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George Ritzer há mais de uma década investiga as relações entre capital, trabalho e globalização. A rede de fast-food McDonald´s torna-se para o autor um ponto de partida para a análise de uma nova racionalização – a mcdonaldização – que é reconhecível nas redes de fast-food mas se difunde para as mais diversas esferas do mundo social. Sua abordagem possibilita a reflexão a respeito das atualizações do controle sobre o trabalho e também sobre o consumo.

A grobalização enfoca as ambições imperialistas das nações, corporações, organizações, e seu desejo, de fato sua necessidade, de se imporem em variadas

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áreas geográficas. O principal interesse delas é ver seu poder, influência e, em alguns casos, lucros, crescerem [grow] (daí o termo grobalização) por todo o mundo (...) A grobalização leva-nos a uma variedade de ideias que são amplamente antitéticas às ideias básicas associadas a glocalização. Ao invés de enfatizar a grande diversidade entre vários locais glocalizados, a grobalização desemboca na percepção de que o mundo está ficando cada vez mais igual. (Ritzer, 2008 : 167-8) [grifos e tradução meus]1

A abordagem de Ritzer pauta-se pela homogeneização que estaria no cerne da globalização, contrapondo-se às celebrações da diversidade. Nomeações à parte – hoje em dia o exercício teórico de nomear as configurações de diversos aspectos da sociedade parece dificilmente dar conta de alcançar o que de fato está em jogo –, a problematização do autor é central para a análise, na medida em que aborda uma racionalização que pauta as relações entre produção, serviços e consumo em nível global.

As redes fast-food oferecem alimentos padronizados e poucas opções; apoiam-se no cálculo, pelo consumidor, do custo-benefício entre preço e qualidade dos produtos (como diz Ritzer, a qualidade no fast-food parece ser muito mais definida pela quantidade do que pela própria qualidade) e operam por meio de franquias. As companhias bem-sucedidas do setor consolidaram suas marcas globalmente; o sistema de franquias garante a difusão da marca pelas mais diversas cidades do mundo (e, nesse sentido, a grobalization fica explícita: independentemente da cultura, da desigualdade social, dos índices de urbanização e desenvolvimento, há lugar para o estabelecimento de mais uma loja totalmente padronizada de uma rede fast-food). O cálculo do tempo é a essência do negócio; como o próprio termo diz, trata-se da garantia de consumo rápido e eficiente.

O hambúrguer Big Mac tem o mesmo sabor, o mesmo nome e é servido no mesmo tempo e nas mesmas condições em qualquer lugar do mundo. Os ambientes assemelham-se

1 “Grobalization focuses on the imperialistic ambitions of nations, corporations, organizations, and the like and their desire, indeed their need, to impose themselves on various geographic areas. Their main interest is in seeing their power, influence, and in some cases profits grow (hence the term grobalization) throughout the world (…) Grobalization leads to a variety of ideas that are largely antithetical to the basic ideas associated with glocalization. Rather than emphasizing the great diversity among various glocalized locales, grobalization leads to the view that the world is growing increasingly similar. [grifo meu]”

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em praticamente todos os restaurantes da rede. A experiência do consumo, portanto, já está pré-definida antes mesmo que o consumidor adentre o restaurante. A homogeneização que a noção de grocalization encerra efetiva-se nessa constituição de um consumo previsível e padronizado. O cenário urbano também expressa essa homogeneidade, até porque muitas dessas empresas adotam a técnica da saturação (Klein, 2000), sendo a Starbucks exemplar: o mesmo quarteirão pode ter mais de uma loja da mesma rede, dentre as diversas de outras cadeias. Esse é então um primeiro aspecto da lógica fast-food, a previsibilidade oferecida ao consumidor.

Relacionado à previsibilidade está o cálculo, do tempo e do dinheiro. O fast-food só se constitui como tal se estiverem assegurados preços baixos e rapidez no acesso aos produtos. Há então um cálculo entre custo e benefício, o tempo entra como parte do benefício: a garantia de que o consumo se realize no tempo esperado é central na oferta do serviço. No âmbito das políticas neoliberais, podemos aventar que o espraiamento das redes

fast-food está também associado à queda dos salários, relembrando os gráficos apresentados

no segundo capítulo. Haveria assim uma associação entre fast-food e cheap labour.

Ritzer (2008) e Fontenelle (2002) fazem um mesmo enfoque, o de pensar o McDonald´s como um fenômeno social, a ser desvendado. Novamente uma desfetichização da marca está no centro da análise. Os dados sobre o McDonald’s ilustram a grandiosidade dessa organização dispersa: a rede abre uma loja nova por dia em algum lugar do mundo, 50 milhões de pessoas consomem seus produtos diariamente, a revista The Economist definiu jocosa mas também seriamente o “Big Mac índex” – ou seja, o preço do Big Mac medido em dólares em cada país daria um parâmetro para a medida do custo de vida nacional (Ritzer, 2008). No entanto, essa rede é só mais uma das muitas que se espalham pelo mundo através das franquias. A mcdonaldização sugere a ultrapassagem da lógica fast-

food para além da esfera da alimentação, uma lógica que hoje estaria no cerne da relação

globalização-serviços-consumo. C&A e H&M, por exemplo, são lojas que executam a lógica fast-food no setor de vestuários, oferecendo preços reduzidos e uma espécie de self-

service desse setor. A homogeneização chega aos mais diversos setores do entretenimento e

cultura; hoje temos livrarias megastores padronizadas, locadoras blockbusters, cadeias de salas de cinema; os shopping centers seriam os templos da homogeneização, concentrando essas cadeias num mesmo espaço onde lazer e eficiência operam na mesma lógica (Ritzer,

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idem). As redes e suas marcas dominam cenários urbanos, numa espécie de ultrapadronização dos serviços.

Fontenelle e Ritzer perguntam: o que leva então as pessoas (centenas de milhares diariamente) a formarem fila, escolherem uma das opções padronizadas, receberem sua refeição em caixinhas descartáveis, comerem rapidamente em desconfortáveis mesas e cadeiras de plástico vermelho e amarelo, esvaziarem suas bandejinhas nas latas de lixo e irem embora? Mas a pergunta central para a análise é: como se estabelece essa produção em massa, padronizada e globalizada? E desdobra-se em outras: o que é o McDonald’s afinal? uma grande fábrica de sanduíches? e o que são seus trabalhadores? operários do hambúrguer?

A frase famosa de Henry Ford, também citada por esse autor, de que “qualquer

cliente pode ter o carro da cor que quiser, desde que seja preto” (Ritzer, 2008 : 73), dá

uma certa dimensão do que está em debate: consumo de massa e padronização da produção. O grande nó é que essa produção atualmente se refere ao setor de serviços, os Ford-T no caso são Big Macs e o consumo já não tem fronteiras tão bem definidas com a produção.

Ao visualizarmos a produção do que é consumido no tempo acelerado da mcdonaldização, o que aparece nada mais é que uma racionalização taylorista do trabalho (Ritzer, 2008). O cálculo do tempo, a organização da produção e o controle sobre o trabalhador nos moldes que pautaram as relações de produção ao longo de todo o século XX são explícitos. O controle do trabalho é então problematizado a partir do deslocamento da racionalidade taylorista, um caminho importante para abordar a organização através da

dispersão (Harvey, 1992) e chegar posteriormente à perscrutação do controle no trabalho

das revendedoras.