3. Avaliação e Conduta das Doenças Cardíacas Durante a Gravidez
3.2. Cardiopatias Congênitas
3.3.5. Cardiomiopatia Restritiva
3.6.4.1. Dissecção e Ruptura Aórtica
A gestação aumenta a suscetibilidade da mulher para a dissecção e a ruptura da aorta. Na população geral, a incidência de dissecção da aorta é de 6 por 100.000 indivíduos/ano, contudo na gravidez esta ocorrência aumenta em 100 vezes, para aproximadamente 0,6%.Por isso, o diagnóstico de dissecção aórtica deve ser considerado em todas as pacientes com dor torácica durante a gravidez. Ela ocorre mais frequentemente no último trimestre (50%) ou no período inicial pós-parto (33%).52
A síndrome de Marfan é a doença mais comum do tecido conjuntivo, causada por uma mutação no gene FBN-1, que codifica a glicoproteína fibrilina herdada em um padrão autossômico dominante.254 O aumento médio de crescimento
do diâmetro da aorta durante a gestação em portadoras da síndrome de Marfan é de 0,3 mm/mês, enquanto, na população em geral com a doença, é de 0,38 mm/ano.254 O aumento da taxa de dilatação da aorta diminui após o parto, mas permanece mais elevada do que a taxa pré-gestacional.253
O diagnóstico inclui história, exame físico, ECO e ressonância magnética da aorta. A angiotomografia da aorta torácica complementa a investigação quando há forte suspeita pelos exames anteriores de dissecção.
Um dos fatores mais importantes para determinar o risco de disseção da aorta é o seu diâmetro máximo (< 40 mm, risco de dissecção de 1%; > 40 mm, risco de dissecção de 10%).255 A gravidez geralmente é contraindicada se o diâmetro da aorta ascendente for maior que 40 mm em pacientes com história familiar de dissecção ou morte súbita, embora a dimensão exata ainda seja uma questão de debate.254 Parece haver uma baixa incidência de dissecção se o diâmetro da aorta for inferior a 4,5 cm; no entanto, a gravidez aumenta o risco tardio de complicações aórticas.52,254,256
Uma consideração importante é a área de superfície corporal, particularmente em mulheres pequenas. Índice de diâmetro aórtico maior que 27 mm/m2 está associado a um alto risco de dissecção, e a substituição profilática de raiz aórtica deve ser considerada.52
Tabela 25 – Classificação da hipertensão arterial pulmonar
Categoria 1
Idiopática Hereditária
Induzida por fármacos e toxinas: anorexígenos, quimioterápicos, inibidores de recaptação da serotonina, cocaína Associada a: cardiopatias congênitas, doenças do colágeno, infecção pelo HIV, hipertensão portal,
esquistossomose
Hemangiomas capilares pulmonares ou doença pulmonar veno-oclusiva Hipertensão pulmonar persistente do recém-nascido
Categoria 2 - Hipertensão pulmonar devido a doença cardíaca esquerda
Disfunção diastólica Disfunção sistólica
Doença valvar
Obstrução congênita/adquirida do coração esquerdo e obstrução do trato de saída e cardiomiopatias congênitas
Categoria 3 - Hipertensão pulmonar devido a doença pulmonar e/ou hipoxemia
Doença pulmonar obstrutiva crônica Doença intersticial pulmonar
Doenças pulmonares com padrão misto, ou seja, restritivo e obstrutivo Distúrbios respiratórias obstrutivas so sono
Hipoventilação alveolar Exposição crônica a altitude Doenças pulmonares ocupacionais
Categoria 4 Hipertensão pulmonar devido a tromboembolismo crônico
Categoria 5 - Hipertensão pulmonar com mecanismos multifatoriais pouco esclarecidos
Distúrbios hematológicos: anemia hemolítica crônica, distúrbios mieloproliferativos, esplenectomia Distúrbios sistêmicos: sarcoidose, histiocitose pulmonar, linfangioleiomiomatose Distúrbios metabólicos: doença de depósito de glicogênio, doença de Gaucher, distúrbios da tireoide Outros: obstrução tumoral, mediastinite fibrosante, insuficiência renal crônica, hipertensão pulmonar segmentar
Problemas cardiovasculares associados também precisam ser avaliados, incluindo a possibilidade de regurgitação aórtica e prolapso da valva mitral com regurgitação associada.
Tem sido demonstrado que os betabloqueadores aumentam a distensibilidade da aorta e reduzem a velocidade da onda de pulso e reduzindo a taxa de complicações, tais como regurgitação, dissecção e IC congestiva. Considera-se a redução de 20% da frequência cardíaca de repouso como objetivo do tratamento.257
Recomenda-se vigilância ecocardiográfica periódica a cada 6 a 8 semanas para monitorar o tamanho da raiz da aorta da mãe, com o intervalo dependente dos achados ecocardiográficos iniciais.254
O tipo de parto preferível é o cesárea, em pacientes com dilatações de aorta > 45 mm, e deve ser realizado em um centro de atendimento terciário onde haja equipe cirúrgica experiente. Em pacientes com diâmetro < 45 mm e sem evento prévio, o parto pode ser normal, com analgesia precoce e fórceps de alívio.
