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Dispositivos de vigilância digital: novos mecanismos de projetar tendências

No documento gihanaprobafava (páginas 33-36)

2.2 DO DESAFIO DE ORGANIZAR O BANCO DE DADOS À VIGILÂNCIA DIGITAL

2.2.2 Dispositivos de vigilância digital: novos mecanismos de projetar tendências

Ampliando a discussão do Big Data como mecanismo de controle de dados, enxerga-se um movimento invasivo na busca pelas informações que circulam na rede digital. Como explicitamos, onde tudo é quantificável, medido e interpretado, pode-se utilizar esses dados para fins comerciais, de modo que não fique muito claro para o usuário como funciona esse processo. Esse movimento pode ser relacionado com o que caracteriza a vigilância digital, tal qual Bruno (2008, p.11) definiu: “monitoramento sistemático, automatizado e à distância de ações e informações de indivíduos no ciberespaço, com o fim de conhecer e intervir nas suas condutas ou escolhas possíveis.” É importante destacar que a noção de vigilância trabalhada pela pesquisadora não é somente analisada no âmbito comercial e que Bruno (2008) traz, juntamente com o conceito, a noção de dispositivo, que se refere às tecnologias de monitoramento, a montagem de banco de dados e também os perfis computacionais que são criados. Pode-se relacionar também a vigilância atrelada ao conceito do panóptico. Na obra de Michel Foucault (1987), percebe-se que, paralelamente ao desenvolvimento das sociedades, os mecanismos de vigilância para disciplinar e manter o controle também foram evoluindo e, com o panóptico, encontram o “olho perfeito a que nada escapa e centro em direção ao qual todos os olhares convergem” (FOUCAULT, 1987, p.146). Com o aperfeiçoamento das técnicas de vigilância na era digital, o panorama com o qual nos deparamos é quase a realização do que o panóptico de Bentham almejaria: estar em toda parte, ininterruptamente.

A diferença, como vimos ao tratar o Big Data, é que, na rede digital, o controle de dados pode ser expandido, devido às facilidades de coleta e armazenamento de dados para cruzamento posterior. “[...] trata-se de uma vigilância que não mais isola e imobiliza indivíduos em espaços de confinamento, mas que se aproxima ou mesmo se confunde com o fluxo cotidiano de trocas informacionais e comunicacionais” (BRUNO, 2006, p.153). Ou seja, essa nova vigilância está buscando não a disciplina, correção ou punição, mas sim projetar tendências do que as pessoas vão se interessar num futuro não muito distante. E pior, as novas tecnologias de controle estão muito mais atraentes:

Hoje, à medida que a web evolui de uma plataforma de informações impessoais para uma internet de pessoas, a casa de inspeção industrial de Bentham reaparece com uma variação digital de arrepiar. O que antes vimos como prisão é agora considerado um parque de diversões; o que era encarado como dor hoje é visto como prazer. (KEEN, 2012, p.30).

Semelhante à noção de vigilância digital, o pesquisador Andrejevic cunha o termo “digital enclosure”, em tradução, enclausuramento digital ou cercamento digital, para denominar a lógica do tratamento de nossas informações pessoais no cenário atual da rede: “Como nossas vidas tornam-se mediadas pela conveniência da tecnologia digital, a informação sobre elas tornam-se sujeitas à captura comercial [...]” (ANDREJEVIC, 2009, tradução nossa)7. Os termos enclausuramento e cercamento trazem consigo a noção de espaço, o que para o autor é importante, já que ele defende que ao entrar nesse recinto digital estamos sujeitos, na maioria dos casos, a uma condição de vigilância ou monitoramento. O autor defende que mais do que a captura dos dados pessoais dos usuários, há também as experiências com essas informações, em uma dinâmica onde somos “ratos de laboratório” das empresas que vivem de explorar esses dados, pouco se importando com o indivíduo, pois o interesse está situado na correlação que a empresa poderá fazer através do mapeamento de dados de cada um de nós.

