, do que resultaria tanto a expedição de um diploma quanto a assinalação de uma dignidade honorífica (CURY, 2005, p. 7-8).

Pode-se, portanto, afirmar que a CAPES dos anos 1950/1960 se configurou como um projeto institucional que tem a marca pessoal de Anísio Teixeira [...] Desta perspectiva, a CAPES desenvolveu, ao longo desses anos, um conjunto de iniciativas e de políticas, que tinham como um de seus pressupostos básicos a ideia de que a pós-graduação se constituía na principal estratégia de reconstrução da universidade brasileira, para adequá-la às necessidades do desenvolvimento nacional (MENDONÇA, 2003, p. 2)

O terceiro ponto nas análises compreende que a “pesquisa e a pós-graduação no Brasil, são duas histórias que não se confundem” e que a familiaridade com que encaramos essas duas questões tem:

naturalizado essa relação que, quando examinada mais de perto, principalmente na perspectiva da história da pesquisa e da história da pós- graduação no Brasil, revela descompassos importantes que merecem investigação (MACHADO; ALVES, 2005b, p. 4).

A história da pós-graduação no Brasil é pautada por documentos oficiais, e balizada por momentos e datas precisas, relativamente recentes (do século XX em diante; não encontramos referências aos estudos pós-graduados antes de 1930). Constituem documentos e/ou momentos fundadores da pós- graduação brasileira o Estatuto da Universidade (1945), quando se dá a

primeira tentativa de implantação da pós-graduação; a instituição da Capes e do CNPq (1951), o Parecer 977/65 (1965), que oficialmente instituiu a pós- graduação, o I Plano Nacional de Pós-Graduação (PNPG) (1975), e mais quatro PNPGs que se sucederam, tendo o quinto e último entrado em vigor no ano em curso (2005-2010) (Ibidem, p. 4-5).

Já a história da pesquisa brasileira parece ser um capítulo à parte, que tem suas origens num passado mais longínquo, e está associada à importação de tecnologias para a produção econômica, e à vinda ao Brasil de profissionais estrangeiros de alta qualificação para promover o desenvolvimento nas várias fases do país, podendo-se encontrar suas primeiras manifestações (não formais, mas envolvendo elementos de pesquisa e inovação tecnológica) ainda no Brasil Colônia, como exemplificamos com o caso Nassau [...] (Ibidem, p. 6).

Um quarto posicionamento, e que inclusive, também perpassa os posicionamentos já explicitados aqui, é uma afirmativa muito forte e contundente nas reflexões sobre pesquisa e pós-graduação no Brasil de que o Parecer no 977/65 de Newton Sucupira, “é fundador” (LUDKE, 2005, p. 118); “implanta formalmente” (SANTOS, 2003, p. 629); “inaugura” (RAMALHO, 2006, p. 183); “institucionaliza” (BALBACHEVSKY, op.cit., p. 277); “regulamenta” (CUNHA, 1974, p. 67); “formaliza” (MACHADO; ALVES, 2006, p. 4); “define” (FONSECA-SILVA, 2008, p. 56); “normatiza” (CURY, op.cit., p. 10); “conceitua” (SAVIANI, 2010, p. 36); “o ensino de pós-graduação” (CUNHA, op. Cit., p. 66); “o sistema de pós-graduação (CURY, op.cit., p. 7); “o nível da pós-graduação”; “a pós-graduação sistemática” (CURY, 2004, p. 779); “os cursos de pós-graduação” (FONSECA-SILVA, op.cit., p. 56), (SANTOS, op.cit., p. 629); “a pós-graduação stricto sensu – sob as formas de mestrado e doutorado” (SAVIANI, op.cit., p.2). Tais afirmativas nos dão indubitavelmente a importância do Parecer Sucupira para a compreensão que temos hoje do que vem a ser pós-graduação no Brasil, ou seja, sem sombra de dúvidas, no que se refere à história da pesquisa e da pós-graduação, existe um antes e um depois do Parecer no 977 de Sucupira, não apenas do ponto de vista das conceituações que o parecer traz para a matéria mas, e principalmente, por instituir novas práticas referentes ao processo de titulação de quadros, de formação de pesquisadores e de produção de conhecimento.

A relação entre a história da pesquisa e da pós-graduação apareceu especificamente em Machado e Alves (2005b, p. 8), que afirmam que: “a história da pós-graduação ainda está para ser escrita” já que a “maioria dos textos que tratam desse

histórico” o fazem como introdução a uma questão específica que os autores vão desenvolver.

De outro lado, recuperar a história da pós-graduação no Brasil certamente é uma tarefa difícil, uma vez que, de acordo com Guterres (2001) não há ainda, no sentido lato, uma história da pós-graduação no país, sendo necessário buscar em vários autores, textos, documentos, fragmentos que possam auxiliar na composição dessa trajetória. A maioria dos textos que faz esse histórico o realiza “como elemento introdutório da questão especifica de que o autor pretende tratar” (p. 152). Dessa forma, faz-se necessária uma revisão de literatura no sentido de recuperar textos e documentos, buscando as informações e interpretações em diversos autores que abordam o assunto em questão (ALVES, 2008, p. 66).

Não encontramos menção tão específica quanto esta em outros textos que se preocupassem com a abordagem histórica da pós-graduação. Isso nos chamou atenção, pois afinal, sendo inúmeros os trabalhos que discutem a pós-graduação, seja como objeto, seja como introdução a outros objetos, temos que concordar com as autoras citadas que a ausência desta preocupação é realmente ainda uma fragilidade presente nessa discussão.