Aconselhamento na pré-concepção exige determinação da doença de base, avaliação genética e a correção da dilatação da aorta de acordo com os limiares de seus diâmetros (Tabela 26).
Síndrome de Ehlers-Danlos do tipo IV (vascular) cursa com complicações vasculares graves, com características de herança autossômica dominante e risco de transmissão de 50% para a prole.
A mortalidade materna é significativa e relaciona-se a ruptura uterina e dissecção de grandes artérias e veias. A gravidez é, portanto, considerada situação de alto risco e não aconselhada (risco IV-OMS); assim, essas mulheres devem ser aconselhadas em um processo de tomada de decisão compartilhada ao contemplar gravidez.52
Na síndrome de Ehlers-Danlos vascular, também uma doença rara e grave do tecido conjuntivo caracterizada por tecido vascular frágil, a ruptura vascular durante a gravidez tem sido relatada em até 50%, com taxas de mortalidade entre 5 e 50%A gestação, nesse caso, está também associada a ruptura prematura das membranas fetais, abortos espontâneos e prematuridade.52
A síndrome de Turner256é a anormalidade dos cromossomos sexuais mais comum nas mulheres e ocorre em 1 a cada 1.500 a 2.500 crianças do sexo feminino nascidas vivas. A constituição cromossômica pode ser ausência de um cromossomo X (cariótipo 45,X) ou mosaicismo cromossômico (cariótipo 45,X/46,XX), além de outras anomalias estruturais do cromossomo X.256 A síndrome de Turner está associada a um risco aumentado de doença cardíaca, dilatação aórtica, hipertensão, diabetes melito e eventos de doença aterosclerótica.256
Estima-se que a dissecção de aorta em pacientes com síndrome de Turner seja 36 em 100.000 casos, porém é seis vezes mais comum em idades mais jovens do que na população geral.52 Os fatores de risco incluem dilatação da aorta, valva aórtica bicúspide e coarctação da aorta.52 A gravidez deve ser evitada quando o índice de tamanho da aorta é > 25 mm/m2. Além disso, após a cirurgia de raiz, a paciente permanece em risco de dissecção tipo B.
Gravidez espontânea pode ocorrer em pacientes em mosaico Turner (0,5 a 10%), sendo muito comum secundária a fertilidade
assistida. Por isso, recomenda-se avaliação cardiovascular antes de se iniciar o tratamento de fertilidade. Ademais, um bom controle da pressão arterial e da diabetes é obrigatório para todos os pacientes de Turner durante a gravidez.52
A síndrome de Loeys-Dietz258é uma condição autossômica dominante rara. Foi descrita pela primeira vez em 2005 e está associada à formação ou dissecção do aneurisma da aorta ou de outras artérias, geralmente em idade precoce.258 Foi identificada em indivíduos encaminhados para investigação de síndrome de Marfan257 ou de Ehlers-Danlos vascular que não apresentavam características clássicas dessas condições, mas sim outras características, incluindo tortuosidade arterial generalizada, hipertelorismo, úvula bífida/ampla ou fenda palatina.257
A síndrome resulta de mutações nos genes que codificam componentes da via de sinalização do fator de transformação do crescimento beta (TGF-β). A patologia aórtica é particularmente preocupante nessa condição, mas outras anormalidades vasculares também podem estar presentes.258
Morbimortalidade materna significativa tem sido descrita em pacientes com síndrome de Loeys-Dietz, mas é possível a gravidez bem-sucedida e não complicada.258 No entanto, todas as pacientes com essa condição devem, no presente, ser tratadas como muito alto risco na gravidez e no período pós-parto, até que ferramentas confiáveis de previsão de risco estejam disponíveis.258
Não há estudos sobre o benefício e os riscos do parto cesárea quando comparado ao parto vaginal em pacientes com doenças hereditárias da aorta. Contudo, recomenda-se o parto cesárea de acordo com os limites de dilatação de aorta apresentados na Tabela 26. Abaixo desses limites, a via vaginal pode ser considerada.
3.6.4.2. Pontos-chaves
• Doenças da aorta constituem causa importante de morte materna no ciclo gravídico-puerperal;
• Gravidez aumenta a suscetibilidade da mulher para a dissecção e a ruptura da aorta;
• O planejamento de gravidez inclui diagnóstico da doença de base, ressonância magnética da aorta e vasos da base, e eventual correção cirúrgica da aorta de acordo com os limites de risco de dissecção ee aconselhamento genético; • A ocorrência de dissecção de aorta com feto viável
(> 28 semanas de gestação) indica cesárea de urgência, contudo se o feto for inviável, procede-se a cirurgia cardíaca com manutenção da gravidez;
Tabela 26 – Limiares dos diâmetros de aorta e indicação de intervenção considerando gravidez257
Doença de base Diâmetro de aorta ascendente
S. de Marfan 45 mm S. de Loeys-Dietz 40-45 mm S Ehlers -Danlos IV Contraindicação à gravidez Valva bicúspide 50 mm S. Turner 27 mm/m2
• Mulheres portadoras das síndromes de Ehlers-Danlos, Turner e Loeys-Dietz além do alto risco de dissecção de aorta estão exposta a eventos complicadores como hipertensão, diabetes e outros aneurismas, que, em conjunto, representam um significativo aumento de morte materna durante a gravidez.
3.6.5. Doença de Chagas