1.2 O CULTO AFRICANO NO ESTADO DO MARANHÃO
1.2.4 A Dispersão Religiosa chega à Amazônia
liderança do terreiro passou para Mãe Tocé, que assumiu tal encargo em 06 de janeiro de 2016 como sacerdotisa da casa.
Com base em tais registros e nas narrativas ao longo da tese, verificou-se que as raízes da tradição religiosa do Terreiro de Mãe Emília de Toy Lissá Agbê Manjá – possui seus fundamentos na Casa de Pai Jorge Itaci de Oliveira com herança da Casa de Nagô e de Mãe Pia do Terreiro do Egito.
No próximo item tratar-se-á sobre a dispersão religiosa e a presença negra na Amazônia.
Essa herança histórica dos nordestinos, datada de 1877, perdurou por anos.
Ainda de acordo com Lima (2001), restou ao caboclo amazonense o Baixo Amazonas, região, ao longo de séculos, ocupada e explorada pelo elemento nativo que, no lugar, perpetuou os hábitos ancestrais, fortemente marcados por uma vida inerte.
Esses grupos distinguem-se, fundamentalmente, no aspecto físico e na mentalidade. Em relação à população amazonense, oportuno é o posicionamento de Miranda (1984, p. 7), quando afirma:
Esta funda-se, pode-se dizer, no século XVIII, com a fixação da maior parte do séquito de Xavier de Mendonça Furtado sob os auspícios deste. Caldeia-se sob um forte espírito de fusão do branco com o índio, Caldeia-sendo as leis do reino favoráveis a essa aliança. Diversas leis josefinas cumulam de isenções e privilégios a mescla do índio e do branco. Casar-se com índia é ser preferido sempre para todos os cargos e distinções de nobreza.
Importa registar a existência de uma mestiçagem cabocla, mais ou menos clarificada, à custa dessa fusão, mas não constitui o grosso da população amazonense nativa. Sobre essa questão, Lima (2001, p. 62) destaca que “a grande massa da população cabocla, melhor, tapuia, disseminada à margem dos rios, lagos e paranás, é constituída por elementos sanguineamente puros”. Entre os nordestinos que se transplantaram para a Amazônia, alguns diferenciam-se de modo típico, não pelos caracteres somáticos, mas pela influência do ambiente envolvido em nossos quadros étnico-sociais.
A presença negra é bastante incomum, sendo tal informação ratificada por Lima (2001, p. 63) nos termos seguintes: “O elemento negro é raríssimo, quase excluído, pode dizer-se proibido, no caldeamento amazônico”. Durante mais de um quarto de século em que o Marquês de Pombal, por intermédio da oligarquia familiar de Mendonça Furtado, exerceu uma espécie de ditadura político-administrativa, assentaram-se as bases da população amazonense, resguardando-se o sangue indígena e preservando-o da infiltração etiópica.
Para muitos pesquisadores, a Amazônia era vista como um vazio demográfico. Neves (2006) e Prous (2007) apontam para o fato de que a região nunca foi vazio demográfico, inapropriada para o desenvolvimento de concentrações humanas. Indicam os autores a existência, no Baixo Amazonas, da ilha
Tupinambarana, que hoje é o município de Parintins, avaliado como densamente povoado.
A esse respeito, contundente é a informação de Pinto (1995), ao afirmar ser Parintins a área onde a concentração indígena influenciou costumes e saberes, contribuindo para o atual status de polo do etnoconhecimento compartilhado que:
Pode ser identificado como um conjunto de saberes e técnicas existentes nas sociedades ditas primordiais, indígenas, rústicas, rurais e tradicionais, percebido como acervo de elementos constitutivos de suas etnicidades, em oposição ou distantes daquelas reconhecidas como típicas e distintivas das sociedades eurocêntricas e racionais modernas de tipo ocidental (PINTO, 1995, p. 185).
Fazer uma releitura da construção do cenário amazônico é mergulhar na direção da indefinição, conforme lição emanada de Batista (2019, p. 11), quando ressalta:
Falar da Amazônia em qualquer dos aspectos – fisiográfico, social, intelectual – é aventurar-se como alguém a enfrentar, senão o infinito, pelo menos o indefinido. É a terra mais nova do planeta, com cheiro embriagador da sua infância geológica, e é a menos conhecida das regiões da Terra, nos paradoxos de sua natureza desnorteante, ante a qual ruem os postulados das ciências naturais.