Outra questão diz respeito aos dados que são coletados e armazenados nesse processo. Como citado, há grande número de informações à disposição, então Bruno (2008) demonstra que os dados podem ser divididos entre os estáveis, que praticamente não mudam ao longo do tempo, como, por exemplo, dados geodemográficos, e os dados móveis ou circunstanciais, que estão ligados a questões comportamentais, como dados sociais que demarcam um conjunto de amigos; dados psicológicos; e até transacionais, como dados de cartão de crédito. Esse último tipo de dados, que tem mais ligação com questões pessoais, é o que oferece mais caminhos de atuação para a vigilância digital. Em outras palavras, esses dados são a chave para o controle de informação digital, pois os dispositivos de vigilância digital, ao realizarem conexões entre diversos dados, podem influenciar a escolha dos links que os usuários vão seguir:

A grande novidade, hoje, emerge com a mina de dados, porque ela extrai dos fluxos de informações móveis os bancos de dados dinâmicos e autorreguláveis. A mina de dados é completamente opaca, completamente invisível para o sujeito. Ela se faz com agentes de rede que trabalham sem cessar o fluxo de dados, procurando, através da conexão dos dados, formar instantaneamente grupos em uma multidão qualquer, tornando essa multidão interativa. Não é mais a história o que interessa para operar a sociedade. Muito mais importante é o quanto se pode adivinhar a partir dos padrões gerados pelas minas de dados nos fluxos de informação. Importa saber o que se pode esperar de alguém que é visto em algum lugar determinado, a partir daquilo que ele apresentar diante do olhar, utilizando os padrões preditivos existentes sob a forma de perfis. O entendimento deixa de ser uma questão hermenêutica para se tornar oracular. Essas tecnologias performativas e preditivas funcionam instrumentalizando e controlando as escolhas individuais. (ANTOUN, 2008, p.24)

7As our lives becomes mediated by the convenience of digital technology, information about them becomes

Assim, o Big Data fornece a tecnologia e a ciência estatística para os dispositivos de vigilância digital mapearem dados de quaisquer tipos, focando principalmente em informações pessoais móveis. Com esses dados a mão, o cenário que vai se formar é o de grandes empresas de tecnologia controlando essas informações e utilizando-as de diversas formas, inclusive comercialmente. Quando Antoun se refere às escolhas individuais, está falando da sofisticação desses dispositivos de vigilância digital que, ao longo do tempo, irão se alimentar cada vez mais de informações sobre os hábitos de navegação de cada usuário, podendo assim personalizar ainda mais os resultados. A partir disso, entrará em análise a terceira premissa, onde se indica que: a personalização dos dados, sob a justificativa de facilitar a navegação do usuário –, no sentido de melhorar sua experiência de uso, fornecendo os melhores resultados – tem controlado de forma invasiva e opaca o modo como consumimos informação hoje na rede, escondendo interesses comerciais que guiam essa ação. Logo, a percepção desse cenário leva-nos a refletir cada vez mais no sentido de que os usuários da rede estão passando de clientes para o próprio produto das corporações do mercado digital! E, embora o foco deste estudo esteja fixado na crítica do controle excessivo de dados, passando por esse viés da terceira premissa, não há o propósito de ir contra a demanda por organização, por motivos que ficam compreensíveis em:

Informação digital sem filtros é coisa que não existe, por razões que ficarão cada vez mais claras. À medida que parte cada vez maior da cultura se traduzir na linguagem digital de zeros e uns, esses filtros assumirão importância cada vez maior, ao mesmo tempo que seus papéis culturais se diversificarão cada vez mais, abrangendo entretenimento, política, jornalismo, educação, e mais. (JOHNSON, 2001, p.33) É exatamente a relevância e os rumos no modo de se filtrar informação no meio digital que nos interessa analisar. Enxergar as potencialidades da comunicação digital não se trata apenas de apontar uma extrema exaltação ao progresso tecnológico, mas sim de demonstrar novos caminhos que estão sendo cada vez mais limitados, na medida em que a vigilância de dados aumenta e esse controle passa por questões mercadológicas e porque não também comportamentais, sociais? De fato, para tentar fixar um ponto de entendimento, é necessário ressaltar pontos ambivalentes sobre o ciberespaço, isso porque “a humanidade não tem porque se voltar contra a tecnologia, embora também não tenha motivos para abraçá-la incondicionalmente” (RÜDIGER, 2013, p.64).

A partir deste ponto, apresentaremos dois conceitos que iremos expor ao longo do trabalho e que influenciam a organização da informação digital e o modo de consumir dados, em diferentes níveis. No próximo capítulo, vamos trazer a discussão para o âmbito da inteligência artificial, ao tratar dos agentes inteligentes e o fenômeno dos filtros bolha –

conceitos que nos ajudam a entender como a filtragem de informações vem ocorrendo e que serão permeados pelas reflexões acerca dos estudos sobre os dispositivos de vigilância digital.

3 DOS AGENTES INTELIGENTES AO FILTRO BOLHA: CONSEQUÊNCIAS DA

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