Diferente da imagem descrita por Batista, o panorama atual encaminha-se para um caminho reverso, com níveis de cristalinidade mais acentuados. O cheiro embriagador da infância geológica amazônica, citado por Batista (2019), deu lugar, hoje, à degradação ambiental, que passa pelo desmatamento desordenado, pelo comércio ilegal de madeira, minério, peixes e plantas medicinais, cedendo, outrossim, espaço para um atroz derramamento de sangue de vários personagens que se inclinam a promover a defesa da Amazônia e de seus elementos.
Nesse contexto funesto tombaram, para citar alguns: Ir. Cleusa Carolina Rody Coelho, no Amazonas, em 1985; Pe. Ezequiel Ramin, em Rondônia, em 1985; Chico Mendes, no Acre, em 1988; Ir. Dorothy Stang, no Pará, em 2005 e, mais recentemente, no dia 05 de junho do ano corrente, Bruno Pereira e Dom Philips.
Na 55ª (quinquagésima quinta) edição do Festival Folclórico de Parintins7, realizado nos dias, 24, 25 e 26 de junho de 2022, os bumbás Caprichoso e
7 Manifestação máxima da cultura amazonense, realizada no Município de Parintins e representada pela competição travada, ao longo de três noites, entre duas agremiações: os Bois Bumbás Caprichoso e Garantido.
Garantido fizeram de suas apresentações no Bumbódromo8 efusivos gritos de socorro para a Amazônia, que enfrenta um duro processo de destruição sistemática, diante de um Poder Público inerte e omisso.
No processo de construção do cenário amazônico, conveniente é a orientação de Carneiro (2008, p. 22). Nessa região que nunca foi um vazio demográfico, a dispersão religiosa chega à Amazônia.
Uma terceira e última área (C) seria a Amazônia – Belém e Manaus e um ou outro burgo mais populoso e antigo. Aqui se produziu um fenômeno semelhante ao indicado no centro-sul; sem um prestigioso grupo jeje-nagô para apoiá-lo, e tendo encontrado viva e atuante uma tradição local, o modelo de culto teve de adaptar-se às condições do ambiente.
Esses cultos, ainda na esteira do pensamento de Carneiro (2008, p. 23), seriam a resultante do sincretismo afro-ibero-indígena e estariam enquadrados no que ele denominou de "área do catimbó", para o qual existem 02 (dois) tipos de cultos na área C: o batuque e o babaçuê, “que correspondem às variedades transmitidas à Amazônia, respectivamente, por elementos egressos da casa de Nagô e da casa das Minas em São Luiz”.
Por seu turno, Pereira (1979, p. 49), faz menção à presença de negros da nação mina na Amazônia, “que foram para as selvas e campos dessa região, procedentes da África, diretamente, ou do Maranhão e de outros pontos do Brasil, negros de diferentes nações”.
Em relação aos negros da Ilha do Marajó, didática é a manifestação de Pereira (1979, p. 49), quando atesta que eles:
trabalharam ali às ordens dos mercedários e de outras comunidades religiosas [...]. Negros fugidos dessa ilha, como de outros centros de lavoura de açúcar e de pastoreio, chegaram a formar, noutros pontos do Pará e do Amazonas, importantes quilombos ou mocambos que, ainda no século passado, eram apontados por viajantes como o casal Coudreau, no Trombetas e no Tapajós, e ainda atualmente têm descendentes no Rio Andirá, senão vestígios materiais de sua passagem no alto Rio Urubu.
No tocante à região amazônica, na distribuição geográfica das religiões de tronco africano, excluindo-se a região do Maranhão, com o domínio do doaomeano, todo o norte do Brasil, da Amazônia às fronteiras de Pernambuco, era domínio dos
8 Espaço construído sob forma de arena, onde se apresentam, em Parintins, os Bois Bumbás Caprichoso e Garantido, por ocasião do Festival Folclórico que leva o nome da cidade que o sedia.
indígenas. É o que se confirma mediante ensinamento de Bastide (1971, p. 243), que ressalta: “foi o indígena quem marcou com profunda influência a religião popular, a pajelança no Pará e na Amazônia, o encantamento no Piauí, e o catimbó ou cachimbó nas demais regiões”.
1.3 TAMBOR DE MINA E A DISPERSÃO NA AMAZÔNIA: PARÁ E AMAZONAS